“Desde a Emenda Constitucional nº 66/2010, que eliminou a exigência de separação judicial prévia, o divórcio foi consolidado como um direito potestativo, ou seja, um direito que independe da concordância da outra parte para ser exercido”

A proposta de reforma do Código Civil que prevê a introdução do divórcio unilateral extrajudicial tem catalisado um intenso debate no cenário jurídico brasileiro. Mais do que uma alteração procedimental, representa um marco na evolução do Direito de Família, ao alinhá-lo às dinâmicas sociais e redefinir o papel da advocacia especializada.

Atualmente, a dissolução do vínculo matrimonial pela via extrajudicial formalizada em cartório exige a concordância expressa de ambos os cônjuges e a inexistência de filhos menores ou com restrição de capacidade civil. A proposta em discussão, no entanto, permite que apenas um dos cônjuges solicite o divórcio diretamente na esfera extrajudicial, sem a anuência prévia do outro. A medida responde à demanda por celeridade e desburocratização na dissolução conjugal.

Desde a Emenda Constitucional nº 66/2010, que eliminou a exigência de separação judicial prévia, o divórcio foi consolidado como um direito potestativo, ou seja, um direito que independe da concordância da outra parte para ser exercido. A proposta do divórcio unilateral extrajudicial, portanto, não cria um novo direito, mas oferece uma via mais ágil e menos onerosa, sobretudo quando a resistência é apenas formal.

Para além do aspecto procedimental, é preciso refletir sobre o impacto humano e social da medida proposta. Manter um casamento deve ser uma escolha contínua e voluntária. Impor a permanência em um vínculo já esgotado, seja por inércia ou por resistência de uma das partes, contraria princípios como liberdade individual, dignidade e autonomia privada. Em contextos de relacionamentos abusivos ou de profunda desarmonia, a possibilidade de um divórcio unilateral extrajudicial emerge como instrumento essencial de proteção, especialmente para os cônjuges em situação de vulnerabilidade.

Ainda que promissora, a desjudicialização exige o estabelecimento de salvaguardas rigorosas. É imprescindível que a proposta legislativa inclua mecanismos para garantir a notificação formal, inequívoca e tempestiva do cônjuge não requerente, assegurando seu direito ao contraditório e à ampla defesa. Mais crucial ainda é garantir o acesso à assistência jurídica de qualidade. O advogado de família tem papel estratégico: orienta, media conflitos, previne litígios e protege os mais frágeis, garantindo que a celeridade não comprometa direitos.

Importante destacar que as questões de maior complexidade, como a definição da guarda de filhos, o valor dos alimentos ou a partilha de bens litigiosa, continuarão a ser resolvidas no âmbito do Poder Judiciário. A via extrajudicial se destina, essencialmente, à formalização da dissolução do vínculo conjugal, em situações em que não há consenso quanto à continuidade do casamento, mas há possibilidade de diálogo quanto aos demais aspectos patrimoniais e familiares.

A implementação do divórcio unilateral extrajudicial promete impacto relevante na eficiência do sistema judiciário. Ao desonerar as Varas de Família de demandas que poderiam ser solucionadas de forma consensual e administrativa, o Judiciário poderá concentrar seus recursos em casos mais complexos, otimizando a prestação jurisdicional e contribuindo para a redução do tempo de espera nos processos litigiosos.

Esse movimento legislativo reflete uma transformação social profunda. O casamento, antes visto como instituição rígida, hoje se baseia em afeto, respeito e liberdade. O Direito de Família precisa acompanhar essa evolução, equilibrando a autonomia das partes com a proteção de seus integrantes mais vulneráveis.

Em suma, o divórcio unilateral extrajudicial não é apenas uma simplificação burocrática. Trata-se de uma transformação cultural e jurídica, que convida à reflexão sobre o papel do Estado nas relações afetivas e reafirma o compromisso do Direito de Família com um modelo mais ágil, justo e sintonizado com a realidade social. Para os profissionais da advocacia, representa a oportunidade de fortalecer sua função consultiva, mediadora e protetiva, em um cenário onde a desjudicialização e a autonomia privada ganham cada vez mais centralidade.

Fonte: Correio Braziliense

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