CNJ ampliou prazo para purgação da mora em alienação fiduciária habitacional, garantindo 45 dias para regularização e evitando perda rápida do imóvel

Um marco procedimental decisivo para as execuções extrajudiciais de alienação fiduciária de bens imóveis foi alcançado pelo CNJ em maio de 2025. A partir de um pedido de providências formulado pela ABRADEB – Associação de Defesa dos Clientes e Consumidores de Operações Financeiras e Bancárias, o CNJ impôs aos Cartórios de Registro de Imóveis a obrigação de, nas intimações que comunicam a constituição em mora do devedor, inserir expressa menção à possibilidade de regularização do débito dentro de um prazo estendido de 45 dias, especificamente nas operações de financiamento habitacional, à luz dos §§1º e 2º do art. 26-A da lei 9.514/97.

Embora a deliberação tenha gerado grande repercussão na busca de uniformizar e aperfeiçoar a prática registral, a alteração implementada pela lei 13.465/17, vigente deste 12/7/17, já conferia respaldo para que o mutuário de financiamento habitacional pudesse regularizar seu débito em um total de 45 dias.

A realidade do procedimento executório, até 2017, era uníssona à todas as modalidades de financiamento imobiliário. A lei 9.514/97, ao regulamentar a alienação fiduciária de bens imóveis, estabeleceu, no §1º do art. 26, um prazo de 15 dias após a notificação para que o mutuário pudesse purgar a mora e evitar a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário.

Embora esse intervalo de tempo tenha representado, na época, um avanço considerável, com o passar dos anos constatou-se sua manifesta insuficiência àquelas famílias de menor poder aquisitivo que, por meio de financiamentos habitacionais – seja pelo Sistema Financeiro de Habitação ou por programas como o “Minha Casa Minha Vida” – visavam assegurar a si não apenas um bem material, mas uma estabilidade social, fundamental para uma vida minimamente digna.

Face às peculiaridades deste seleto grupo de mutuários e das dificuldades adversas por eles enfrentada, tornou-se evidente a necessidade de uma solução mais justa e adequada para assegurar-lhes o direito social à moradia digna. Assim, implementando um verdadeiro aprimoramento na política pública de habitação, a lei 13.465/17 introduziu o art. 26-A na lei 9.514/97, dispondo sobre um procedimento especial para a purgação da mora em execuções de financiamentos imobiliários destinados a fins residenciais.

De acordo com o dispositivo, em financiamentos habitacionais, a consolidação da propriedade fiduciária só poderá ser averbada 30 dias após o transcurso dos 15 dias previsto no art. 26, §1º da lei 9.514/97. Segue, no parágrafo §2º, elucidando que, até a averbação da consolidação da propriedade fiduciária (trinta dias após os quinze dias iniciais), é permitido ao devedor regularizar o débito e convalescer seu contrato de fidúcia.

Em síntese, desde 12/7/17, permite-se ao mutuário devedor de financiamento habitacional a regularização do débito e o convalescimento do contrato de fidúcia em até 45 dias contados da notificação extrajudicial à purga da mora.

Esta interpretação extensiva do prazo para a purgação da mora foi prontamente reconhecida pelo STF no julgamento do RE 860.631/SP, cuja repercussão geral foi reconhecida sob o Tema 9821. No voto proferido pelo ministro Luiz Fux, ressaltou-se que o lapso inicial de 15 dias para que o devedor fiduciante purgue a mora, previsto no art. 26, § 1º, da lei 9.514/1997, deve ser compreendido em consonância com a modificação introduzida pela lei 13.465/2017, que, de acordo com o ministro, ampliou o prazo para a purga da mora em caso de financiamentos habitacionais.

O Tribunal Regional da 4ª região sedimentou a controvérsia, formando um precedente absoluto no sentido de que o devedor fiduciante possui até 45 dias – resultantes da soma dos 15 dias iniciais previstos no art. 26, § 1º e dos 30 dias posteriores anunciados no art. 26-A, §§ 1º e 2º da lei 9.514/97 – para regularizar os débitos e impedir a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário2.

Esse entendimento foi não apenas reiterado em decisões subsequentes, como também ratificado por outros tribunais, como o TRF da 3ª região, na apelação cível 501915463201940361003, e pelo TJ/MG, que, no agravo de instrumento 205995670202381300004, reafirmou a interpretação do prazo de 45 dias como essencial para a proteção dos direitos dos mutuários.

Apesar do entendimento consolidado sobre a matéria, a plena eficácia dessa prerrogativa ainda enfrenta obstáculos significativos na prática: os credores, que possuem a responsabilidade de assegurar a correção e completude das informações repassadas aos consumidores, continuam a notificar os mutuários a purgarem a mora em apenas 15 dias, nada informando a respeito dos 30 dias adicionais. Não são raros os casos em que esses credores mencionam, inclusive, a “improrrogabilidade” do prazo, induzindo o devedor ao erro e impedindo o legítimo exercício de um direito positivado.

