A aquisição de imóvel rural por estrangeiro enfrenta travas legais, as quais são reguladas pela Lei nº 5.709/71 e pelo Decreto nº 74.965/74, dentre elas a necessidade de autorização do Incra, bem como limites dentro do mesmo município e limites da propriedade rural.
Há também equiparação legal de empresa brasileira que tenha mais da metade de seu capital social composto por estrangeiro pessoa física ou jurídica, o que acarreta as mesmas travas legais enfrentadas pelo estrangeiro.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal está julgando a ADPF nº 342 e a Ação Cível Originária (ACO) nº 2.463 sobre o tema, pois há um amplo debate sobre a recepção dessas legislações pela Constituição de 1988. Apesar da discussão sobre a validade constitucional da norma jurídica, a Lei 5.709/71 permanece vigente. Nesse regulamento, há limitação clara à aquisição de imóvel rural, que é superior a três módulos rurais indefinidos de exploração, por estrangeiro ou pessoa jurídica brasileira equiparada a estrangeiro.
No entanto, o que se pretende analisar é a possibilidade de interpretação extensiva da equiparação da pessoa jurídica brasileira estrangeira ao brasileiro nato não residente no Brasil, considerando a possibilidade de interpretação ampla no que diz respeito ao patrimônio adquirido pelo brasileiro no exterior ser classificado como capital estrangeiro.
Capitais estrangeiros no país
A Constituição Federal estabelece que brasileiros natos são aqueles nascidos no Brasil ou filhos de mãe ou pai brasileiro. A nacionalidade não é um direito absoluto, havendo previsão constitucional de perda da nacionalidade (artigo 12, §4º da CF), contudo foi editada a Emenda Constitucional nº 131/23 que revogou as disposições contidas nas alíneas “a” e “b” do artigo 12, §4º, restando tão somente a possibilidade de perda de nacionalidade por meio de pedido expresso.
Outrossim, o brasileiro que vai morar no exterior em caráter definitivo deve entregar à Receita Federal a Declaração de Saída Definitiva do País, conforme a IN SRF nº 208/02. Tal declaração tem efeitos fiscais e representa a intenção do contribuinte em não manter residência no Brasil.
A partir deste momento, o brasileiro não residente acaba por incidir na previsão do artigo 8º, inciso II, da Lei nº 14.286/2021, que dispõe “capitais estrangeiros no País: os valores, os bens, os direitos e os ativos de qualquer natureza detidos no território nacional por não residentes” daí que se tem os primeiros indícios de possibilidade de interpretação extensiva das travas legais da Lei nº 5.709/71.
Ora, os brasileiros não residentes deverão observar as regras para realizarem investimentos no mercado nacional, consoante dispõe a Resolução nº 4.373/2014 e a Resolução BCB nº 278/2022, devendo sempre prestar as informações necessárias ao Banco Central sobre investimentos no país.
Contudo a declaração não tem o condão de modificar a nacionalidade, tendo em vista que dá apenas efeitos fiscais para o exercício do direito de residência, e efeitos regulatórios de ingresso de capital estrangeiro — ainda que não seja efetivamente de estrangeiros — no Brasil, bem como a Receita Federal não é competente para atuar no tocante à nacionalidade.
Lei nº 5.709/71 e aquisição de imóvel rural por estrangeiro
Neste mesmo sentido cumpre destacar o teor da norma legal contida na Lei nº 5.709/71, seu artigo 1º estabelece que “estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta Lei”. Além disso, o §1º traz a figura da equiparação das pessoas jurídicas nacionais às estrangeiras em razão da composição de mais de 50% de seu capital social por capital estrangeiro: “Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta Lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior.”
O Decreto nº 74.965/74 regulamenta as disposições instituídas pela Lei nº 5.709/71 sobre a aquisição de imóvel rural por estrangeiro, repetindo as disposições e equiparações contidas na mesma lei. A jurisprudência, por sua vez, traduz a motivação legal ante a edição da Lei nº 5.709/71 e do Decreto nº 74.965/74. Destaca-se:
“RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. ESTRANGEIROS. PESSOA JURÍDICA BRASILEIRA. CONTROLE ESTRANGEIRO. EQUIPARAÇÃO. REQUISITOS ESPECIAIS. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. 1. Ação ajuizada em 01/10/2004. Recurso especial interposto em 26/08/2013 e atribuído a este Gabinete em 25/08/2016. 2. O propósito recurso consiste em determinar se, à luz dos arts. 1º, § 1º, 8º da Lei 5.709/71, é juridicamente possível a usucapião por pessoa jurídica brasileira, cujo capital social seja majoritariamente controlado por estrangeiros. 3. A legislação impõe uma série de condições para a aquisição de terras rurais por estrangeiros, pessoas naturais ou jurídicas, pois nesta questão está envolvida a defesa do território e da soberania nacional, elementos imprescindíveis à existência do Estado brasileiro. 4. Por força do art. 1º, § 1º, c/c art. 8º da Lei 5.709/71, a pessoa jurídica brasileira também incidirá nas mesmas restrições impostas à estrangeira, caso participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no exterior. 5. As mesmas limitações existentes na aquisição de terras rurais existentes para as pessoas estrangeiras – sejam naturais, jurídicas ou equiparadas – devem ser observadas na usucapião desses imóveis. 6. Recurso especial provido para afastar a impossibilidade jurídica do pedido.” (STJ – REsp: 1.641.038 CE 2016/0205813-6, relator: ministra Nancy Andrighi, data de julgamento: 06/11/2018, T3 – 3ª Turma, data de publicação: DJe 12/11/2018).
