Em linhas gerais, dentro do clássico instituto da família anaparental e da realidade do parentesco socioafetivo – o STJ detalha a sua vertente no vínculo colateral

 

O Informativo 453 STJ, a partir de voto do Min. Villas Boas Cueva, em processo sobre a questão que apresenta referência a esta expressão em julgamento que envolve discussão de parentesco socioafetivo – em que justamente, o busílis da questão dizia respeito ao fato de que se pretendia o reconhecimento do parentesco da posição de irmão socioafetivo.

 

Há décadas o direito de família constitucionalizado não mais se preocupa em permitir uma família que seja exclusivamente consanguínea (quando comecei meus estudos na Sanfran – em outro século, se fazia referência a uma lei que diminuía direitos de filhos adulterinos e o direito tratava filhos adotivos como filhos de segunda classe num anacronismo preconceituoso absurdo – vedado pela ordem constitucional e arejado pelo STJ, sobretudo).

 

A ordem constitucional como todos sabemos vedou preconceitos em direito de família, dentro da ideia de constitucionalização do direito privado, que lentamente, primeiro garantindo igualdade entre filhos independentemente da origem do parentesco e rompendo com a ideia do papel passado (legitimando as famílias informais) deu margem para que a criatividade e senso de modernidade dos Ministros das Turmas de Direito Privado do STJ garantissem direitos próprios ao parentesco socioafetivo passando ao conceito de família anaparental (família que não necessariamente estaria ligada por laços consanguíneos – em que preponderaria o valor constitucional afetividade – a par dos pilares da constitucionalização do direito privado – a saber: socialidade, eticidade, operabilidade e concretude).

 

Ademais, isso adviria, até mesmo da ideia do artigo 1.593, do Código Civil, ao prever a formação do estado de filiação advindo de outras espécies de parentesco civil que não, necessariamente, a consanguínea, permite a interpretação da expressão “outra origem” como sendo adoção, a filiação proveniente das técnicas de reprodução assistida e até a filiação socioafetiva – e se vários filhos podem ser socioafetivos não haveria como se impedir que se reconheçam irmãos pelos mesmos argumentos e fundamentos.

 

Agora, após não haver dúvidas na verticalização dos vínculos (linha ascendente-descendente) em torno da legitimidade do parentesco socioafetivo – de modo coerente o STJ deixo claro, pelo conceito de fraternidade socioafetiva que tal vínculo também resta como possível na linha colateral (o caso versa sobre reconhecimento de pessoas tratadas como se fossem irmãos).

 

Pelo óbvio que como se tem pela clássica lição de Paulo Lobo – socioafetividade se pontua pela presença de tractus, nomem ou fama (não de modo cumulativo) – de modo que pessoas que são criadas como se irmãs fossem, mesmo que não sejam irmãs de sangue, deverão ser tratadas como irmãs pelo ordenamento jurídico.

 

Por vezes quem come junto um quilo de sal, auxiliando na doença, dando carinho e afeto, aceitando escolhas, não julgando comportamentos, talvez tenha um comportamento mais fraternal do que um irmão consanguíneo que, por preconceito social, sexual ou outro, deixe de manter contato com um familiar – por isso a afetividade se torna tão importante.

 

Aliás, de servir de alerta para o irmão consanguíneo que comportamentos que revelem injúrias, por exemplo, podem levar à sua deserdação por testamento ou mesmo em sua exclusão por indignidade (artigo 1.814 CC), como exponho em aulas para meus alunos: O Mundo é um lugar perigoso para se viver.

 

Muitas situações autorizam isso – ainda mais, por exemplo, naqueles casos em que há abandono ou isolamento de um membro da família consanguínea (por sua opção sexual ou modo de vida não tradicional por exemplo) mas existe o acolhimento por outro grupo que o congrega como membro familiar (estão juntos e próximos nos momentos que mais importam enquanto os parentes de sangue estão afastados – tudo isso deve ser analisado).

 

Já há alguns anos, minha sócia, esposa e ex aluna Dra. Carolina Amâncio Togni Ballerini Silva, defendeu monografia de especialização em direito de família (o qual coordenava na ESD) sobre tal tema, e temos demandas com esta temática em curso, até porque o STF já asseverou, de há muito que não existe qualquer hierarquia, gradação ou comparação entre parentesco consanguíneo e parentesco socioafetivo.

 

Este último, insista-se, deriva do valor constitucional afetividade que pode ser extraído do art. 226 CF, e há proteção e reflexos de parentesco entre irmãos consanguíneos nesta via colateral, pelo óbvio que não poderia haver discriminação de tal reflexo na via do parentesco socioafetivo.

 

Em minha particular compreensão, o aresto agora lançado pelo STJ apenas detalha e esmiuça o conceito na linha colateral, em continuidade da delimitação jurisprudencial do conceito de família anaparental (ou família composta, não necessariamente com parentes consanguíneos) – muitas vezes pessoas são tão amigas, que não se envolvendo como parceiros sexuais ou em relações amorosas, nem se tratando platonicamente como pais e filhos, assumem reciprocamente o papel ou função social de verdadeiros irmãos numa união familiar, o que tem repercussões no direito de família e sucessões.

 

Inclusive aponta Rodrigo Cunha Pereira a fraternidade socioafetiva, é a expressão que designa os irmãos socioafetivos, isto é, irmãos entre si, mas sem, necessariamente, o vínculo genético de ascendentes comuns. “Assim como a paternidade, a fraternidade socioafetiva pode estar desvinculada dos laços biológicos, sendo possível que o parentesco entre irmãos seja declarado judicialmente”.

 

Interessante, ainda, apontar que como destacou o Ministro Relator no julgamento do recurso que afirmou a expressão que: “É possível, assim, compreender-se que a socioafetividade tem assento tanto na relação paterno-filial quanto no âmbito das relações mantidas entre irmãos, associada a outros critérios de determinação de parentesco” –  aduziu ainda não ser essencial nem mesmo a prévia declaração de filiação dos pais em relação ao relacionamento entre os irmãos, o que seria a base de demandas deste jaez para efeitos de interesse de agir.

 

Mais uma decisão de vanguarda do STJ. Mas muitas questões ainda devem ser analisadas do mesmo modo, para fixação de balizas claras pela Corte (casamentos eudemônicos, reconhecimento de uniões poliafetivas, delimitações de gêneros e orientações sexuais no ambiente de diversidade sexual) etc.

 

Fonte: Migalhas

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