A Lei Federal nº 15.042, publicada em 12 de dezembro de 2024, representa um marco no combate às mudanças climáticas por parte do Brasil ao criar o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa, instituindo assim o mercado regulado de carbono no país.
No entanto, ao analisar tal legislação, verifica-se que não há qualquer disposição que estipule a necessidade de se adotar as Melhores Técnicas Disponíveis (MTDs) com relação à alocação das Cotas Brasileiras de Emissão (CBEs), sendo esta medida que o mercado de carbono europeu vem adotando há anos e que representa, concretamente, um estímulo à modernização tecnológica e eficiência ambientais.
Desse modo, faz-se necessário analisar o que são as Melhores Técnicas Disponíveis, como elas foram incorporadas no mercado de carbono europeu e, com base nisso, como ela pode ser incorporada ao mercado nacional, representando a concretização de princípios do Direito Ambiental, bem como promovendo um desenvolvimento efetivamente sustentável.
Melhores técnicas disponíveis (MTDs)
De acordo com a Diretiva 2010/75/EU do Parlamento Europeu, as Melhores Técnicas Disponíveis (MTD) consistem em uma metodologia que considera a necessidade de adoção de uma técnica mais eficiente para o desenvolvimento e modo de exploração de uma determinada atividade, visando atingir um nível mais elevado de proteção ambiental.
Consiste na adoção de técnicas ou tecnologias mais avançadas, de custo razoável, que garantem o desenvolvimento de uma atividade econômica de maneira a produzir o menor impacto ambiental possível.
Conhecida internacionalmente como Best Available Techniques (BAT), sua origem se deu na Europa no século 20, em decorrência da discussão envolvendo os contratos de concessão que outorgavam às empresas privadas o monopólio da prestação do serviço de iluminação pública há vários anos e que, até então, se dava a gás; sem prever qualquer estipulação sobre o avanço da técnica em relação à difusão da energia elétrica, gerando ações judiciais que reconheceram a obrigatoriedade de incorporação dos avanços tecnológicos na melhoria dos serviços públicos prestados.
Fundamentadas em Direitas no Parlamento Europeu desenvolvidas ao longo dos anos, especialmente na já citada Diretiva 2010/75/EU, que exige de que instalações industriais operem de acordo com as MTDs; o conceito de Melhores Técnicas Disponíveis passou a ser amplamente difundido, gerando-se posteriormente documentos de referência denominados Best Available Techniques Reference Document (Brefs), os quais apontavam as melhores MTDs para determinados tipos de setores e empreendimentos e estabeleciam a base para a fixação de parâmetro mínimo de qualidade ambiental para tais atividades.
No Brasil, todavia, as MTDs não foram incorporadas em normativas ou diretivas, havendo apenas previsões gerais sobre adoção de tecnologias ambientalmente adequadas como na Resolução nº 436/2011 do Conama por exemplo ou na Lei de Resíduos Sólidos.
Contudo, como aponta Loubet, a obrigação da implementação das Melhores Técnicas Disponíveis é decorrência direta do princípio do poluidor-pagador, do desenvolvimento sustentável e da obrigatoriedade da elaboração de Estudo de Impacto Ambiental, pois, se a necessidade de concessão de licença está vinculada à realização de estudo para definir a forma de execução da atividade de modo a extinguir ou mitigar os eventuais impactos ambientais negativos que ela possa vir a causar, não faz sentido que haja a possibilidade de que sejam escolhidos métodos que não sejam necessariamente mais vantajosos ao meio ambiente.
Nesse sentido, percebe-se que a utilização das Melhores Técnicas Disponíveis deve ser adotada no Brasil, uma vez que,
“[…] do próprio artigo 225, da Constituição Federal, quando estabelece a necessidade de estudos de impacto ambiental, uma vez que não faria nenhum sentido que o legislador constitucional exigisse tais estudos se, depois de estudadas todas as técnicas possíveis e seus impactos no meio ambiente, houvesse liberdade irrestrita na escolha de qualquer uma delas. O lógico que se depreende é justamente que tais estudos são necessários para estudar várias alternativas, elegendo-se a melhor entre elas, ou seja, as melhores técnicas disponíveis” (grifo nosso) [1].
A adoção de MTD possibilita que a regulação normativa acompanhe o constante progresso da técnica, limita a discricionariedade do Poder Público em aceitar técnicas que não sejam ambientalmente benéficas, traz critérios de ponderação entre a economia e o meio ambiente, além de outras vantagens que fazem com que esta metodologia possa ser aplicada não apenas no licenciamento, mas, como no caso em tela, também no mercado de carbono, em especial ao definir critérios de emissões das CBEs.
MTDs no mercado de carbono europeu
A Diretiva 2003/87/EC deu origem ao Sistema de Comércio de Emissões da União Europeia (EU Emissions Trading System ou EU-ETS) em 2005, criando assim o mercado regulado de carbono na União Europeia.
