Entendimentos recentes dos tribunais brasileiros mostram divergência jurisprudencial sobre as famílias multiespécies. Enquanto o Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJ/SC decidiu que, dissolvida a relação, a parte que mantém a guarda de pet não pode querer socializar despesas, o Tribunal de Justiça de São Paulo – TJ/SP condenou um ex-marido ao pagamento de auxílio a cinco cães e um gato.
 
A decisão unânime da Terceira Câmara Civil do TJ/SC confirmou a sentença de 1º grau que negou pedido de ajuda de custo formulado por uma mulher para a manutenção do animal de estimação que ficou sob sua guarda após a separação do casal. Para o colegiado, a agravante pode se sustentar com a remuneração do seu trabalho e as custas do pet devem ficar por conta de quem desfruta da sua companhia.
 
No juízo de origem, a mulher ajuizou ação de dissolução de união estável, cumulada com pedidos de devolução de valores, partilha de bens, alimentos, danos morais e guarda, visitas e ajuda de custo para criação e cuidados do animal de estimação. No juízo de 1º grau, a magistrada bloqueou R$ 31.689 que o homem havia transferido para a sua conta após a separação, mas negou a pensão e a ajuda de custo para o animal de estimação, assim como não determinou a sua guarda.
 
Inconformada com a decisão, a mulher recorreu ao TJ/SC pedindo a fixação de alimentos conjugais e ajuda de custo para a manutenção do animal de estimação. O processo tramita em segredo de justiça.
 
Fortes laços de afetividade
 
Para a 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJ/SP, é plausível a fixação de auxílio financeiro aos pets adquiridos na constância do casamento celebrado sob o regime de comunhão parcial de bens. O ex-marido da apelante foi condenado a pagar por mês 15% do salário mínimo (R$ 55,00) a cinco cães e um gato, com respeito ao binômio necessidade-possibilidade.
 
Em primeira instância, o juiz indeferiu o pedido de ajuda econômica para o sustento dos animais. Estabeleceu apenas a partilha de bens em proporções iguais ao homem e à mulher, e fixou a pensão a ser paga pelo ex-marido à filha menor de idade do casal.
 
Na ocasião, o magistrado reconheceu os “fortes laços de afetividade” entre os humanos e os seus pets, mas ressaltou: “certo é que a legislação brasileira não prevê o pagamento de pensão alimentícia para animais de estimação”.
 
Ponderou, contudo, que nada impediria de as partes estabelecerem extrajudicialmente regras de natureza civil, fundada no direito das obrigações, no que tange à manutenção dos animais, incluindo deveres com a alimentação e cuidados veterinários dos cinco cães e do gato.
 
O juiz determinou que os pets permaneçam sob os cuidados e responsabilidade exclusiva da mulher. Ela pleiteou a “guarda unilateral” dos cinco cães e do gato alegando ser a pessoa “mais adequada” para cuidar deles. O marido não se opôs, admitindo que sequer tinha tempo para ficar com os bichos.
 
Segundo o relator da apelação, desembargador Edson Luiz de Queiroz, “restou incontroverso que o autor declarava os bichos como integrantes da família” e que eles foram adquiridos na constância do casamento. Deste modo, os litigantes assumiram a obrigação de cuidar dos pets, sendo cabível a responsabilidade financeira solidária.
 
O magistrado destacou que a imposição de tal obrigação econômica, independentemente da falta de lei específica que a regule para situações pós-divórcio, justifica-se pelos gastos do detentor da guarda com o sustento dos animais. A morte do último animal ficou estabelecida como o marco final da obrigação.