O cenário converge ao reconhecimento de um vício insanável no processo de intimação, uma vez que a notificação não repercute o efeito próprio que dela se espera: oportunizar ao mutuário, no tempo hábil, a purga da mora5.

O ponto de atenção dessa problemática surge com a possibilidade de o mutuário requerer, via judicial, a declaração de nulidade da intimação e a reversão dos atos expropriatórios subsequentes, dado o entendimento jurisprudencial consolidado a respeito.

No REsp 1.172.025/PR, o STJ estabeleceu que “a repercussão da notificação é tamanha que qualquer vício em seu conteúdo é hábil a tornar nulos seus efeitos”6. Em complemento, os tribunais estaduais têm consolidado um forte entendimento de que, uma vez que a intimação padece de vício insanável, como no presente caso, em que obsta o exercício de um direito legalmente garantido ao mutuário, ela é nula.

O reconhecimento da nulidade implica, nestes precedentes, na desconstituição dos atos expropriatórios até então realizados e na reabertura do prazo à purgação da mora ao mutuário, salvo se atingir direito adquirido de terceiro arrematante de boa-fé, situação em que cabível indenização por perdas e danos.

Nesse contexto, embora a atuação das serventias cartorárias tenha sido, agora, ajustada aos preceitos do art. 26-A da lei 9.514/97 pela recente decisão do CNJ, as consequências de uma comunicação omissa também expõem a necessidade de uma postura proativa por parte dos credores fiduciários. A omissão de informações cruciais, como o prazo estendido para a purgação da mora, coloca em risco tanto os interesses dos mutuários, à retomada do contrato e manutenção do vínculo com o imóvel, quanto a própria segurança jurídica do procedimento expropriatório, já que a falha na notificação pode ensejar a nulidade de todo o processo, cujo ônus de recomposição dos danos recai sobre o credor.

É no contexto mais amplo da eficácia do direito à moradia que a responsabilidade dos credores fiduciários ressoa. Suas atribuições não se limitam ao simples cumprimento do contrato, mas envolvem um compromisso com os princípios da cooperação, transparência e boa-fé objetiva, precipuamente quando operadores de programas habitacionais, como o nacionalmente conhecido “Minha Casa Minha Vida”. São eles que, ao requererem a intimação junto às serventias registrais (art. 26, §1º da lei 9.514/97), assumem, em última instância, os riscos das nulidades processuais decorrentes de falhas nas informações prestadas. São eles a parte contratualmente vinculada ao mutuário e pela transmissão de todas as nuances da operação responsável.

Portanto, embora a mudança estabelecida pelo CNJ represente uma vitória significativa na defesa dos direitos dos consumidores e no fortalecimento das políticas públicas habitacionais, o papel dos credores fiduciários continua sendo decisivo para o efetivo cumprimento da prerrogativa positivada. A expectativa agora é que, com o tempo, os credores ajustem suas práticas e adotem uma postura mais transparente e responsável, alinhada ao espírito da decisão Correicional, para assegurar que os direitos dos mutuários sejam respeitados, permitindo que a política pública habitacional se concretize de maneira eficaz e justa para todos.

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1 RE nº 860.631. STF. Relator: Ministro Luiz Fux. Dje 26 out. 2023.

2 No mesmo sentido: (TRF-4 – AG – Agravo de Instrumento: 50378461120234040000 RS, Relator.: CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Data de Julgamento: 19/11/2024, 3ª Turma, Data de Publicação: 19/11/2024); (TRF-4 – AG – Agravo de Instrumento: 50335008020244040000 RS, Relator.: LUIZ ANTONIO BONAT, Data de Julgamento: 27/11/2024, 12ª Turma, Data de Publicação: 28/11/2024); (TRF-4 – AG: 50015340220244040000, Relator.: ROGER RAUPP RIOS, Data de Julgamento: 30/01/2024, Terceira Turma).

3 Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação Cível nº 50191546320194036100. Relator: Des. Luis Carlos Hiroki Muta. Dje 14 jun. 2023.

4 TJ-MG – AI: 20599567020238130000, Relator: Des.(a) José Eustáquio Lucas Pereira, Data de Julgamento: 18/10/2023, 21ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 19/10/2023.

5 MARMO, Leandro. Alienação Fiduciária de Bens Imóveis: nulidades e aspectos polêmicos. São: Revista dos Tribunais, 2023, p. 86.

6 REsp 1.172.025/PR, Rel. Luís Felipe Salomão, 4ª Turma, j. em 07.10.2014.

Fonte: Migalhas

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