No dia 22 de agosto, a Suprema Corte da Índia proibiu o “divórcio instantâneo”, prática comum entre os muçulmanos do país, ao declará-lo inconstitucional.
 
Pelo “divórcio instantâneo”, os homens muçulmanos podem se divorciar de suas esposas imediatamente ao dizer três vezes seguidas a palavra “talaq” (“divórcio” em árabe). Por isso, é também conhecido como “triplo talaq”. As mulheres também podem solicitar o divórcio, mas é um processo judicial que leva meses.
 
O “divórcio instantâneo” está previsto em uma corrente do direito islâmico conhecida como Hanafi. Antes da Índia, esse tipo de divórcio já havia sido proibido em 22 países onde a maioria ou boa parte da população é muçulmana — como Egito, Indonésia, Iraque, Paquistão e Turquia.
 
A Índia é um país de maioria hindu. Os muçulmanos são o segundo maior grupo religioso do país, correspondendo a cerca de 15% da população.
 
O tribunal proibiu a prática por seis meses e fez um apelo para que o Parlamento aprove uma lei contra o “divórcio instantâneo”. Se o prazo se esgotar e nenhuma legislação sobre o assunto for aprovada, a proibição judicial continuará valendo.
 
Contra o ‘divórcio instantâneo’
 
Por anos, grupos de mulheres indianas muçulmanas fizeram campanha pelo fim do “triplo talaq”, argumentando que a prática prejudica as mulheres ao conferir aos homens o poder exclusivo de terminar o casamento a qualquer hora.
 
Com isso, dizem, muitas mulheres e crianças economicamente dependentes dos homens correm o risco de ficar desamparadas do dia para a noite, já que muitas vezes após os “divórcios instantâneos” não há pensões ou compensações financeiras.
 
Segundo esses grupos, o “divórcio instantâneo” não está previsto nas leis e na Constituição da Índia e nem nos ensinamentos do Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, e subjuga as mulheres. Esse foi o entendimento que prevaleceu na Suprema Corte, que considerou “arbitrário” um homem poder “romper um casamento por capricho”.
 
A Índia não tem um Código Civil unificado, e os grupos religiosos seguem leis próprias em assuntos como casamento, herança e adoção. Cada religião tem autonomia para estabelecer essas normas, que passam a ter validade socialmente. Isso é fruto da história do país de tentar agregar pacificamente distintas religiões (sobretudo hindus e muçulmanos) após a colonização britânica, que chegou ao fim em 1947.
 
Agora, homens e mulheres muçulmanos que desejarem o divórcio terão que passar por um processo mais longo, no qual a reconciliação e a negociação sobre os termos do fim do casamento são permitidas.
 
Além de organizações civis que defendem a causa, algumas personalidades do cinema estiveram entre as pessoas que elogiaram a proibição do “triplo talaq”. Shabana Azmi, famosa atriz de Bollywood e que também é muçulmana, disse que a prática é “claramente injusta e contra as mulheres”.
 
O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, que é hindu, declarou que a decisão da Suprema Corte é “histórica” e “garante igualdade para as mulheres muçulmanas”.
 
A favor do ‘divórcio instantâneo’
 
A Constituição indiana prevê o Estado laico, ou seja, com liberdade para diferentes religiões.
 
Organizações e pessoas que apoiam o “triplo talaq” argumentam que a decisão de proibi-lo é uma intromissão do Judiciário em práticas religiosas e dizem que o “divórcio instantâneo” está sim previsto nos ensinamentos islâmicos. Afirmam também que não é dever da Suprema Corte dizer como casamentos islâmicos devem ocorrer, pois isso caberia historicamente aos próprios muçulmanos.
 
“Quase 41% das mulheres [divorciadas pelo ‘triplo talaq’ em um estudo de um grupo que se opõe à prática] queriam o divórcio. Se a própria mulher quer o divórcio e o marido o faz, isso é acordo mútuo, é um divórcio consentido, é ok”, disse Faizan Mustafa, professor de direito da National University of Law, à Al Jazeera.