A Administração Pública pode desapropriar imóvel de um particular diante de situações de utilidade pública, necessidade pública ou interesse social. Entretanto, se não cumpre nenhum desses objetivos, ocorre a chamada “tredestinação”. Assim, se a finalidade pública do imóvel desapropriado é ignorada, o antigo proprietário pode ser indenizado.
 
Com este fundamento, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu parcial procedência a uma Ação de Retrocessão movida pelos sucessores da dona de um terreno desapropriado pelo município de Sapucaia do Sul há 28 anos. Com a reforma da sentença, o município terá de indenizá-los, pagando a diferença, com juros de mora, entre o valor do imóvel apurado na perícia e o constante na escritura pública, quando efetivada a desapropriação.
 
O relator da Apelação, desembargador Eduardo Uhlein, disse que o desvio de finalidade decorreu não apenas pela revogação da destinação anterior e que motivou a desapropriação. O imóvel não tinha uso público, e a perícia judicial apurou, em 2012, que o terreno, localizado no centro da cidade (em área de grande valorização imobiliária) está cercado sem benfeitorias. “Ao que indica, serve de estacionamento.”
 
Conforme o relator, ficou evidente que o município não deu qualquer destinação social ou pública ao bem. E, pior: depois de desafetá-lo do fim para o qual o desapropriou, em 2007, continuou a omitir-se em vinculá-lo a qualquer finalidade de interesse público, o que caracteriza a “tredestinação”.
 
“O próprio município, frise-se, reconhece que o imóvel sofreu alta valorização imobiliária, e esse é justamente o fundamento da procedência do pedido indenizatório, pois que a falecida proprietária – e seus sucessores – restaram privados dos benefícios dessa valorização imobiliária exatamente em função do ilícito administrativo perpretado pela Administração Municipal, que expropriou bem particular e não lhe conferiu qualquer destinação compatível com a justificação constitucional para tal intervenção no domínio privado – e por isso deve indenizar o que razoavelmente materialize esse prejuízo patrimonial”, cravou no acórdão.
 
Desapropriação de terreno
 
Em 19 de julho de 1989, o município de Sapucaia do Sul (Região Metropolitana de Porto Alegre) declarou de utilidade pública do terreno em questão para implantar um terminal rodoviário. Contudo, alguns anos depois de concluída a desapropriação administrativa, o município alterou a destinação do imóvel. Revogou a destinação pública anterior e, por desafetação expressa, declarou-o como integrante dos seus “bens dominicais”, conforme lei municipal.
 
Segundo o artigo 99, inciso III, do Código Civil, os “bens dominicais” constituem patrimônio das pessoas jurídicas de direito público (município, estado ou União). Ao contrário dos demais bens pertencentes aos entes de direito público, “afetados” a uma destinação de interesse geral, os “bens dominicais” se destinam a assegurar rendas.
 
Inconformados com o desvio de finalidade, os sucessores da antiga proprietária ajuizaram Ação de Retrocessão contra o município. Retrocessão é a obrigação que se impõe ao Estado de oferecer o bem de volta, mediante a devolução do valor da indenização, quando não lhe der o destino declarado. Pediram indenização, a ser apurada em liquidação de sentença, bem como valor equivalente à diferença entre o valor recebido pela proprietária falecida e o valor atual do bem.
 
Em sua defesa, a prefeitura alegou que, apesar da destinação diferente do imóvel, não se verificou a perda do interesse do ente público pelo bem. Ademais, sustentou que a antiga proprietária, à época, concordou com a desapropriação, tendo recebido o valor da indenização.
 
Sentença improcedente
 
A juíza Luciane Di Domenico Haas observou, na sentença, que a retrocessão, de fato, nada mais é do que o retorno do bem expropriado ao patrimônio do antigo proprietário, por não lhe ter sido dado o destino previsto. No entanto, julgou a demanda improcedente, porque os autores não pediram, na peça inicial, o retorno do bem ao estado anterior, mas apenas o reconhecimento do desvio de finalidade, com a condenação ao pagamento da diferença de valor do imóvel – entre o da época da desapropriação e o dos dias atuais.
 
Além disso, a julgadora de origem ressaltou que a tredestinação invocada pelos autores da ação indenizatória exige que o desvio de finalidade seja ilícito; ou seja, contrário ao interesse público. Nesta linha, citou precedente do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.025.801/SP. Registra a ementa: ‘‘O desvio de finalidade que leva à retrocessão não é o simples descumprimento dos objetivos que justificaram a desapropriação. Para que o expropriado tenha direito à devolução do imóvel, ou seja indenizado, é necessário que o Poder Público dê ao bem destinação que não atenda ao interesse público (tredestinação ilícita)’’.
 
Finalmente, pontuou que não se poderia falar em perdas e danos, como posto na inicial, uma vez que a desapropriação do imóvel foi devidamente indenizada. “Fato este, aliás, sobre o qual não pairam dúvidas, pois além da informação dos próprios autores de que receberam o valor acordado, há menção expressa na matrícula do bem, mais especificamente na averbação da desapropriação amigável”, concluiu.