O vice-presidente da Comissão de Direito Notarial e de Registros Públicos da OAB/SP, Tiago de Lima Almeida, é doutorando em Direito pela PUC/SP, mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP e sócio do CM Advogados. Em entrevista exclusiva ao Jornal do Notário, o advogado, que participou recentemente da live promovida pelo CNB/SP sobre “ITBI: cobrança após transferência do imóvel e as repercussões da jurisprudência do STF”, explica quais são as principais atribuições e objetivos da Comissão de Direito Notarial e registros Públicos da OAB/SP, discorre sobre o papel da atividade extrajudicial perante a sociedade,  avalia o impacto do serviço notarial para a atividade dos advogados e enumera os mais relevantes aspectos técnicos do ITBI do ponto de vista tributário.

“Em que pese a exigência contida na legislação de diversos municípios do recolhimento do imposto no ato da lavratura da escritura, fato é que a transmissão da propriedade de imóveis e de direitos com ele relacionados, por ato entre vivos e a título oneroso, hipótese de incidência tributária do ITBI conforme artigo 156, II, da Constituição Federal, somente se perfectibiliza com o registro do ato translativo no Registro Imobiliário competente”, pontuou. “Quantas questões podem ser resolvidas hoje por meio dos cartórios, de forma segura, mais barata e muito mais rápida do que no Judiciário?! Inúmeras questões! Casos que demoravam anos, décadas, para serem resolvidos pelo judiciário, hoje são sanados em dias, quiçá, horas junto às serventias extrajudiciais”. Leia ao lado a entrevista na íntegra:

Jornal do Notário: Quais são as principais atribuições e objetivos da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB/SP?

Tiago de Lima Almeida: Logo quando a Dra. Rachel Ximenes assumiu o cargo de presidente da Comissão Notarial e de Registros Públicos da OAB São Paulo, ela vislumbrou a pertinência de se realizar uma integração e uma construção de um canal de comunicação direto entre os advogados e os delegatários da função extrajudicial, com o objetivo precípuo de se implementar ferramentas aptas de promoção, em nossa atividade, das políticas de desjudicialização e desburocratização. A Comissão hoje conta com diversos tabeliães e registradores como membros consultivos, sendo promovidos periódicos encontros para a realização de exposições e debates de temas atuais que envolvem o exercício da advocacia extrajudicial junto a cada uma das especialidades das serventias. 

Jornal do Notário: Como o senhor enxerga a importância dos serviços extrajudiciais para a sociedade?

Tiago de Lima Almeida: Em um seminário que debatia o papel dos cartórios na recuperação de crédito, o Ministro do STJ Antônio Saldanha trouxe um dado muito interessante: atualmente nós temos cerca de 2.800 municípios e distritos sem serviço judicial local, mas em todos eles se faz presente o serviço extrajudicial. A capilaridade dos cartórios abrange o Brasil inteiro. O Brasil tem extensão territorial continental e só a igreja e os cartórios cobrem 100% dessa área. Digno de nota que os procedimentos extrajudiciais geram os mesmos efeitos da via judicial para todas as partes envolvidas. Parafraseando o Ministro do STF Marco Aurélio de Mello, os cartórios são Oficinas de Segurança jurídica, destinados a ofertar soluções seguras e eficazes. Quantas questões podem ser resolvidas hoje por meio dos cartórios, de forma segura, mais barata e muito mais rápida do que no Judiciário?! Inúmeras questões! Casos que demoravam anos, décadas, para serem resolvidos pelo judiciário, hoje são sanados em dias, quiçá, horas junto às serventias extrajudiciais. 
 
Jornal do Notário: Como o senhor avalia a relação dos advogados com as serventias extrajudiciais? O que esses serviços ajudam no cotidiano do advogado?

Tiago de Lima Almeida: A política de desjudicialização exige dos operadores do direito, especialmente dos advogados, a consciência de que o Poder Judiciário só deverá intervir quando extremamente necessário. Os cartórios, em diversos temas, oferecem aos advogados preciosos instrumentos para solução, célere e segura, das demandas que lhes são confiadas para patrocínio, mas não raras vezes essas serventias não são utilizadas por estes em função do total desconhecimento de suas atribuições. Os cartórios devem ser entendidos pelos advogados como uma viável opção ao Poder Judiciário em diversos temas. Por muitos anos se nutriu a equivocada ideia de que os cartórios concorreriam com advocacia. Isso não é verdade. Nós advogados, somos parceiros dos cartórios quando os acionamos na busca de soluções para os nossos clientes.