“Ação cominatória (obrigações de fazer e de não fazer), relacionadas com os limites previstos pela Lei 5.709/71 para a propriedade, por estrangeiros, de terras rurais no Brasil. Matéria que não se insere na competência das Câmaras de Direito Empresarial e, nem mesmo, na competência desta Corte. A Lei 5.709/1971, que “[r]egula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil”, destina-se à defesa do território brasileiro e à tutela da soberania nacional, conceitos maiores insertos na competência da União Federal (art. 21, I e II, da Constituição), ente ao qual incumbe zelar por nossos limites e nossa presença perante a comunidade das nações. Daí a competência da Justiça Federal, à qual cabe, na forma do art. 109, II e III, da Constituição, processar e julgar causas que se possam relacionar com Estados estrangeiros ou organismos internacionais, vale dizer, que digam com a soberania nacional. Tanto assim que o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), autarquia federal, editou a Instrução Normativa 88/2017, com expresso fundamento, declinado já em seu art. 1º, I e II, na Constituição (arts. 12, § 1º; 170, I, II e III; e 190), e na lei de que aqui se trata (nº 5.709/71). Essa instrução, como está em seu proêmio, “[d]ispõe sobre a aquisição e o arrendamento de imóvel rural por pessoa natural estrangeira residente no País, pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil e pessoa jurídica brasileira equiparada à estrangeira . .”. A celeuma que se põe acerca da composição do capital das empresas demandadas não atrai a competência do Tribunal, por suas Câmaras de Direito Empresarial: a discussão presta-se, deve ser enfrentada, unicamente para aferição de legitimidade de parte; não para julgamento dos pedidos formulados na petição inicial. Agravo de instrumento de que se não conhece, com determinação de remessa ao Tribunal Regional Federal da Terceira Região.” TJ-SP – AI: 22390825420228260000 SP 2239082-54.2022.8.26.0000, Relator: Cesar Ciampolini, data de julgamento: 15/02/2023, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, data de publicação: 07/03/2023).
O brasileiro não residente, portanto, não é caracterizado como estrangeiro propriamente dito pelo simples fato de residir fora do país, uma vez que não perdeu a nacionalidade brasileira. No entanto, mesmo assim, ele deve fornecer informações ao Banco Central ao realizar investimentos no Brasil, devido à incidência de normas fiscais tanto territoriais quanto extraterritoriais.
Entretanto, embora a norma jurídica e as obrigações legais sejam semelhantes às aplicadas aos estrangeiros, as limitações legais não são as mesmas para os brasileiros não residentes, uma vez que a legislação não proíbe expressamente a aquisição de imóveis rurais por eles. Se fosse o contrário, os brasileiros não residentes teriam sido tratados de forma equiparada aos estrangeiros, como ocorreu no §1º do artigo 1º da Lei 5.709/71, ou a expressão legal “não residentes no país” teria sido utilizada em vez de “estrangeiros”.
Como se vê, a jurisprudência destaca que a motivação legal é a proteção da soberania nacional e do território nacional, o que não está ameaçado quando da aquisição de imóvel rural por brasileiro, ainda que este exerça sua residência em outro país.
Nada impede o questionamento
No mais, a legislação específica sobre o tema trata expressamente da necessidade de autorização para a aquisição de imóvel rural por pessoa física ou jurídica estrangeira, a fim de preservar a soberania nacional e a defesa do território brasileiro, o que também não está em análise quando da aquisição de imóvel rural por brasileiro não residente, ainda que seu capital tenha se originado no exterior, posto que a situação jurídica de controle do imóvel rural permanece ao brasileiro nato.
Ainda que do ponto de vista da Constituição Federal não haja qualquer impedimento para a aquisição de imóvel rural por brasileiro não residente, nada impede o questionamento por autoridades reguladoras sobre tais operações.
Acredita-se que a exigência legal de autorização pelo Incra ou a restrição à aquisição de imóvel rural por brasileiro não residente difere substancialmente das proibições aplicadas aos estrangeiros. No entanto, é imprescindível aguardar o posicionamento do STF quanto à compatibilidade da Lei nº 5.709/71 com a Constituição de 1988. Dependendo do desfecho do julgamento, as questões e os riscos de contestações por parte das autoridades fiscais poderão ser totalmente esclarecidos.
Fonte: Conjur
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