Um dos grandes fenômenos atuais diz respeito à possibilidade de se obter uma remuneração em dinheiro através de publicações feitas nas chamadas redes sociais, fenômeno este existente em todo o mundo. Na verdade, a possibilidade de se obter um ganho pecuniário tornou-se uma saída econômico-financeira para muitas pessoas que se utilizam das diversas plataformas de divulgação de conteúdo.
Por meio de gigantes da tecnologia, como as empresas norte-americanas Meta e Google, milhares de pessoas diariamente conseguem obter um faturamento significativo com a produção de conteúdo digital, envolvendo os mais diversos temas. Essa modalidade de faturamento é conhecida atualmente como monetização.
Assim, a partir do momento em que se observa a existência de pagamentos em dinheiro ou créditos para tais produtores de conteúdo, surge a possibilidade de se avaliar, no segmento da recuperação de crédito, a penhora ou a constrição de tais quantias para fins de se resguardar os direitos dos credores.
TJ/SP entende possibilidade
Mediante o julgamento do Agravo de Instrumento nº 2141227-70.2025.8.26.0000, em trâmite no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, envolvendo reclamação oriunda de instituição financeira que buscava o deferimento de ordem judicial para fins de expedição de ofícios para empresas, com o escopo de se penhorar créditos oriundos de direitos autorais e monetização, entendeu a corte pela possibilidade de tal pedido, afastando o indeferimento proferido em primeira instância.
O recurso interposto buscou combater uma decisão do juízo de primeiro grau, nos autos do processo nº 1017088-63.2019.8.26.0068, que indeferiu a expedição de ofícios, já que, segundo o magistrado, não haveria ampla fundamentação que justificasse a tutela pleiteada.
A corte paulista destacou que, a partir do momento em que a parte interessada apresenta uma série de indícios que demonstram a existência de valores oriundos da monetização, é possível a expedição de ofício judicial para se apurar o montante exato, sobretudo em razão da inexistência atual de ferramentas públicas capazes de aferir, de forma exata, quais os valores que o devedor possui de crédito decorrente da publicação de conteúdo nas redes sociais.
Medida atípica às empresas
Na verdade, estamos diante de uma decisão relevante, que mais uma vez prestigia a observância do artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil, já que o deferimento do ofício para fins de localização de créditos junto às empresas que administram redes sociais constitui a adoção de uma medida atípica voltada para o cumprimento da prestação jurisdicional, de natureza pecuniária.
Não é de todo mal tentar qualificar o conceito de medida atípica com base na atual sistemática processual, já que tais procedimentos ainda encontram forte oposição no âmbito do Poder Judiciário brasileiro, existindo ainda muitos juízes que acreditam que tais instrumentos não contribuem em nada para a defesa dos direitos dos credores e ainda criam um embaraço injustificável contra os devedores.
Na verdade, podemos qualificar uma medida atípica como uma decisão que, ainda que não venha a bloquear diretamente um bem de um devedor para fins de tutela de um crédito, produz efeitos que podem recair sobre o patrimônio daquele, obrigando-o a pagar aquilo que deve para se ver desembaraçado das restrições jurisdicionais. Um bom exemplo é aquele que envolve o bloqueio ou apreensão do passaporte de um devedor contumaz, que possui condições financeiras para quitar os seus débitos junto aos credores, mas que busca adotar medidas que visam obstar ou protelar tal medida.
Medida atípica no STF
Mais uma vez é preciso relembrar aquilo que foi estabelecido no julgamento histórico da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5941, em trâmite junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), cujo teor deixou claro que a adoção das chamadas medidas atípicas se faz possível, incluindo aquelas que envolvem a retenção de Passaporte e Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
É interessante destacar parte do Acórdão da Suprema Corte que julgou a matéria em questão, já que ela está muito ligada a necessidade de proteção dos direitos dos credores. Diz respeito a parte que aborda a questão da demora e ineficiência do cumprimento das decisões judiciais e está inserida no campo da chamada análise econômica do direito, tendo sido afirmado, de forma categórica, que num cenário de inefetividade generalizada das decisões judiciais, cria-se um cenário que serve de verdadeiro incentivo para o devedor não colaborar na relação processual, fomentando este medidas protelatórias que, no final das contas, acabam servindo apenas para descumprir as decisões oriundas do próprio Poder Judiciário.
Em seguida, afirma o STF que a efetividade no cumprimento das decisões judiciais não acaba servindo apenas para proteger o credor que busca se socorrer do Poder Judiciário para receber o pagamento a que faz jus, mas igualmente serve para estabelecer um cenário de cooperação entre as partes litigantes e, no final das contas, para reduzir a quantidade e duração dos litígios existentes.
Entendimento no STJ
Outro órgão que adotou uma linha de raciocínio semelhante àquela adotada pela Suprema Corte é o Superior Tribunal de Justiça (STJ), através do julgamento do Recurso em Habeas Corpus nº 196004, cujo teor deferiu a adoção de medida atípica pertinente a apreensão de passaporte, estabelecendo que isto seria possível quando exauridos os demais meios típicos de satisfação do crédito exequendo.
Diante disso, qualquer decisão futura que possa autorizar a expedição de ofícios para as empresas mantenedoras de redes sociais não está atentando contra o espírito do sistema processual brasileiro vigente. Muito pelo contrário, está buscando garantir o efetivo cumprimento do objetivo fundamental dos órgãos jurisdicionais pátrios, que é resguardar uma justiça eficiente e célere.
Fonte: Conjur


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