Tirar um “ano sabático” no casamento requer cuidados jurídicos, para que a busca por melhora no relacionamento não vire um tormentoso desfecho
A nova onda, aqui não da pandemia, mas nos relacionamentos é denominada “ano sabático”.
A origem do termo vem da cultura judaica:
“Também conhecido por Shemitá (“libertação”, na tradução literal do hebraico), o ano sabático é descrito no Torá (livro sagrado do povo judeu) como o período de descanso da terra, onde os judeus não podiam cultivar a agricultura. De acordo com as regras da bíblia judaica, o ano sabático deve ser feito de sete em sete anos, ou seja, seis anos de cultivo da terra e o sétimo é dedicado ao seu descanso e recuperação. Lembrando que esse sistema também é seguido semanalmente pelas leis do judaísmo, sendo seis dias de trabalho e o sétimo de descanso (shabat).”1
No meio empresarial o ano sabático é muito usado por aqueles profissionais que se afastam, temporariamente, de suas atividades para se dedicarem a algum projeto de vida.
E não é que o termo chegou aos casamentos? Se no namoro a gente “dá um tempo”, agora, no casamento nós tiramos um ano sabático.
Os casos, pelo menos destacados em reportagens2, dão conta de quão salutares e revigorantes são estes anos sabáticos para o casal, que normalmente tem como motivos a oportunidades de trabalho, ao desejo de morar em um local onde sempre sonharam e que fica longe de casa ou para buscar interesses pessoais, inclusive de cunho sexual, ou até mesmo para sair do tédio da relação à dois.
Discussão psicológica à parte resta saber: e o Direito com isso?
O Código Civil é explícito ao elencar em seu art. 1.566 os deveres de ambos os cônjuges no casamento, com sendo: a fidelidade recíproca; a vida em comum, no domicílio conjugal, a mútua assistência, o respeito e consideração mútuos, além do sustento, guarda e educação dos filhos.
Logo há de se questionar se existe incompatibilidade na adoção de um ano sabático com estes deveres do casamento. Apesar de no mundo virtual tudo parecer possível, surgem questões interessantes, para citar duas: como manter a fidelidade recíproca, se o propósito do ano sabático pode ser justamente a infidelidade? E, a guarda e educação dos filhos, na hipótese do ano sabático, como fica?
Se não bastasse, tem, a não menos importante, questão do regime patrimonial. Na hipótese de um casal que tenha optado pelo ano sabático, e, por exemplo, um dos cônjuges, durante este tempo, venha a conquistar um bem, este bem se comunica tendo o casal adotado o regime da comunhão parcial de bens (veja lá o art. 1.660 do Código Civil)?
Como a vida antecede o direito e o “seguro morreu de velho”, não me padece dúvidas de que o correto é a redação de um instrumento particular, quiçá escritura pública declaratória, entre os cônjuges, que verse sobre este ano sabático e, sim, discipline atenta e rigorosamente os efeitos jurídicos deste ano sabático para que no futuro o ano sabático não se torne um “longo e tenebroso inverno”.
Fonte: Migalhas
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