A ministra Maria Thereza de Assis Moura encerrará nesta quinta-feira (22/8) seu biênio como presidente do Superior Tribunal de Justiça, período de afirmação institucional da corte que deu azo a transformações internas e externas.

 

Internamente, é um tribunal em renovação, com ministros recém-chegados e outros por chegar, em movimentação que alterou as dinâmicas internas — algo exemplificado pela mudança na forma de eleger o presidente.

 

Jurisdicionalmente, essas mudanças oxigenaram um tribunal que preza pela segurança jurídica, mas por vezes se vê às voltas com a própria jurisprudência e com os pontos de contato que tem com o Supremo Tribunal Federal.

 

A gestão de Maria Thereza manteve o esforço concentrado pela eficiência diante da sobrecarga existente no STJ — em 2023, a corte registrou 408,7 mil casos recebidos, um recorde. E a média de novos casos aumentou 13% no primeiro semestre deste ano.

 

Nesse cenário, o STJ faz o que pode. Desde janeiro, está devolvendo aos tribunais de apelação recursos que recebe fora dos padrões de preenchimento de dados — o que gera atraso na autuação, na distribuição e no julgamento. A medida deu resultados positivos.

 

A corte também prorrogou o acordo com a Advocacia-Geral da União responsável por encerrar mais de 21 milhões de ações e aderiu a um esforço interinstitucional para racionalizar e aprimorar o fluxo de execuções fiscais promovidas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

 

Depois de quatro recessos judiciais como plantonista, a ministra Maria Thereza propôs que somente casos com urgência sejam recebidos e analisados no período — hoje, todos passam por análise e têm decisão, mesmo que para negar o pedido.

 

O tribunal ainda analisa se deve ampliar seu sistema de julgamento virtual para abarcar todo e qualquer processo, uma proposta que tem potencial para alterar a produtividade, mas é tratada com cautela no tribunal.

 

Tudo isso o STJ fez ou pretende fazer. O que não está sob sua competência é a entrada em vigor do principal instrumento para racionalizar de vez o trabalho na corte: o filtro da relevância, criado pela Emenda Constitucional 125/2022.

 

Essa transformação depende de regulamentação por lei federal, o que ainda não ocorreu, apesar dos esforços dos ministros na interlocução com o Congresso e dos apelos públicos da presidência. Já há anteprojetos na mesa — um deles do próprio STJ, outro da OAB.

 

Externamente

Externamente, o tribunal de interpretação da lei federal que mais impacto causa na vida diária do cidadão comum passou quase ao largo da opinião pública, enquanto o alvo preferencial das campanhas pós-lavajatistas está na Praça dos Três Poderes.

 

Paralelamente, o STJ entrou nos planos mais esforçados do governo, especialmente em causas tributárias, em que por vezes o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, agiu para tentar sensibilizar os ministros, em meio à sua busca pelo ajuste fiscal.

 

Quando realmente esteve no olho do furacão, a corte foi quase consequencialista: entregou a homologação da sentença italiana que condenou o ex-jogador Robinho a nove anos de prisão por estupro e tomou a iniciativa de fixar regime inicial e determinar o cumprimento.

 

Poupado dos ataques de 8 de janeiro de 2023, o STJ participou dos esforços concentrados pela reafirmação da democracia no Brasil, exibindo um senso de união coerente com quem tem quatro de seus integrantes como membros do Tribunal Superior Eleitoral — dois titulares e dois substitutos.

 

No mesmo período, veio a calhar o fato de STJ e STF serem comandados por mulheres — as ministras Maria Thereza e Rosa Weber foram exaltadas e falaram publicamente em defesa de maior representatividade feminina, apesar de ela minguar nos dois tribunais.

 

No biênio de Maria Thereza na presidência, o STJ deu posse a cinco ministros, sendo quatro homens (Paulo Domingues e Messod Azulay, escolhidos por Jair Bolsonaro; Teodoro Silva Santos e Afrânio Vilela, escolhidos por Luiz Inácio Lula da Silva).

 

A culpa pela preferência masculina não foi dos presidentes da República, mas do próprio tribunal, que nas listas preparadas deu apenas uma mulher como opção: a advogada Daniela Teixeira, escolhida por Lula para ser ministra — a única mulher, aliás, na lista sêxtupla enviada ao STJ pela Ordem dos Advogados do Brasil.

 

No mesmo período, duas mulheres se aposentaram: as ministras Laurita Vaz e Assusete Magalhães. As vagas delas, destinadas a membros do Ministério Público e da Justiça Federal, estão abertas e ainda sem data para serem preenchidas.

 

Virou realmente rotina o STJ se submeter as campanhas para vagas de ministros, que não vêm livres de influências externas — há apadrinhados políticos, parlamentares com bom trânsito entre ministros e integrantes do Supremo sempre prontos para oferecer apoio a alguém.

 

Discrição permanente

Em meio a essas transformações internas e externas, Maria Thereza de Assis Moura encerra seu biênio como presidente do STJ com a imagem intacta. Discreta, manteve a rotina de não dar entrevistas e aparecer pouco.

 

Sua relação com a advocacia certamente não melhorou, por causa de alguns episódios. Um deles foi quando admitiu recurso ao STF contra a maior vitória da classe: o acórdão que proibiu honorários de sucumbência por equidade em causas de valor muito alto.

 

O Supremo decidiu que vai julgar a controvérsia. E o resultado é que nem o STJ está aplicando a tese no momento. O episódio rendeu nota do Conselho Federal da OAB e aumentou a fama da ministra de ser pouco atuante em causas relacionadas à advocacia.

 

Outro desencontro com os advogados ocorreu quando Maria Thereza, na função de presidente do Conselho da Justiça Federal, ao interpretar uma resolução interna, entendeu que os bancos não devem aceitar certidões emitidas pelo Sistema PJe para levantamento de precatórios ou RPVs.

 

Para a OAB, a decisão criou barreiras para o exercício pleno da advocacia e foi tomada com o pressuposto de irregularidade na atuação do profissional. A entidade recorreu ao CNJ, que suspendeu os efeitos da sentença em caráter liminar.

 

No biênio da ministra na presidência, uma promessa cumprida foi a de aumentar o intercâmbio com tribunais e entidades internacionais. O STJ recebeu sessões da Corte Interamericana de Direitos Humanos e reunião da Cúpula Judicial Iberoamericana, entre outros eventos.

 

“Como servidora do STJ, sinto-me, especialmente honrada por ter feito parte dessas conquistas. Somos todos, simultaneamente, personagens e estemunhas de uma história que se constrói a cada dia. O Tribunal da Cidadania encerra mais um ciclo com a certeza de estar preparado, em todos os aspectos, para enfrentar os desafios futuros e continuar a ampliar seus horizontes em benefício da sociedade”, disse, no documento de balanço de gestão distribuído aos colegas.

 

Apesar de seu histórico ligado ao Direito Criminal e de ser uma jurista frequentemente citada em votos e petições da 3ª Seção, que sempre ocupou no STJ, Maria Thereza passará a integrar a 1ª Seção e a 2ª Turma da corte, que julgam temas de Direito Público.

 

A escolha, noticiada pelo portal Jota, foi confirmada pelo ministro Herman Benjamin, que anunciou a magistrada como sua substituta nesses colegiados — ele assumirá a presidência do tribunal nesta quinta.

 

Fonte: Conjur

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