As modificações contemporâneas nas estruturas familiares, e o crescimento do número de adoções de animais de estimação exigem da legislação brasileira adequação para lidar com as demandas levas a apreciação do Poder Judiciário. Em caso de dissolução do vínculo matrimonial, quem ficará com o animal de estimação? A quem caberá as despesas inerentes aos cuidados do animal?
 
Na atualidade, é inegável o fato de que os animais de estimação fazem cada vez mais parte do ambiente familiar, ganhando muitas vezes o status de filhos por seus donos. Segundo pesquisa, datada do ano de 2015, realizada pelo IBGE, o Brasil tem mais cachorros de estimação do que crianças. Os dados demonstram que 44% dos domicílios têm cães, percentual este que é equivalente a mais de 52 milhões de animais, enquanto que crianças somavam, à época da pesquisa, o número de 45 milhões.
 
O aumento no número de adoções traz, inquestionavelmente, para o mundo jurídico, novas questões que exigem soluções pelo Poder Judiciário.
 
Nos casos de separação de casais ou dissolução matrimonial, com quem ficará o animal? A quem caberá o custeio das despesas inerentes aos cuidados dispensados com o animal adotado? Tais questões são cada vez mais comuns e o aumento do número de ações envolvendo os questionamentos apresentados é cada vez maior.
 
Nesse sentido, é importante destacar que, até o presente momento, a legislação brasileira é omissa quanto aos questionamentos apresentados. Os animais têm, atualmente, a natureza jurídica de bens móveis e estão sujeitos a custódia, conforme dispõe o artigo 82 do Código Civil.
 
Dessa forma, os casos levados à análise do Poder Judiciário quanto às despesas inerentes aos cuidados com animais de estimação – e até mesmo a decisão em
 
relação à com quem deverá ficar o animal após a separação do casal – demandam que o Judiciário tome decisões com base na analogia, costumes e princípios gerais do Direito, tal qual dispõe o artigo 4º da lei de Introdução as Normas de Direito brasileiro.
 
O Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão, após o julgamento do Recurso Especial 17131674, de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, considerou ser possível a regulamentação de visitas a animais de estimação após a dissolução da união estável. Em inédito julgamento, por maioria dos votos, o Colegiado confirmou o acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que fixou o regime de visitas para que o ex-companheiro tivesse garantido o direito ao convívio com uma cadela da raça Yorkshire, adquirida durante o relacionamento, que ficou em posse da mulher após a separação do casal.
 
O Ministro Relator, ao proferir seu voto, deu destaque ao vínculo afetivo desenvolvido entre os seres humanos e seus animais, relembrando ainda, o aumento do número de animais de estimação em lares brasileiros, conforme pesquisa realizada pelo IBGE:
 

“Nesse passo, penso que a ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de companhia – sobretudo nos tempos em que se vive – e negar o direito dos ex-consortes de visitar ou de ter consigo o seu cão, desfrutando de seu convívio, ao menos por um lapso temporal”

 
Nesta mesma seara, podemos citar também a decisão proferida pelo Juiz de Direito Rodrigo de Carvalho Assumpção, da 04ª Vara Cível da Comarca de Patos de Minas/MG, que determinou, em uma ação de divórcio, que o ex-conjuge custeie, em conjunto com a sua ex-esposa, as despesas dos seis cães adquiridos na constância do matrimônio. Ao decidir, o Juiz considerou que, ao adquirir os animais, o casal à época se comprometera em garantir aos cães todos os cuidados necessários.
 
Por consequência do crescimento das demandas envolvendo animais de estimação, atualmente está tramitando no Senado Federal o Projeto de lei 542/18, que visa justamente estabelecer normas para o compartilhamento da custódia de animais de estimação de propriedade comum, na ausência de acordo quando da dissolução do casamento ou da união estável.
 
O projeto tem o condão de alterar o Código de Processo Civil, para determinar a aplicação das normas das ações de família aos processos contenciosos de custódia de animais de estimação e prevê a competência da Vara de Família para decidir sobre o compartilhamento de custódia, bem como o dever de contribuir com as despesas de manutenção do animal.
 
O Instituto Brasileiro de Direito de Família também já se manifestou quanto à necessidade de adequação das normas de Direito Civil, para que estas passem a regular as questões relacionadas à guarda de animais, quando da separação do casal, conforme dispõe o Enunciado 11 do Ibdfam:
 

Enunciado 11 – Na ação destinada a dissolver o casamento ou a união estável, pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de estimação do casal.

 
Portanto, o aumento das demandas relacionadas aos fatos apresentados ratifica a necessidade de alteração, em âmbito legislativo, consonante aos anseios e valores da sociedade, mostrando-se primordial a adequação legal quanto às necessidades inerentes aos direitos dos proprietários dos animais e o bem-estar destes, quando de eventual separação do casal ou dissolução matrimonial.