STJ define que ITBI e ITCMD não podem usar valor de referência, reforçando limites do fisco e impacto da reforma tributária futura

A base de cálculo do ITCMD continua gerando controvérsia, porque há três impostos com a mesma base de cálculo.

De fato, tanto o IPTU, como o ITBI/ITCMD têm como base de cálculo, “o valor venal do imóvel” como se depreende, respectivamente, do art. 33 do CTN e do art. 38 do CTN, este aplicável tanto ao ITBI, quanto ao ITCMD. O CTN foi editado antes da Constituição de 1988 que desdobrou o imposto sobre transmissão de bens imóveis e de direitos a ele relativos em dois diferentes impostos: a) a transmissão intervivos e a título oneroso que ficou inserida na competência tributária dos municípios (ITBI); e b) a transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens e direitos que ficou atribuída aos estados e ao Distrito Federal (ITCMD).

No que tange ao IPTU e ao ITBI, inicialmente, interpretou-se a expressão “valor venal do imóvel” como sinônima de valor de mercado, confundindo o conceito doutrinário que serve de parâmetro para o legislador fixar monetariamente esse valor venal, com o valor venal que resulta da lei de regência da matéria que nós chamamos de valor legal, o qual se situa bem aquém do valor de mercado.

No município de São Paulo o valor venal do imóvel é calculado de forma objetiva segundo a lei 10.235/86, conhecida como lei da PGV, que fixa os valores unitários de metro quadrado da construção e do terreno, conforme seu padrão construtivo e localização do terreno.

No início, o TJ/SP fixou a absurda tese de que o valor venal para fins de ITBI é o valor venal do IPTU, ou o valor da transmissão, valendo o que for maior, com imediato reflexo no ITCMD considerando que os estados sempre adotaram o valor venal do IPTU, ou o valor fundiário para imóveis urbanos e imóveis rurais, respectivamente (AP 101.6503.66.2013.8.26.0053; DJe 30/12/2014; AP 0024603.66.2009.8.26.0053, DJe 3/12/2014).

Esses acórdãos foram impugnados perante o STJ porque não tem sentido fazer prevalecer o que for maior, favorecendo o fisco contra o princípio da neutralidade da legislação tributária.

Conforme sustentava o saudoso prof. Ruy Barbosa Nogueira, a legislação tributária não pode ser pró fisco, nem pró contribuinte, mas, exclusivamente pró lege.

De fato, se pode adotar a base de cálculo que mais favoreça o fisco, pergunta-se, por que não adotar a base de cálculo que mais favorece o contribuinte?

O astuto legislador aprovou a lei 14.256/06 instituindo o chamado Valor de Referência, consistente na apuração do valor de mercado do imóvel com base nas pesquisas imobiliárias feitas pela Secretaria de Finanças do município de forma periódica e disponibilizado no site da prefeitura, de obrigatória utilização pelo contribuinte, facultada a avaliação especial pelo contribuinte.

Ora, não cabe ao órgão lançador efetuar pesquisas de mercado para apurar o valor venal de cada imóvel em concreto a ser lançado, pois atentaria contra o procedimento administrativo do lançamento previsto no art. 142 do CTN que define o lançamento como procedimento administrativo vinculado, o que exclui a discricionariedade do agente público lançador.

Esse art. 142 do CTN em nenhum momento autoriza o agente lançador pesquisar o valor de mercado. Ele só pode enquadrar o imóvel objeto de lançamento no SQL – Setor, Quadra e Lote – e aplicar o valor unitário de metro quadrado do terreno e da construção de acordo com as tabelas anexas na PGV – Planta Genérica de Valores – aprovada pela lei 10.235/1986 que fixa, em abstrato, o valor venal de milhares de imóveis situados no território urbano de município de São Paulo.

Entretanto, o município de São Paulo, por meio dos arts. 7-A e 7-B da lei 11.154/91, acrescidos pela lei 14.256/06, estabeleceu o VVR – Valor Venal de Referência – disponibilizando o valor venal de cada imóvel em concreto, de obrigatória utilização pelo contribuinte (art. 7-A), facultada ao contribuinte a avaliação especial do imóvel de acordo com os valores das transações imobiliárias (art. 7-B).

Ora, por se tratar o ITBI de um imposto de lançamento por homologação caberia ao município proceder à avaliação especial, caso não concorde com o valor atribuído pelo contribuinte, assegurado o contraditório.

Esse VVR passou a ser adotado como base de cálculo do ITBI. E o Estado de São Paulo passou a adotá-lo como base de cálculo do ITCMD.

Contudo, esse Valor Venal de Referência foi declarado inconstitucional pelo Órgão Especial do TJSP, porque não cabe ao poder público fixar em concreto o valor venal de cada imóvel a ser lançado (AI 0056693-19.2014.8.26.000, DJe de 23/4/2015).

Apesar da inconstitucionalidade declarada o município de São Paulo continua utilizando o VVR para tributar o ITBI, porque ninguém se dispõe a impugná-lo em juízo por conta dos elevados custos da ação que sai mais cara do que o valor extrapolado do ITBI. Ao contrário do IPTU não há possibilidade de ajuizamento de ação coletiva, porque o seu fato gerador ocorre em diferentes épocas e em relação a distintas pessoas.

