Lei brasileira prevê quatro modalidades de regime de bens; investimentos integram a partilha em alguns casos

 

Ninguém se casa pensando em separar, mas o que os dados mostram é que o divórcio é cada vez mais frequente no Brasil. Em 2021, a separação de casais atingiu número recorde no país, segundo as Estatísticas do Registro Civil referentes ao ano retrasado, divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na última quinta-feira (16).

 

Foram 386,8 mil divórcios realizados no período, alta de 16,8% em comparação com 2020. O levantamento engloba os procedimentos concedidos judicialmente em primeira instância e aqueles realizados por via extrajudicial, diretamente no cartório, por escritura pública. Essa segunda categoria de dissolução de casamento só é possível se, além de a separação se dar por comum acordo, o casal não tiver filhos ou, caso os tenha, eles já sejam maiores de idade.

 

Uma das dúvidas mais comuns quando o assunto é divórcio diz respeito à divisão dos bens. O que deverá ser partilhado e o que permanecerá com cada parte? O que acontece se os ex-cônjuges forem sócios de uma empresa? E eventuais investimentos, estes entram na divisão?

 

Para se chegar a essas respostas, primeiro é preciso compreender qual era o regime de bens ao qual o casamento foi submetido. No Brasil, tem-se os seguintes regimes: comunhão parcial de bens, que é o regime brasileiro padrão adotado quando os cônjuges não celebram pacto antenupcial para escolher outra modalidade; comunhão universal de bens; separação total de bens; e o regime de participação final nos aquestos.

 

Comunhão parcial de bens

 

A comunhão parcial de bens considera comuns os bens adquiridos pelos cônjuges, ainda que individualmente, após o casamento. Se houver separação, os bens serão partilhados igualmente entre os dois.

 

O que cada um tinha antes do matrimônio permanece consigo, assim como os bens que foram doados a somente uma das partes e os resultantes de herança destinada a apenas um dos cônjuges, mesmo depois do casamento.

 

Significa, por exemplo, que se a mãe do marido morreu depois que o filho já era casado e deixou um apartamento para ele, esse imóvel não será partilhado com a esposa se eles se separarem.

 

Os ganhos do trabalho de cada um e os bens de uso pessoal, como equipamentos utilizados para o exercício da profissão, também não entram na partilha.

 

Comunhão universal de bens

 

Como o próprio nome sugere, todos os bens devem ser divididos igualmente entre os cônjuges, mesmo os adquiridos antes da união ou advindos de herança, ainda que esta seja destinada a apenas uma das partes.

 

Aqui, se a mãe do marido tiver morrido e deixado um apartamento para o filho, o imóvel vai entrar na partilha.

 

As exceções estão previstas no artigo 1.668 do CC e incluem, entre outras situações, bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade, quando o testador (aquele que faz o testamento) ou doador prevê expressamente, de forma escrita, que o bem não pode fazer parte do patrimônio que será partilhado com o cônjuge de quem recebeu a herança ou doação se o casal se separar.

 

Numa situação hipotética em que a mãe decida dar um apartamento de presente para o filho (doação de bem imóvel), ela pode “proibir”, via cláusula de incomunicabilidade, que o imóvel seja partilhado com a nora se houver divórcio.

 

Separação total de bens

 

Outra modalidade compreensível pelo nome: todos os bens, adquiridos antes ou durante o casamento, são de cada cônjuge individualmente, sem qualquer divisão.

 

Esse regime pode ser convencional (por opção dos noivos) ou legal (obrigatório), como nos casos de casamento ou união estável em que uma das partes tiver mais de 70 anos. Nessa segunda hipótese, contudo, a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal (STF) pontua que os bens adquiridos ao longo do casamento integram, sim, o patrimônio, como acontece na comunhão parcial.

 

Mas é importante salientar que há juristas que não concordam com esse entendimento do STF, afirmando que uma cláusula prevista em pacto antenupcial poderia afastar a aplicabilidade da súmula. Na prática, quer dizer que os noivos que vão se casar por separação legal (obrigatória) de bens podem firmar uma espécie de contrato com a previsão de que mesmo os bens adquiridos durante o matrimônio não vão integrar o patrimônio em caso de divórcio.

 

Participação final nos aquestos

 

Considerado um regime híbrido, ele é pouco utilizado no Brasil, mas contempla previsão legal (artigo 1.672 e seguintes do CC). Aqui, cada cônjuge pode administrar os bens que estão em seu nome livremente enquanto o matrimônio durar, agindo como se estivessem casados sob o regime de separação de bens.

 

Em tempo: na comunhão parcial e universal, os cônjuges precisam da autorização do outro para vender, doar ou dar em permuta qualquer bem imóvel. Se o casamento acabar, porém, os bens serão partilhados da maneira como ocorre na comunhão parcial.

 

Investimentos integram os bens a serem partilhados

 

Algo que se deve ter em mente é que investimentos e ações vão entrar na partilha a depender do regime de bens escolhido. No caso da comunhão parcial de bens, se as aplicações tiverem sido realizadas antes da celebração do casamento, o que deverá ser dividido são os rendimentos dos ativos.

 

Se o aporte tiver ocorrido durante o casamento, integram patrimônio tanto o investimento inicial quanto os rendimentos, mesmo que o titular da aplicação seja apenas uma das partes.

 

Se a situação concreta for de comunhão universal, investimentos e frutos serão partilhados, independentemente de as aplicações terem sido realizadas antes ou durante a união e por apenas um dos cônjuges.

 

Sócios no amor, parceiros no trabalho. E quando o casamento acaba?

 

Não é incomum que marido e mulher sejam sócios num empreendimento. No caso de o divórcio ser inevitável, até pode ser que a empresa siga suas atividades sem maiores percalços, mas não há como negar que pode ser bastante difícil.

 

Assim, se a opção for pela não manutenção da sociedade, as opções envolvem a venda de cotas de um cônjuge para o outro, a venda da empresa para terceiros ou até mesmo o encerramento do negócio.

 

Ex-cônjuge tem direito a herança?

 

Importante frisar que ex-cônjuge não tem nenhum direito automático a herança. A única situação possível seria se o falecido tivesse previsto isso de forma expressa em testamento.

 

Pela lei brasileira, somente 50% do patrimônio pode estar contemplado em testamento. A metade restante, obrigatoriamente, será destinada aos herdeiros necessários – atual cônjuge, descendentes e ascendentes, segundo o artigo 1.845 do CC.

 

Foram consultadas para esta matéria as advogadas Rita Vasconcelos, professora titular e coordenador da Especialização em Direito das Famílias e Sucessões da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), e Anelize Pantaleão Puccini Caminha, professora da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP).

 

Fonte: e-Investidor

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