Embora legislação seja escassa, é possível deixar registrados os desejos para o pós-morte
A atriz Whoopi Goldberg revelou, em entrevista recente, que sua imagem não será reproduzida em holograma digital após sua morte. A decisão está documentada em testamento há quinze anos.
A questão da reprodução da imagem após a morte também foi alvo de debate no Brasil, após o comercial da Volkswagen recriar a imagem de Elis Regina por inteligência artificial.
A quem pertence, afinal, o conteúdo intangível deixado pelo falecido?
Além da imagem, muitos bens que antes eram físicos agora passam a ser digitais, o que naturalmente os incorporaria à herança (como livros que viraram e-books, músicas online, canais remunerados).
Também são exemplos dessa nova categoria direitos autorais sobre conteúdos digitais; perfis, publicações e interações em redes sociais e plataformas digitais com potencial valor econômico; arquivos em nuvem, contas de e-mail; sítios eletrônicos, bitcoins, criptoativos, tokens, entre outros.
De fato, existe vida digital após a morte. Sobre a importância de se organizar com relação à herança digital, ouvimos a especialista em Direito Digital Patrícia Peck.
A advogada explica o que há de legislação sobre o tema, e quais cuidados deveriam ser tomados.
Legislação
De um lado, a Constituição brasileira garante o direito de herança como fundamental ao cidadão; de outra parte, a revolução tecnológica desenvolvida a partir da internet, das interações em plataformas digitais e redes sociais, além do tráfego de relações oriundo dessas operações, atribuíram valor econômico a essa “nova espécie” de patrimônio, denominada digital.
Para Patrícia Peck, em uma sociedade cada vez mais virtual, é preciso tratar da “vida digital depois da morte”, embora ninguém goste de falar do assunto.
Em 2022, o tema foi tratado na IX Jornada de Direito Civil, a partir da qual foi publicado pelo Conselho da Justiça Federal o enunciado 687:
“O patrimônio digital pode integrar o espólio de bens na sucessão legítima do titular falecido, admitindo-se, ainda, sua disposição na forma testamentária ou por codicilo.”
Mas a advogada explica que, mesmo com a LGPD em vigor desde setembro de 2020, a legislação brasileira não trata especificamente sobre o que acontece com todos os conteúdos digitais quando há um óbito.
O que se sabe é que a lei não se aplica a pessoas falecidas, conforme nota técnica da ANPD (arts. 5º da lei e 6º do CC/02).
Portanto, atualmente, fica a critério das plataformas a definição sobre o que é feito com os perfis e bens digitais, considerando regras contratuais.
Sendo assim, cabe aos operadores do Direito promoverem a adequada proteção jurídica dos bens e interesses dos titulares e dos respectivos sucessores, “atribuindo-lhes sentido jurídico e econômico nas sucessões legítimas e testamentárias e até mesmo por meio de codicilos, nos casos de pequena monta”, devendo ser respeitadas, inclusive, as disposições de última vontade de viés negativo – isto que, aquelas que determinem a eliminação total dos dados e informações do falecido.
Codicilo ou testamento
Assim como fez Whoopi Goldberg ao proteger suas vontades mediante testamento, Peck orienta que há possibilidade, pela lei brasileira, de deixar expressa a vontade para o pós-vida, com algumas regras.
Isso se dá pelo codicilo, que é um documento, cujo registro pode ser por meio de áudios, vídeos ou por escrito, e que deve demonstrar que a pessoa manifesta sua vontade conscientemente de deixar o patrimônio digital ou acesso a ativos digitais sob a responsabilidade de outrem.
A advogada destaca, ainda, que é possível autorizar uma pessoa responsável ainda em vida, para facilitar o acesso a senhas de redes sociais, contas de banco e outros serviços online, devendo ser definido quem poderá acessar os ativos digitais após a morte.
Por fim, é possível fazer um testamento do modo tradicional constando as vontades.
Tudo deve seguir as regras de validade do Código Civil e somente serão admitidos em caso de morte confirmada, com respectivo atestado de óbito.
Fonte: Migalhas
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