Esse sistema se baseia em um princípio denominado “cap-and-trade”, ou seja, de limite e comércio, estabelecendo um limite para as emissões de gases do efeito estufa (GEE) de determinados setores industriais e exigindo o pagamento de cotas para a compensação das emissões que superarem tais limites estabelecidos. Tais cotas são denominadas European Union Allowances (EUA).
A alocação dessas cotas pode se dar de forma gratuita ou onerosa; sendo a alocação gratuita mais comum aos setores mais sujeitos ao vazamento de carbono (carbono leakeage), caracterizado pela transferência das operações de uma indústria para outro país cujo mercado de carbono não seja regulado ou cuja regulação seja menos rígida, de modo a evitar os custos associados. Assim, a alocação das cotas de forma gratuita passa a representar uma forma de reduzir os custos associados à compensação pela emissão dos GEE em decorrência da atividade exercida e manter as indústrias no local onde há tal regulação, sem que haja prejuízos à competitividade empresarial global.
Entretanto, a regulação do mercado de carbono europeu não se destina exclusivamente a reduzir as emissões de gases do efeito estufa, buscando igualmente fomentar a utilização de tecnologias que promovam maior eficiência energética e, consequentemente, estimular a inovação direcionada ao surgimento e implementação de tecnologias mais limpas, conforme estabelecido no item 20 do preâmbulo da Diretiva 2003/87/EC.
Em razão disso se estabeleceu um critério de alocação para as EUA gratuitas e sua quantidade baseado em parâmetros de referência (benchmarks), as quais estipulam a quantidade mínima de emissões necessárias para produzir um produto específico, havendo expresso estímulo a adoção das Melhores Técnicas Disponíveis, como pode se verificar no item 7 do anexo II da referida Diretiva:
“7) O plano pode incorporar medidas tomadas numa fase precoce e deve conter informações sobre o modo como elas são tidas em consideração. Os Estados-Membros podem utilizar parâmetros de referência (benchmarks) procedentes dos documentos de referência relativos às melhores técnicas disponíveis no contexto da elaboração dos seus planos nacionais de atribuição de direitos de emissão; estes parâmetros podem incorporar um elemento que tenha em conta as ações empreendidas numa fase precoce (grifo nosso)” [2].
Nesse mesmo sentido, estabelece-se que Comissão Europeia deve elaborar um relatório sobre a aplicação da Diretiva 2003/87/EC, devendo levar em consideração, para além de outros aspectos estabelecidos, “a viabilidade de desenvolvimento de parâmetros de referência (benchmarks) válidos a nível comunitário, enquanto base para a atribuição de direitos de emissão, tendo em conta as melhores técnicas disponíveis e uma análise de custo/benefício” (item k, artigo 30 da Diretiva 2003/87/EC).
Posteriormente, estabeleceu-se através da Diretiva 2018/410 que os benchmarks devem basear-se na intensidade média de emissões das 10% das instalações mais eficientes, refletindo assim seu desempenho. Desse modo, os parâmetros de referência para a alocação gratuita de cotas têm como fundamento a média das emissões de GEE das indústrias que sejam mais eficientes, implicando no estímulo direto à implementação das MTDs para redução dos custos associados à atividade, em decorrência de tal gratuidade.
Através do Regulamento EU 2019/331, vinculou-se mais diretamente os benchmarks às MTDs, ao estabelecer regras para atribuição de licenças de emissão a título gratuito:
“[…] as medidas transitórias plenamente harmonizadas e à escala da UE em matéria de atribuição de licenças de emissão a título gratuito deverão, tanto quanto possível, determinar parâmetros de referência ex ante que assegurem que essa atribuição ocorra de uma forma que incentive reduções das emissões de gases com efeito de estufa e técnicas energéticas eficientes, ao tomar em consideração as técnicas mais eficientes, substitutos, processos de produção alternativos, cogeração de alta eficiência, recuperação eficiente de energia a partir de gases residuais, utilização da biomassa e captura e armazenamento de dióxido de carbono, sempre que tais instalações estejam disponíveis (grifo nosso)” [3].
Verifica-se, assim, que as Melhores Técnicas Disponíveis foram incorporadas ao mercado de carbono europeu desde a gênese de sua regulação, sendo cada vez mais consideradas nas estipulações normativas desenvolvidas ao longo dos anos. As Diretivas que englobam o tema demonstram a compreensão de que a adoção das MTDs implica em eficiência ambiental, estabelecendo-se benefícios econômicos como forma de estimular sua implementação, através da alocação gratuita de cotas.
Regulação do mercado de carbono brasileiro
A Lei Federal nº 15.042 de 12 de dezembro de 2024 estabelece o mercado regulado de carbono no país, e teve seu fundamento na necessidade de se estabelecer limitações concretas para a emissão de gases poluentes na atmosfera, visando conter as mudanças climáticas verificáveis a nível global.
Através dela, instituiu-se o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases do Efeito Estufa (SBCE), cuja responsabilidade é delimitar tetos para as emissões e fixar regras para a venda de títulos de compensação, entre outras.
