A arrematação por preço vil é vedada por lei e protege devedores e o equilíbrio do mercado, assegurando que bens não sejam vendidos por valores irrisórios

O leilão de bens, seja judicial ou extrajudicial, é um importante instrumento para a satisfação de dívidas garantidas por patrimônio do devedor. No entanto, a prática deve obedecer a parâmetros legais que garantem justiça e equilíbrio na transação. Um desses parâmetros é a vedação à arrematação por preço vil, um conceito fundamental para evitar a alienação de bens por valores ínfimos e proteger tanto o devedor quanto a credibilidade do mercado.

Neste artigo, explicamos de forma clara o que é considerado preço vil, qual a base legal para sua vedação e os impactos práticos dessa regra para credores, devedores e investidores.

O que é preço vil em leilão

O preço vil corresponde à proposta feita em leilão que é manifestamente desproporcional ao valor de mercado ou à avaliação formal do bem alienado. No ordenamento jurídico brasileiro, o CPC (art. 891, parágrafo único) define objetivamente esse conceito: considera-se vil o preço inferior a 50% do valor da avaliação, exceto se houver estipulação diversa constante do edital de leilão.

Embora essa regra tenha sido concebida originalmente para execuções judiciais, ela passou a ser aplicada também em execuções extrajudiciais, especialmente após as alterações introduzidas pela lei 14.711/23, que modificou a lei 9.514/1997 – marco regulatório da alienação fiduciária de bens imóveis.

Antes dessa alteração legislativa, a redação original do artigo 27 da lei 9.514/1997 previa apenas que, no segundo leilão, seria aceito o maior lance, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro e encargos legais, inclusive tributos. Isso gerava a interpretação de que poderia haver arrematação mesmo por valor bastante inferior ao da avaliação do bem, desde que suficiente para quitar a dívida, o que favorecia arrematantes, mas expunha devedores a prejuízos patrimoniais desproporcionais.

A mudança legislativa, com a introdução do § 2º ao artigo 27, determinou expressamente que, no segundo leilão, não se admite lance inferior a 50% do valor de avaliação do bem, ainda que o valor seja suficiente para a quitação da dívida. Assim, hoje há um critério claro e objetivo para todas as alienações fiduciárias realizadas extrajudicialmente.

Essa sistematização também se alinha a princípios constitucionais, como o da função social da propriedade, previsto no art. 5º, XXIII, da Constituição Federal, que impede o uso da execução como instrumento de confisco patrimonial ou enriquecimento sem causa.

Importância da vedação ao preço vil

A proibição da arrematação por preço vil desempenha uma função essencial de proteção ao devedor e de preservação da integridade das operações de crédito e garantia no Brasil. Ao estabelecer um limite mínimo para a alienação, evita-se que o bem do devedor seja vendido por valor irrisório, que não reflita sua real dimensão patrimonial, garantindo-lhe, assim, um tratamento mais justo e proporcional, mesmo na execução forçada.

Essa vedação também impede práticas abusivas e predatórias por parte de arrematantes e credores que poderiam se valer da ausência de critérios objetivos para adquirir bens a preços irrisórios, muitas vezes sem sequer cobrir a totalidade do prejuízo causado ao devedor.

Outro fundamento importante é a proteção contra o enriquecimento sem causa, consagrado no art. 884 do Código Civil, o qual determina que ninguém pode se beneficiar indevidamente à custa do patrimônio alheio. Além disso, o princípio da função social da propriedade exige que o uso do bem atenda ao interesse coletivo e não apenas ao interesse econômico imediato de quem o adquire em condições desfavoráveis ao antigo proprietário.

Antes mesmo da alteração legislativa de 2023, renomados doutrinadores, como Melhim Namem Chalhub, já defendiam a necessidade de limitar a alienação extrajudicial a pelo menos 50% do valor da avaliação, para compatibilizar esse procedimento com o regime jurídico da execução forçada previsto no CPC.

Com a alteração trazida pela lei 14.711/23, houve uma harmonização normativa que fortalece a proteção dos direitos patrimoniais e assegura maior segurança jurídica às partes envolvidas.

Impactos práticos

O impacto da vedação ao preço vil se manifesta diretamente na condução de leilões, sejam eles judiciais ou extrajudiciais. Para o credor, significa a necessidade de observar limites legais claros ao aceitar lances, evitando a realização de alienações que possam ser posteriormente anuladas judicialmente, com os consequentes custos e atrasos no recebimento do crédito.

Para o devedor, a vedação representa uma importante salvaguarda patrimonial, protegendo-o contra a perda de bens valiosos por valores ínfimos, e garantindo que, na pior das hipóteses, a alienação forçada respeitará parâmetros mínimos de justiça e proporcionalidade.

Do ponto de vista do arrematante, a regra promove segurança jurídica, pois reduz significativamente os riscos de anulação da arrematação por irregularidade formal ou material, assegurando que a aquisição será legítima e definitiva.

A título de exemplo, se um imóvel é avaliado em R$ 1.000.000,00, o lance mínimo que pode ser aceito, em segundo leilão, é de R$ 500.000,00. Assim, mesmo que a dívida garantida seja de R$ 300.000,00, o arrematante não poderá adquirir o bem por esse valor, pois configuraria venda por preço vil, violando os limites legais expressos no art. 891 do CPC e no art. 27, § 2º, da lei 9.514/1997.

Essa sistemática protege a confiança no mercado, evitando práticas especulativas e assegurando a valorização adequada dos ativos colocados em leilão. O mercado de garantias e de financiamento imobiliário, em especial, depende dessa confiança para operar com segurança e previsibilidade.

Conclusão

A vedação à arrematação por preço vil representa uma das mais importantes garantias no processo de execução patrimonial brasileiro. Ela assegura que, mesmo na alienação forçada, o devedor não seja privado de seu patrimônio de forma desproporcional, preservando valores constitucionais como a dignidade da pessoa humana e a função social da propriedade.

A recente alteração promovida pela lei 14.711/23 consolidou esse entendimento, harmonizando a execução extrajudicial com as regras e princípios que regem a execução judicial, e eliminando eventuais lacunas ou divergências interpretativas que existiam no âmbito da alienação fiduciária.

Para credores, devedores e investidores, a compreensão e a observância dessa vedação são fundamentais para garantir a validade e a eficácia das arrematações, evitando litígios e prejuízos.

Em vista da complexidade e da relevância do tema, recomenda-se sempre a busca de orientação jurídica especializada, tanto na preparação para leilões quanto na impugnação ou defesa de atos de alienação, garantindo o pleno respeito às formalidades legais e a proteção dos direitos envolvidos.

Fonte: Migalhas

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