E o estado, também, vem tirando proveito dessa situação esdrúxula.

Todavia, o STJ, em sede recursos repetitivos, apesar da identidade da base de cálculo do IPTU (art. 35 do CTN) e do ITBI (art. 38 do CTN), analisando o aspecto material do fato gerador do ITBI fixou as seguintes diretrizes:

I – Em face do princípio da boa-fé objetiva, o valor da transação declarado pelo contribuinte presume-se de acordo com os valores de mercado;

II – A prévia adoção de um valor de referência pela Administração configura indevido lançamento de ofício do ITBI por mera estimativa e subverte o procedimento instituído no art. 148 do CTN;

III – Por fim, para o efeito do art. 1039 do CPC/2015 deve-se observar as seguintes teses:

a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido, não estando vinculado à base de cálculo do IPTU que nem sequer pode ser utilizado como piso de tributação;

b) – o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado que somente poderá ser afastado pelo fisco mediante avaliação especial pela administração, assegurado o contraditório (art. 148 da CTN);

c) – o município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente (Resp 1.937.821/SP, rel. ministro Gurgel de Faria, DJe de 3/3/2022).

Por conseguinte, o STJ decidiu com efeito vinculante que o Valor de Referência não pode ser utilizado como base de cálculo do ITBI e, por consequência, não pode ser adotado como base de cálculo do ITCMD.

É sabido que os estados se utilizam do valor venal do IPTU/ITBI porque eles não dispõem de cadastro imobiliário urbano. O lançamento do ITCMD em relação aos imóveis urbanos é feitos com base no valor venal do IPTU/ITBI e em relação ao imóvel rural o lançamento leva em conta o valor fundiário do imóvel.

Existem duas formas de aumentar a arrecadação do IPTU/ITBI/ITCMD: elevação da base de cálculo e aumento da alíquota. O astuto legislador procurara sempre elevar a carga tributária de forma enrustida aumentando a base de cálculo valendo-se da expressão vaga “valor venal do imóvel”. Aumentar a alíquota do imposto confere transparência e o contribuinte fica sabendo imediatamente que seu imposto foi aumentado. Essa não é a forma honesta e correta de aumentar o imposto, mas infelizmente essa praxe espalhou-se como erva daninha em todas as legislações municipais. A astúcia para maldades não tem limites!

A partir de 2026 entrará em vigor o CIB – Cadastro de Imóveis Brasileiro – formado com os dados fornecidos pelos municípios e registro de imóveis. Nesse cadastro, todos os imóveis serão identificados por um código e terão o seu Valor de Referência relativamente a cada imóvel cadastrado.

Se na sua declaração de ajuste anual do IRPF estiver constando o endereço residencial em local que não seja qualquer um dos imóveis declarados, a Inteligência Artificial, verificando a ausência de declaração de rendimentos desses imóveis, concluirá que os imóveis estão alugados ou arrendados e promoverá o lançamento retroativo a cinco anos com imposição de multa.

Espera-se o crescimento das demandas judiciais com a entrada em vigor da reforma tributária em que o fisco utilizará a IA para monitorar o destino dado a cada imóvel declarado, sendo certo que não será possível, igualmente, omitir a declaração de imóveis porque todos eles constarão do CIB.

A grande pergunta que se faz é se é possível a lei complementar, que regulamentou o IBS/CBS, alterar a base de cálculo do IPTU/ITBI e do ITCMD, interferindo na competência tributária dos municípios e dos estados.

A raiz desse CIB, creio eu, está no inciso III do § 1º do art. 156 da CF que permite o Executivo atualizar a base de cálculo do IPTU, conforme critérios estabelecidos em lei municipal. A expressão “base de cálculo atualizada pelo Poder Executivo” tem o sentido de aumentar, pois simples atualização monetária não depende de lei, conforme disposição expressa do § 2º do art. 97 do CTN.

Se a União pode alterar a base de cálculo do ITBI/IPTU e por reflexo a base de cálculo do ITCMS segue-se que esses impostos foram federalizados a exemplo do ICMS e do ISS que foram incorporados no IBS dual.

Realmente, a base de cálculo é um dos elementos do fato gerador da obrigação tributária que define, entre outras coisas, o sujeito ativo do imposto.

O legislador da União inspirou-se na legislação do município de São Paulo que inventou o VVR – Valor Venal de Referência – alimentado periodicamente mediante pesquisas de mercado e de aplicação cogente. Essa malsinada legislação municipal de São Paulo espalhou-se como erva daninha em todos os municípios. Ele foi declarado inconstitucional pelo Órgão Especial do TJ/SP, porque não cabe ao fisco fixar em concreto o valor venal de cada imóvel a ser tributado, nem pode convolar o lançamento por homologação, em lançamento de ofício.

Outrossim, como vimos, o STJ tem posição contrária à utilização do Valor Venal de Referência.

Enfim, aguarda-se uma avalanche de demandas judiciais, como nunca antes visto, com a entrada em vigor do novo sistema tributário que coloca de cabeça para baixo o sistema tributário vigente.

Ainda há tempo para voltar atrás, desmembrando do IBS dual em IBS estadual e em IBS municipal tornando dispensável o Comitê Gestor, como previsto no nosso projeto de contrarreforma.

Fonte: Migalhas

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