Por meio dessa lei, também foi adotado no país o princípio “cap-and-trade”, estabelecendo-se limites para a emissão de carbono e exigindo-se o pagamento de cotas para a compensação das emissões excedentes aos limites estabelecidos; concretizando, através dessa modalidade, o princípio do poluidor-pagador, segundo o qual “[…] dado o caráter difuso e esgotável dos bens ambientais, todos que sejam responsáveis pela utilização desses bens em seu proveito (e em detrimento da sociedade) devem arcar com este déficit da coletividade” [4].
De forma específica, a Lei nº 15.042/2024 definiu que serão instituídos e negociados no âmbito do SBCE os ativos consistentes em Cota Brasileira de Emissões (CBE) e Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE), consistindo a CBE, especificamente, em título vinculado aos operadores que possuem a obrigação de compensar suas emissões, definida como pelo artigo 2º, VI como “ativo fungível, transacionável, representativo do direito de emissão de 1 tCO2e (uma tonelada de dióxido de carbono equivalente), outorgado pelo órgão gestor do SBCE, de forma gratuita ou onerosa, para as instalações ou as fontes reguladas”.
Os limites de emissão que necessitarão de compensação mediante CBE foram estabelecidos no artigo 30, de modo que os operadores responsáveis pelas instalações e fontes que emitam acima de 10.000 tCO2e (dez mil toneladas de dióxido de carbono equivalente) e de 25.000 tCO2e (vinte e cinco mil toneladas de dióxido de carbono equivalente), por ano, estarão sujeitos à regulação do SBCE, os quais deverão submeter plano de monitoramento à apreciação do órgão gestor do SBCE, enviar relato de emissões e remoções de GEE conforme plano de monitoramento aprovado e atender outras obrigações previstas em decreto ou em ato específico do órgão gestor do SBCE (artigo 29, I, II e IV), sendo que os que emitam acima do maior limite estipulado deverão, adicionalmente, enviar relato de conciliação periódica de obrigações (artigo 29, III).
Verifica-se, assim, que a transação de ativos de carbono no mercado regulado poderá gerar mais segurança para as partes envolvidas e, eventualmente, atingir valores mais significativos. Não obstante, sua regulamentação e validação poderá ser mais ampla e rigorosa, uma vez que não há qualquer estipulação na Lei nº 15.042/2024 nem regulamentação referente a ela que estabeleça qualquer estímulo normativo à eficiência ambiental na alocação da quantidade de cotas necessárias para cada empresa vinculada ao mercado regulado de carbono no Brasil, como se verifica na regulação do mercado de carbono europeu.
Nesse sentido, a experiência do mercado de carbono europeu, já consolidado e estabelecido em padrões de eficiência e inovação, demostra concretamente como a alocação de cotas de emissões pode ser utilizada não apenas para compensar a emissão de GEE, mas também para garantir o desenvolvimento sustentável através da vinculação do volume de cotas às Melhores Técnicas Disponíveis.
Conclusão
A experiência da regulação do mercado de carbono europeu evidencia que esse instrumento pode ser utilizado não apenas para limitação das emissões de gases do efeito estufa de modo a combater o avanço das mudanças climáticas, mas também como forma de garantir a adoção de tecnologias concretamente mais sustentáveis que podem vir a preservar recursos naturais e reduzir a poluição de modo geral, através da adoção da metodologia das Melhores Técnicas Disponíveis.
Assim, verifica-se que a regulamentação da Lei Federal nº 15.042/2024 deverá incorporar as MTDs aos critérios de alocação das CBEs, de modo a exigir a adoção das técnicas e tecnologias que maximizem a redução de gases do efeito estufa para as empresas sujeitas à regulação.
A incorporação dessa metodologia ao mercado regulado de carbono nacional permitirá que a ele sejam vinculados os princípios da sustentabilidade e da prevenção, fomentando a eficiência técnica das indústrias e maior preservação ambiental em decorrências das atividades por elas exercidas, concretizando assim o incentivo à modernização tecnológica e ao desenvolvimento sustentável.
Referências
[1] LOUBET, Luciano. Furtado. Licenciamento Ambiental: A obrigatoriedade da adoção das melhores técnicas disponíveis. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2014.
[2] EUROPEAN PARLIAMENT. Directive 2003/87/EC of the European Parliament and of the Council, 13 out. 2003, on stablishing a scheme for greenhouse gas emission allowance trading within the Community and amending Council Directive 96/61/EC. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/HTML/?uri=CELEX:32003L0087. Acesso em: 03 mar. 2025.
[3] EUROPEAN PARLIAMENT. Commission Delegated Regulation (EU) 2019/331, 19 dez. 2018, determining transitional Union-wide rules for harmonised free allocation of emission allowances pursuant to Article 10a of Directive 2003/87/EC of the European Parliament and of the Council. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/HTML/?uri=CELEX:32019R0331. Acesso em: 7 mar. 2025.
[4] RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito Ambiental Esquematizado. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
Fonte: Conjur
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