O leitor José Márcio Mota da Silva envia à coluna Gramatigalhas a seguinte mensagem:
“Prezado dr. José Maria, tenho dúvidas a respeito do plural do termo nu-proprietário, bem como da forma feminina do referido termo. Utilizar nus-proprietários ou nuas-proprietárias não me parece o mais correto, por isso gostaria que, se possível, esclarecesse a minha dúvida. Desde já agradeço a sua atenção e lhe parabenizo pelo ótimo trabalho desenvolvido nessa coluna”.
1) Um leitor envia a seguinte indagação: “Tenho dúvidas a respeito do plural do termo nu-proprietário, bem como da forma feminina do referido termo. Utilizar nus-proprietários ou nuas-proprietárias não me parece o mais correto, por isso gostaria que, se possível, esclarecesse a minha dúvida. Desde já agradeço a sua atenção e o parabenizo pelo ótimo trabalho desenvolvido nessa coluna”.
2) No que diz respeito aos dispositivos legais, vejam- -se dois aspectos importantes: a) pela lei, “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” (CC, art. 1.228, caput); b) por outro lado, em disposição legal não repetida pela codificação em vigor, mas com elementos integralmente válidos na atualidade, “quando todos os seus direitos elementares se acham reunidos” na pessoa do proprietário, “é plena a propriedade”; em caso contrário, a propriedade será limitada (CC/1916, art. 525).
3) No caso do usufruto, por exemplo, o direito de usar e gozar dos bens se desloca para a pessoa do usufrutuário, e fica ao proprietário, ainda que temporariamente, apenas o direito de dispor deles, de modo que, sendo ele um proprietário despido de alguns dos poderes inerentes ao domínio, chama-se, tecnicamente, nu-proprietário.
4) Assim, nu-proprietário é aquele que tem a propriedade que não é plena, que está despojado ou despido do gozo da coisa, tendo o que, no Direito Romano, se conhecia como a nuda proprietas (DE PLÁCIDO E SILVA, 1989, p. 258).
5) A grafia de tal vocábulo se dá com hífen, como registra o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, que é o veículo oficial ordenador do modo de grafar as palavras em nosso idioma (2009, p. 588).
6) Quanto à flexão de nu-proprietário para o feminino ou para o plural, Antonio Henriques manda variar “só o último elemento. Daí: nu-proprietário; nu-proprietários; nu-proprietária; nu-proprietárias” (1999, p. 121).
7) Em mesma esteira, Napoleão Mendes de Almeida (1981, p. 209-10) vê em tal expressão tão somente um adjetivo composto e, quanto à flexão, manda dizer nu-proprietária e nu-proprietários.
8) Uma análise acurada da realidade efetiva, todavia, revela que tal vocábulo pode ser um adjetivo composto ou um substantivo composto, conforme a situação: a) “O nu-proprietário vendeu seus direitos sobre o imóvel” (substantivo composto); b) “O casal nu-proprietário vendeu seus direitos sobre o imóvel” (adjetivo composto).
9) E, porque a expressão nu-proprietário às vezes é um substantivo composto e às vezes é um adjetivo composto, então o melhor é observar as específicas regras de flexão aplicáveis a um e a outro.
10) Assim, quando se trata de um substantivo composto – como na frase “O nu-proprietário vendeu seus direitos sobre o imóvel”, em que ambos os elementos são variáveis (nu é adjetivo, e proprietário é substantivo) – então se aplica a regra de flexão dos substantivos compostos segundo a qual cada elemento individualmente variável sofre sua normal flexão para o feminino ou para o plural, não importando seja ele o primeiro ou o segundo elemento do substantivo composto (o nu-proprietário, a nua-proprietária, os nus-proprietários, as nuas-proprietárias), a exemplo de pública-forma (cujo plural é públicas- formas).
11) Quando, porém, é um adjetivo composto – como na frase “O casal nu-proprietário vendeu seus direitos sobre o imóvel” – então se aplica a regra de flexão dos adjetivos compostos, segundo a qual o primeiro elemento é sempre invariável, e o segundo só varia para o plural ou feminino, quando ele próprio é um adjetivo (casal nu-proprietário, pessoa nu-proprietária, casais nu-proprietários, pessoas nu-proprietárias).
12) Nessa esteira, veja-se a correção do Dicionário Houaiss, o qual, para o substantivo nu-proprietário, registra o plural nus-proprietários (HOUAISS; VILLAR, 2001, p. 2.037).
13) Tal solução não é artificiosa, e seu acerto pode ser percebido, quando se compara a questão aqui analisada com a flexão do vocábulo surdo-mudo, com o qual guarda certa similitude, já que este último também pode às vezes ser um substantivo composto e às vezes um adjetivo composto.
14) Pois bem: Sousa e Silva, discutindo o problema de surdo-mudo, não partilha do entendimento de alguns escritores, que têm laborado no engano “de aplicar ao adjetivo as flexões do substantivo” (no caso ora discutido a questão é inversa, pois se in[1]tenta aplicar ao substantivo as flexões do adjetivo).
15) Bem por isso, doutrina tal gramático, em lição perfeitamente amoldável ao caso concreto: a) “Empregado como substantivo, faz no plural masculino surdos-mudos; no singular feminino, surda-muda; no plural feminino, surdas-mudas”; b) “Como adjetivo, conserva inalterado o primeiro elemento: meninos surdo-mudos, criança surdo-muda, operárias surdo-mudas”.
16) Vale dizer (SILVA, A., 1958, p. 289): a) como adjetivo, conserva nu-proprietário inalterado o primeiro elemento (casal nu-proprietário, pessoa nu-proprietária, casais nu-proprietários, pessoas nu-proprietárias); b) como substantivo, entretanto, já que seus elementos componentes são variáveis, ambos sofrem sua normal flexão para o feminino ou para o plural (o nu-proprietário, a nua-proprietária, os nus-proprietários, as nuas-proprietárias).
17) O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa não é claro a esse respeito e, assim, não elimina as dúvidas, uma vez que: a) explicita a possibilidade de seu emprego como substantivo e como adjetivo; b) dá como plural apenas nus-proprietários; c) mas não especifica se tal plural abrange o substantivo e o adjetivo, ou se se aplica apenas a um deles (VOLP, 2009, p. 588). Parece salutar, na prática, seguir as instruções anteriormente postas neste verbete.
18) Em resposta específica à questão trazida pelo leitor, podem-se fazer as seguintes ponderações: (i) a indagação do leitor não é clara para indicar se quer saber do vocábulo como um substantivo ou como um adjetivo; (ii) por isso a resposta deve ser bifurcada, conforme se considere o termo como um substantivo composto ou como um adjetivo composto; (iii) se se quiser considerar o termo como um substantivo composto, o melhor será nu-proprietário (masculino singular), nua-proprietária (feminino singular), nus-proprietários (masculino plural) e nuas-proprietárias (feminino plural); (iii) se, contudo, se quiser tê-lo como um adjetivo composto, então, na consonância com as lições anteriormente expendidas, o melhor será manter inalterado o primeiro elemento e variar o segundo deles, empregando, assim, nu-proprietário para o masculino singular, nu-proprietária para o feminino singular, nu-proprietários para o masculino plural e nu-proprietárias para o feminino plural.