STF decide, por unanimidade, que maiores de 70 anos podem escolher regime de bens em casamentos e uniões estáveis, mediante escritura pública, questionando a constitucionalidade do artigo 1.641, II, do Código Civil

 

Por decisão unânime, datada do dia 1.2.24, o Plenário do STF decidiu que pessoas maiores de 70 anos podem optar por afastar a obrigatoriedade do regime da separação total de bens nos casamentos e uniões estáveis, escolhendo livremente o regime de bens a ser adotado, desde que manifestem expressamente sua vontade por meio de escritura pública lavrada em cartório.

 

O Supremo Tribunal discutiu, à luz dos artigos 1º, III, 30, IV, 50, I, X, LIV, 226, § 3º e 230 da Constituição Federal, a constitucionalidade do artigo 1.641, II, do Código Civil, que estabelece o regime da separação obrigatória de bens para casamento de pessoa com mais de 70 anos, bem como a aplicação desta regra às uniões estáveis1, mantendo-se a regra rígida, salvo na existência de escritura pública que determine regime de bens diverso.

 

O referido dispositivo infraconstitucional, na origem, buscou evitar possíveis casamentos “por interesse”, além de pretender a proteção de idosos e a preservação do seu patrimônio, uma vez que a eventual partilha em caso de divórcio ou sucessão na hipótese de falecimento poderia vir a representar um possível risco para a pessoa de idade avançada ou para seus herdeiros.

 

Por outro lado, há corrente que entendia que a imposição do regime da separação obrigatória de bens é incompatível com os princípios constitucionais da isonomia, da dignidade da pessoa humana e, ainda, considerando a longevidade atual da população brasileira, a situação revela o etarismo, uma vez que com a intenção de proteção de eventuais herdeiros de pessoa com mais de 70 anos, o legislador acabou por impedir que alguém maior e plenamente capaz para a prática dos atos da vida civil optasse livremente pelo seu regime de bens.

 

Nesse sentido, em seu voto, a Ministra Cármen Lúcia expôs que a impossibilidade de escolha do regime de bens imposta às pessoas idosas seria contrária aos princípios constitucionais, além de discriminatória, afirmando, ainda, que “pela longevidade da minha família, a gente realmente fica preocupado quando homens e mulheres começam a se apaixonar aos 90 anos, mas acontece. (…) Não significa a obrigatoriedade de ter que se submeter a um regime de casamento ou estar em união estável de qualquer forma obrigatoriamente porque o legislador assim quis, porque ‘aí’ é uma presunção de etarismo, de preconceito”. Na mesma linha, o Ministro Luiz Fux expôs que “Hoje há uma crescente longevidade da população. Não se justifica presumir, em razão da idade, qualquer tipo de incapacidade”.

 

No caso concreto, a companheira de um homem já falecido, com quem constituiu união estável quando este já contava com mais de 70 anos de idade, buscava reformar a decisão do Tribunal de origem que aplicou o regime da separação obrigatória de bens, nos termos do artigo 1.641, II, do Código Civil e não reconheceu o direito da recorrente de concorrer com os filhos do de cujus à herança.

 

O STF negou provimento ao recurso, por entender que não houve manifestação expressa do falecido no sentido da escolha de regime de bens diverso, fixando a seguinte tese: “nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública”.

 

Por fim, de forma a garantir a estabilidade e segurança jurídica, os efeitos da decisão foram modulados para que não sejam atingidas situações pretéritas, resguardando-se todos os atos que foram praticados de acordo com o artigo 1.641 do Código Civil até a data do julgamento, razão pela qual não será permitida a revisão de partilhas já finalizadas. Por outro lado, pessoas com mais de 70 anos que tenham se casado ou constituído união estável até 1.2.24 poderão solicitar a alteração do regime de bens escolhido, desde que manifestem expressamente a sua vontade por escritura pública.

 

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1 ARE nº 1309642 – Tema 1236

 

Fonte: Migalhas

 

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