Como se sabe, a legislação brasileira estabelece a necessidade de proteção especial para crianças, adolescentes e idosos, reconhecendo sua maior vulnerabilidade e, portanto, exigindo a proteção privilegiada de seus direitos e deveres. O artigo 229 da Constituição é expresso ao determinar que os pais têm o dever de assistir, criar e educar seus filhos, enquanto estes, posteriormente, devem ajudar e amparar os pais na velhice ou em caso de enfermidade.

 

No contexto jurídico brasileiro, a legislação não impõe a obrigatoriedade do afeto entre pais e filhos, mas enfatiza o dever de assistência e cuidado. Assim, embora, na prática, o afeto seja importante para o desenvolvimento saudável e equilibrado de vulneráveis, a sua ausência não resulta em sanções, pois o direito brasileiro prioriza o cumprimento dos deveres materiais de assistência e cuidado, sem interferir nas emoções subjetivas dos indivíduos.

 

Este entendimento, aliás, já foi reforçado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em algumas decisões, como a do Recurso Especial nº 1.159.242-SP, que teve como relatora a ministra Nancy Andrighi.

 

No julgamento, a relatora destacou, de início, que o cuidado é fundamental para a formação de adultos saudáveis, física e psicologicamente, capazes de viver em sociedade.

 

O foco, porém, está no dever biológico e constitucional de cuidar e prestar assistência, e não no amor, que acaba sendo muito subjetivo e, por isso, não pode ser imposto. Assim, a obrigação de cuidar dos filhos não está condicionada ao afeto que um pai possa sentir por eles, embora, idealmente ,as duas dimensões devessem coexistir.

 

Ato ilícito dos filhos

A decisão do STJ aplica-se também ao cuidado com idosos, ressaltando que o dever de amparo é recíproco. Dessa maneira, entende-se que os filhos que abandonam os pais idosos ou enfermos cometem ato ilícito, previsto nos artigos 186 e 927 do Código Civil.

 

No contexto dessa responsabilidade, está em análise, no Congresso, o Projeto de Lei 3.145/2015, que propõe alterar os artigos 1.962 e 1.963 do Código Civil, para incluir um novo inciso, permitindo a deserdação dos filhos em casos de abandono afetivo ou material dos pais na velhice ou em caso de enfermidade.

 

Outro projeto em tramitação é o PL 4.229/2019, que aborda o direito dos idosos à convivência familiar e comunitária, prevendo sanções para o abandono afetivo. Se aprovado, o projeto alterará o Estatuto da Pessoa Idosa, responsabilizando filhos que abandonam seus pais na velhice, enfermidade ou incapacidade.

 

A aprovação desses projetos reforçará o quanto já previsto no artigo 229 da Constituição, reiterando o dever de cuidado. Com essas mudanças, pais idosos poderão ter uma base legal ainda mais reforçada para reivindicar de seus filhos a reparação devida em caso de abandono afetivo ou material.

 

Nada obstante, como dito, o Judiciário brasileiro já tem reconhecido o direito dos idosos à reparação pelo abandono por parte de seus descendentes, entendimento este que poderia vir a ser consolidado com a aprovação dos projetos de lei mencionados, para o fim de garantir, em definitivo, a proteção integral aos mais vulneráveis.

 

Fonte: Conjur

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