Jornal do Notário: O senhor participou da live “ITBI: cobrança após transferência do imóvel e as repercussões da jurisprudência do STF”, realizada pelo CNB/SP no dia 11 de março deste ano. O que muda de fato para os notários?

Tiago de Lima Almeida: Um assunto que tem se mostrado de extremo interesse dos notários diz respeito à obrigação, contida na grande maioria das legislações municipais, de quando da lavratura de escrituras públicas, exigirem a apresentação da prova do recolhimento do Imposto sobre Transmissão Onerosa de Bens Imóveis e respectivos Direitos (ITBI). Em que pese a exigência contida na legislação de diversos municípios do recolhimento do imposto no ato da lavratura da escritura, fato é que a transmissão da propriedade de imóveis e de direitos com ele relacionados, por ato entre vivos e a título oneroso, hipótese de incidência tributária do ITBI conforme artigo 156, II, da Constituição Federal, somente se perfectibiliza com o registro do ato translativo no Registro Imobiliário competente. Nesse cenário de aparente conflito de normas, bem como disparidade de entendimentos dos tribunais, o STF tomou por bem, no Agravo em Recurso Extraordinário nº 1294969, afetar com repercussão geral o tema e garantir segurança jurídica através de um precedente qualificado, apto a prevenir tanto o recebimento de novos recursos extraordinários, como a prolação desnecessária de múltiplas decisões sobre idêntica controvérsia. Quando do julgamento procedido, firmou-se a tese de que o fato gerador do ITBI somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro e não na lavratura da escritura pelo tabelião de notas. Em que pese esse entendimento não declarar inconstitucional e não retirar do ordenamento jurídico todas as legislações que tratam do assunto de forma contrária, trouxe um importante precedente orientativo para que os Tribunais inferiores, caso sejam provocados a se manifestarem sobre a demanda, sigam essa orientação. Vale lembrar que, apesar da decisão proferida pelo STF em repercussão geral não ter efeito vinculante para todos, ou seja, só se aplica às partes litigantes, esse posicionamento pode ser usado pelo contribuinte, ou mesmo pelo tabelião, para embasar uma medida judicial especifica para questionar eventual legislação municipal que traga a obrigação do recolhimento do imposto de forma diversa à decidida pela Corte Suprema.

Jornal do Notário: Quais são as maiores dúvidas/preocupações dos notários em relação ao tema em questão? Dentre os aspectos técnicos do ponto de vista tributário, quais são os mais relevantes?

Tiago de Lima Almeida: Como é cediço, na condição de delegatários de função pública, os notários estão sujeitos a uma miríade de regras específicas com relação ao exercício do ofício, especialmente no que tange ao rígido regime jurídico de deveres e obrigações. Um dos principais exemplos disso é o dever de fiscalizar o recolhimento de impostos incidentes sobre atos que pratiquem, conforme determina a Lei Federal nº 8.935/1994, que trata dos serviços notarias e de registro, em seu artigo 30, inciso XI. Cumpre destacar que a inobservância de tal dever resulta em infração disciplinar por parte do delegatário, ensejando penalidades e responsabilização administrativa, nos termos do artigo 31, inciso V, além de eventual sujeição passiva por responsabilidade tributária, nos termos do inciso VI do artigo 134 do Código Tributário Nacional. Nesse sentido, tendo em vista que diversas leis municipais trazem a obrigação dos notários de exigirem a prova do recolhimento do ITBI quando da lavratura de escrituras públicas que envolvem imóveis e direitos relativos a estes, mesmo que tal comando não se mostre o mais adequado de acordo com o entendimento da Suprema Corte, caso os delegatários assim não o façam ou não questionem tal obrigação no judiciário, se sujeitam à possibilidade de atribuição pelo fisco de sujeição passiva pelo pagamento do tributo como responsáveis subsidiários. 
 
Jornal do Notário: O senhor considera a base de cálculo do ITBI de certa forma um tema “espinhoso” para o extrajudicial? Qual seria o melhor critério a ser adotado para evitar possíveis contratempos?

