O objetivo do contrato é demonstrar de forma expressa que não há o intuito de constituir família, requisito primordial para a caracterização da união estável
Um tema que tem ganhado destaque nos últimos anos diz respeito aos chamados “contratos de namoro”. Segundo dados do Colégio Notarial do Brasil, antes de 2015, era registrada uma quantidade ínfima desses contratos, não ultrapassando a quantidade de sete por ano. A partir daquele ano, observou-se um aumento significativo dessa quantidade, especialmente no período da pandemia.
O fenômeno surgiu em meados dos anos 2000 e ganhou notoriedade ao ser adotado por personalidades conhecidas no meio público, como fruto da tentativa de casais blindarem seu patrimônio pessoal, evitando a configuração de uma união estável. O contrato de namoro não está previsto em lei, é resultado de uma construção doutrinária e jurisprudencial para acompanhar as mudanças e atender às novas necessidades da sociedade.
O objetivo, conforme já adiantado, é demonstrar de forma expressa que não há o intuito (ao menos próximo) de constituir família, requisito primordial para a caracterização da união estável. Ainda, é comum que, por ser fruto da livre vontade das partes, o contrato de namoro verse sobre regras de convivência definidas pelo casal e até penalidades por seu descumprimento – desde que não haja violação à legislação em vigor –, como ocorre nos contratos de convivência.
A união estável é caracterizada por uma convivência pública, contínua e duradoura, ou seja, os companheiros vivem como se casados fossem, compartilhando uma vida em comum, e por essa razão esse vínculo gera, como consequência, direitos patrimoniais, especialmente no âmbito sucessório. O namoro (ou mesmo namoro qualificado, expressão recente que tem sido adotada), por sua vez, representa um relacionamento baseado na afetividade, mas que notoriamente não tem como fim principal a construção de uma família e, tampouco, comunicação do patrimônio, independentemente da coabitação ou existência de filhos.
Atualmente, no caso de ausência de estipulação do regime de bens, aplica-se a comunhão parcial (comunicação dos bens adquiridos após a união) tanto para a união estável, quanto para o casamento. Também é possível a escolha pela comunhão universal (comunicação de todos os bens, pretéritos e futuros, do casal), separação convencional (incomunicabilidade de todo o patrimônio, pretérito ou futuro) ou a raríssima participação final nos aquestos (comunicabilidade dos bens em comum, com compensação no caso de desequilíbrio), conforme a opção que melhor couber às partes.
Todavia, tramita no Congresso um anteprojeto de reforma do Código Civil que pretende atualizar a legislação e alterar algumas regras desse cenário, impactando os regimes de bens.
Dentre as mudanças propostas, passa-se a vedar a eficácia retroativa de pacto conjugal ou convivencial (aplicados para casamento e união estável, respectivamente), mas permitir que se convencione a alteração do regime de bens automática após determinado transcurso de tempo. Além disso, fica proibida a estipulação de qualquer cláusula que limite ou se mostre prejudicial à igualdade de direitos entre cônjuges e companheiros.
Encontra-se, ainda, a evidente tentativa de equiparar a união estável ao casamento, o que ainda encontrava entraves na jurisprudência. Ademais, revoga-se o regime de participação final dos aquestos, pouco utilizado na prática, em vista de sua complexidade.
Uma das principais alterações versa sobre o regime de separação de bens, à medida que – em consonância com o entendimento que já vinha sendo adotado pelos tribunais pátrios –, a despeito da incomunicabilidade, passar-se-ia a admitir a divisão dos bens quando comprovado o esforço comum do casal, respeitando a proporcionalidade da contribuição econômica de cada um para aquisição do patrimônio em discussão. No mesmo sentido, há previsão de reconhecimento do trabalho de cuidado da casa e da família, que dá direito a uma compensação pecuniária a ser fixada judicialmente.
Outro ponto importante diz respeito à possibilidade expressa de criação de um regime de bens atípico ou misto, tema que parte da doutrina há muito vinha pleiteando. Dessa forma, as partes poderiam compilar as regras dos regimes existentes de forma que atendam às suas necessidades, desde que não haja contrariedade à legislação vigente.
Mudança interessante também se verifica no âmbito das sucessões. Um dos pontos que leva à elaboração dos contratos de namoro é a ausência de qualquer direito sucessório por parte do namorado ou namorada. Na união estável e no casamento, no caso dos regimes de comunhão parcial, participação final nos aquestos e separação convencional, existe atualmente o direito à herança do cônjuge sobrevivente aos bens particulares do falecido, em concorrência com os descendentes.
No entanto, com a proposta de alteração da legislação civilista, tanto o companheiro, quanto o cônjuge, não constam mais no rol de herdeiros necessários, ficando atrás de ascendentes e descendentes na ordem sucessória. Ao mesmo tempo que as partes passam a ter mais autonomia para gerir seu patrimônio, arrisca-se deixar o companheiro ou cônjuge desamparado. É possível que parte do patrimônio seja destinado à subsistência do sobrevivente, desde que comprovada judicialmente a necessidade e somente até que se adquira renda suficiente ou nova relação conjugal.
Essas alterações, se forem aprovadas, podem reduzir o ritmo de crescimento dos contratos de namoro quando estes são feitos na tentativa de blindagem patrimonial, vez que às partes será possibilitada maior autonomia e flexibilidade na gestão dos seus bens. Por outro lado, pode existir prejuízo à parte privada da partilha patrimonial ou mesmo uma tentativa de mascarar relações estáveis na forma de namoro.
Fonte: Gazeta do Povo
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