As criptomoedas foram concebidas nas décadas de 1980 e 1990, criadas nas décadas de 2000 e 2010 e aprimoradas nas décadas de 2010 e 2020. Precisamente, em 31 de outubro de 2008, Satoshi Nakamoto publicou o white paper Bitcoin: A Peer-To-Peer Electronic Cash System e principiou-se, então, a criptoeconomia [1].
Ao contrário das moedas fiduciárias de curso forçado — tais quais o Real, a unidade do Sistema Financeiro Nacional —, as criptomoedas são bens econômicos sem fidúcia e sem curso forçado, mas que performam como meios de troca, reservas de valor e unidades de conta, porquanto divisíveis, portáteis, duradouros e escassos [2].
Essencialmente, as criptomoedas não são bens econômicos materiais (tangíveis, ou físicos), mas imateriais (intangíveis, ou digitais), e, em suma, a imaterialidade das criptomoedas permite a realização de transações descentralizadas (sem intermédio de bancos, sejam públicos, sejam privados, por exemplo) desses bens econômicos.
As criptomoedas viabilizam, portanto, transações diretas entre parte e contraparte, sem ingerência de terceiros. Basta, para isso, que parte e contraparte acessem as redes de criptomoedas e realizem transações, identificando-se por intermédio de chaves, ou, a rigor, credenciais, públicas (não criptografadas) e privadas (criptografadas). Essas transações são, descentralizada e publicamente, registradas em blockchains (correntes de blocos), e esses registros são, então, validados.
Contudo, a descentralização das criptomoedas é, argumentativamente, passível de majorar a prática dos crimes de corrupção, tanto ativa quanto passiva, e de lavagem de dinheiro — tipificados, respectivamente, pelos artigos 317 e 333 do Código Penal e pelo artigo 1º da Lei nº 9.613/1998 — em razão do isolamento dos sistemas financeiros nacionais e internacionais do sistema criptofinanceiro [3].
É dizer: ainda que a identidade da parte e da contraparte sejam públicas, não há, necessariamente, identificação das pessoas naturais ou jurídicas que figuram como parte e contraparte nessas transações de criptomoedas, e, uma vez que transitem dos sistemas financeiros nacionais e internacionais para o sistema criptofinanceiro, não há ingerência de terceiros, inclusive do Estado, sobre as criptomoedas.
As criptomoedas incrementam, decerto, a complexidade operacional dos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro, uma vez que viabilizam a dispersão, em relação aos sistemas financeiros nacionais e internacionais, do produto dos referidos crimes, que podem, inclusive, ser transacionados — por servidores públicos, por exemplo —, na forma de criptomoedas, a pessoas naturais ou jurídicas internacionais, não jurisdicionadas no Brasil.
A despeito da conclusão de que criptomoedas são infimamente, se comparadas às moedas fiduciárias de curso forçado, utilizadas para praticar crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro, decorrente de análises de dados on-chain de criptomoedas, coibir a prática de quaisquer crimes instrumentalizados por criptomoedas deve ser, e efetivamente é, a prioridade da produção de normas jurídicas em matéria de criptomoedas, sobretudo quando ponderados, no processo jurídico-normativo, os princípios da Administração Pública positivados pelo artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), quais sejam, os princípios de acordo com os quais a administração pública deve ser legal, impessoal, moral, pública e eficiente, dentre outros [4].
Assim, a preocupação com a prática dos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro, além de outros atos ilícitos, sobretudo concernentes à administração pública, está consignada nas normas jurídicas em matéria de criptomoedas, a exemplo dos Comunicados nº 25.306/2014 e nº 31.379/2017 do Banco Central do Brasil, que alertam, prospectivamente, acerca da possibilidade de o Estado investigar, em razão da prática de atos ilícitos, os usuários de criptomoedas, a despeito de boa ou má-fé.
Analogamente, a Instrução Normativa nº 1.888/2019 da Receita Federal do Brasil prescreve que, havendo indício de prática do crime tipificado pelo artigo 1º da Lei nº 9.613/1998, qual seja, o crime de lavagem de dinheiro, a Receita Federal do Brasil deve, além de sancionar juridicamente com multa, comunicar oficialmente o Ministério Público Federal, ensejando, assim, investigação acerca da prática do crime de lavagem de dinheiro.
Nada obstante, tem-se que a produção de normas jurídicas em matéria de criptomoedas, é, decerto, incipiente, preponderando, quantitativamente, não as leis, mas os projetos de lei, que, potencialmente, convolar-se-ão em normas jurídicas e orientarão o combate à prática dos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro, mormente no âmbito da administração pública.