Tiago de Lima Almeida: A competência tributária para regulamentar a incidência do ITBI foi outorgada constitucionalmente aos Municípios e ao Distrito Federal, por meio da qual esses Entes Políticos poderão regrar todos os aspectos relacionados com a tributação a esse título, podendo, nos limites constitucionais, identificar o comportamento que autoriza a sua tributação, as pessoas envolvidas, o momento da sua realização, bem como os aspectos identificadores da manifestação de riqueza, ou seja, base de cálculo e alíquota. Ocorre que referida competência não poderá ser exercida de forma irrestrita e sem parâmetros, pois, a fim de se evitar conflitos e ser estabelecido um regramento uniforme para esse tributo, tendo em vista que no Brasil existem mais de cinco mil Municípios, há que se observar o que está definido em Lei Complementar, no caso, o Código Tributário Nacional. Esse Código, por sua vez, no que diz respeito à base de cálculo do ITBI, expressamente estabelece que ela deverá observar o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, tal como estabelecido para o IPTU. O valor venal somente não será aplicado caso o valor da transação supere a sua grandeza, prevalecendo o que for maior. Contudo, em que pese a regra ser clara, não é raro verificar a existência de previsão em legislação municipal, prescrevendo outro parâmetro para fixação de base de cálculo do ITBI, por exemplo, em diversos municípios fora criado um valor venal de referência, diverso do valor venal disponibilizado para o cálculo do IPTU. Diante dessa distorção do comando dado pelo Código Tributário e do cenário de insegurança jurídica, quer para o contribuinte, quer para o notário, frente sua responsabilidade tributária subsidiária, o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 2243516-62.2017.8.26.0000, assentou a tese orientativa de que a base de cálculo do ITBI deve corresponder ao valor venal do imóvel ou ao valor da transação, prevalecendo o que for maior, afastando-se o valor venal de referência. Nesse sentido, novamente vale ressaltar que, tendo em vista que diversas leis municipais trazem a obrigação dos notários de exigirem a prova do recolhimento do ITBI com base em uma grandeza diversa ao valor venal do imóvel ou ao valor da transação, mesmo que tal comando não se mostre o mais adequada de acordo com o entendimento dos Tribunais, caso os delegatários assim não o façam ou não questionem tal obrigação no judiciário, se sujeitam à possibilidade de atribuição pelo fisco de sujeição passiva pelo pagamento do tributo como responsáveis subsidiários. 

Jornal do Notário: O novo texto do Código de Processo Civil Brasileiro (CPC), além de diversas outras normativas posteriores que ampliaram as atribuições notariais, representaram um avanço para a classe e aproximou a relação com os advogados. Como o senhor vê o futuro do notariado?

Tiago de Lima Almeida: Grande marco no direito sucessório e de família foi a Lei nº 11.441/2007, onde restou autorizada a realização de separações, divórcios e inventários na esfera administrativa. Ao buscar o tema no CPC de 2015, diversas previsões ligadas aos cartórios extrajudiciais são localizadas, o que demonstra que o legislador está atento à importância da advocacia extrajudicial para solução de demandas. Hoje nós temos mais de 80 milhões de processos tramitando no judiciário. Para preservação da eficiência do Poder Judiciário, nós advogados, com o apoio dos notários no exercício de suas atribuições, precisamos fazer algo para mudar essa realidade. É neste perfil que devemos examinar hoje as atividades extrajudiciais da advocacia. A experiência em diversos países demonstra que  desjudicialização de atividades, que até então eram restritas ao judiciário, é um ganho de eficiência para as partes envolvidas e para a sociedade como um todo, na medida em que permite aos juízes e ao judiciário alocar o seu escasso tempo para demandas que realmente exigem a participação do judiciário. Inúmeros projetos de lei tramitam nas casas do Congresso Nacional para implementar soluções em busca da desjudicialização e da desburocratização, possuindo a especialidade de notas um grande destaque nesse mister. Os advogados que exercem o seu labor junto aos cartórios, além de colaborarem com a desjudicialização, defendem de maneira efetiva os interesses de seus clientes com soluções rápidas e seguras.

Jornal do Notário: Como o senhor avalia as iniciativas do CNB/SP em prol do notariado brasileiro?

Tiago de Lima Almeida: O CNB/SP sempre ocupou uma posição de vanguarda na defesa e representação dos interesses da classe dos notários perante os poderes constituídos. A OAB/SP, através de sua Comissão Notarial e de Registros Públicos, possui diversos projetos em parceria com o CNB/SP para consolidar e difundir cada vez mais a advocacia extrajudicial, tema que ainda é cercado de tabus e preconceitos por parte de alguns operadores do direito. Mitos devem ser abandonados para que possamos entregar à sociedade as repostas que são buscadas junto ao Estado, através da atuação dos advogados, com todo o suporte das serventias extrajudiciais, com importante destaque dos tabelionatos de notas, muito bem representados pelo CNB/SP.