Esquema bilionário de lavagem expõe falhas nas juntas comerciais e reforça a necessidade da escritura pública como barreira contra ilícitos

Recentemente, o MP/SP revelou um esquema bilionário de lavagem de dinheiro envolvendo “fintechs” e fundos de investimento. Segundo o MP/SP, somente por meio de “contas bolsões” e outras operações financeiras sofisticadas, o crime organizado conseguiu movimentar mais de R$ 70 bilhões. O caso expôs, mais uma vez, como a criminalidade econômica se aproveita de lacunas legais e consequentes brechas regulatórias, bem como da opacidade de determinados ambientes para dar aparência de legalidade a recursos ilícitos.

Enquanto instituições financeiras e assemelhas, como as “fintechs”, além de outras entidades, estão submetidas a regras rígidas de “compliance”, “due diligence” e monitoramento, as juntas comerciais permanecem funcionando como meros repositórios administrativos, limitando-se a registrar documentos sem controle efetivo de legalidade.

A métrica de eficiência das juntas comerciais é o “tempo de registro”, e não a qualidade da análise, possibilitando-se, desta forma, a constituição e alteração das sociedades empresariais em minutos, com sócios fictícios, estruturas artificiais e finalidades obscuras. Em outras palavras, um portal à criação de empresas de fachada, com o uso de laranjas, que depois são instrumentalizadas em esquemas de lavagem de dinheiro.

As juntas comerciais carecem de estruturas adequadas, em especial de controles, revelando-se ineficazes à identificação, capacidade estrutural, rastreabilidade e fiscalização do recolhimento dos tributos. Em contraste, os notários exercem a função de “gatekeepers” (guardiões), tendo como atribuições precípuas a verificação da identidade, da capacidade e da legitimidade das partes, bem como a certificação da livre manifestação de vontade e da regularidade do recolhimento dos tributos. Com efeito, os notários são devedores solidários dos tributos, de acordo com o CTN (lei 5.172, de 25 de outubro de 1966): “Art. 134 Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: (…) VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício.”

Permitir que empresas sejam abertas sem fiscalização substancial é manter escancarada a porta por onde transitam bilhões do crime organizado.

Não é de hoje que especialistas alertam sobre a ausência da exigência de escritura pública na constituição de empresas no Brasil, o que fragiliza o sistema de prevenção a ilícitos econômicos.

O Brasil adota o modelo do notariado latino, no qual a escritura pública não é burocracia, mas sim uma barreira estrutural de compliance. Na compra e venda de imóveis, doações ou hipotecas, o instrumento público já cumpre este papel de conferir legalidade, transparência e segurança jurídica. Por que razão deixar de adotar a mesma lógica para a constituição e alteração de sociedades empresariais?

Nos países europeus de referência – como Alemanha, Itália e Espanha -, a constituição de empresas passa necessariamente pela escritura pública. O objetivo maior é claro, qual seja, dificultar o uso de pessoas jurídicas como instrumentos de lavagem de capitais. Aqui, o mesmo caminho permitiria identificar, com maior rigor e segurança, os sócios, conferir publicidade a atos societários, assegurar a correta incidência de tributos e fornecer informações em tempo real ao COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras.

Mais do que uma formalidade, a escritura pública funciona como um filtro preventivo contra o ingresso do dinheiro sujo no sistema econômico.

A obrigatoriedade da escritura pública para a constituição, alteração e extinção de sociedades configura um mecanismo de fortalecimento da segurança jurídica, apto a diferenciar a atividade empresarial idônea de iniciativas voltadas à ocultação ou desvio de finalidade, sem obstáculo ao empreendedorismo.

Revela-se, portanto, um passo essencial para proteger a economia e a sociedade, para garantir arrecadação tributária e, sobretudo, para restringir o espaço da criminalidade financeira, a exemplo dos recentes e tantos outros fatos que vêm sendo amplamente noticiado pela imprensa.

Fonte: Migalhas

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