Dentre os principais projetos de lei propostos, destaca-se o Projeto de Lei nº 2.303/2015 (no Congresso Nacional), ou nº 4.401/2021 (no Senado Federal), que, atualmente, orienta os demais projetos de lei em matéria de criptomoedas.
Especificamente, o artigo 2º do referido Projeto de Lei propõe a inclusão do § 4º ao artigo 11 da Lei nº 9.613/1998, para que o artigo 11, I, da Lei nº 9.613/1998, que prescreve o dever de pessoas naturais e jurídicas de dispensar especial atenção às transações de criptomoedas que indiciem a prática do crime de lavagem de dinheiro, incida sobre as transações de criptomoedas.
Outrossim, o Projeto de Lei nº 2.234/2021 propõe a majoração da pena do crime de lavagem de dinheiro se praticado por intermédio de criptomoedas.
Ademais, de acordo com o artigo 7º do Projeto de Lei nº 3.825/2019, as ICO (Initial Coin Offers, ou ofertas iniciais de moedas), recurso utilizado para a prática dos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro, deverão se submeter à Comissão de Valores Mobiliários, bem como ao Banco Central do Brasil e à Receita Federal do Brasil, para combater a prática dos referidos crimes.
Analogamente, o Projeto de Lei nº 2.164/2021 prescreve que, para emitir criptoativos, a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado deve ser estabelecida no Brasil e emiti-los de modo compatível com as atividades que desenvolve e com os mercados em que atua.
Notadamente, o estado da arte do combate à prática dos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro por intermédio de criptomoedas é incipiente, mas, concomitantemente, é, também, o núcleo da produção de normas jurídicas em matéria de criptomoedas.
Em regra, para que seja efetivo, o combate à prática desses crimes depende, mormente, da identificação das interseções entre os sistemas financeiros nacionais e internacionais e o sistema criptofinanceiro. No sistema criptofinanceiro, não há ingerência do Estado sobre as transações de criptomoedas, mas, nos demais sistemas, há. Consequentemente, o objeto (ou um dos objetos) das normas jurídicas devem ser as pessoas, sobretudo jurídicas, que performam como bancos ou como corretoras de criptomoedas.
A esse respeito, observa-se que, também quando consideradas as implicações criminais, sobretudo no âmbito da Administração Pública, o Ofício Circular nº 4.081/2020 do Ministério da Economia subsiste. Isso porque, de acordo com o referido Ofício Circular, pode-se integralizar o capital de sociedades empresárias com criptomoedas, e, por um lado, o combate aos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro é combatido na interseção entre os sistemas financeiros nacionais e internacionais e o sistema criptofinanceiro e, por outro lado, a integralização de capital de sociedades empresárias com criptomoedas é uma dessas interseções.
Hodiernamente, no Brasil, tornou-se enfático o combate à prática dos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro, o que contribui para a consignação da percepção de higidez da Administração Pública, sobretudo em face dos princípios, prescritos pelo artigo 37 da CRFB, de impessoalidade, de moral, de publicidade e de eficiência, dentre outros, aos quais a Administração Pública deve se adstringir [5].
Por isso, sem coibir as transações de criptomoedas, que, efetivamente, promovem os direitos fundamentais à liberdade, à propriedade e à liberdade monetária [6], a produção de normas jurídicas em matéria de criptomoedas deve identificar as interseções entre os sistemas financeiros nacionais e internacionais e o sistema criptofinanceiro e, então, jurisdicionar, dificultando ou facilitando, as formas como bens econômicos transitam entre os sistemas.
Ademais, deve-se rememorar que, ao contrário das transações de moedas fiduciárias de curso forçado, as transações de criptomoedas são públicas, de modo que a análise de dados on-chain, isto é, dados das blockchains das criptomoedas, está, sempre, à disposição do Estado no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro.
Em síntese, tem-se que, como tecnologia, as criptomoedas podem promover os direitos fundamentais à liberdade, à propriedade e à liberdade monetária dos usuários de criptomoedas, e, porquanto públicas, podem, inclusive, promover o combate à prática dos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro.
Para tanto, é preciso disciplinar as interseções entre os sistemas financeiros nacionais e internacionais e o sistema criptofinanceiro, sem, contudo, coibir as transações de criptomoedas. Desse modo, o ordenamento jurídico brasileiro disporá de recursos para promover a higidez da administração pública no contexto de transformações monetárias digitais.
Fonte: Conjur
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