Recentemente o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) acolheu pedido formulado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) para ampliar as hipóteses em que é admissível a realização de inventários, partilhas, divórcios e dissoluções de uniões estáveis pela via extrajudicial, alterando a Resolução 35/2007 do CNJ por meio da Resolução 571/2024.
O fenômeno da desjudicialização é uma tendência reconhecidamente global e tem assento na Constituição de 1988 como instrumento de democratização e acesso à Justiça. Apesar de a realização de divórcios, inventários e partilhas ser possível pela via extrajudicial há quase duas décadas, os requisitos legais exigidos até o momento para que as famílias pudessem solucionar situações patrimoniais sem recorrer ao Judiciário tornavam a via extrajudicial, por vezes, restrita.
A inviabilidade da via administrativa, em determinados casos, em muito se dava pela necessidade de que todos os interessados fossem maiores e capazes, o que significaria dizer que o casal, nas hipóteses de divórcio e dissolução de união estável, não tivesse filhos menores, e, nos casos de inventário, o falecido não tivesse deixado herdeiros incapazes ou testamento. Porém, para além de requisitos legais restritivos, não raro o custo de realização do inventário extrajudicial também se apresentava como fator impeditivo às famílias menos abastadas.
Uma família de classe média que não goze de gratuidade dos atos notariais ou isenção do Imposto de Transmissão Causa Mortis e, concomitantemente, não possua liquidez suficiente para o pagamento das despesas inerentes ao inventário, pode se ver impedida de acessar a via administrativa. Nesses casos, a solução seria recorrer à via judicial, por absoluta falta de recursos financeiros, para que algum bem móvel ou imóvel pertencente ao espólio fosse alienado, mediante autorização judicial.
Apesar de a rigidez dos requisitos legais e necessidade de alvará judicial para alienação de bens do espólio serem objetos de flexibilização por disposições constantes dos códigos de normas da corregedoria geral de alguns tribunais estaduais, a medida não alcançava a todos.
Motivo para comemoração
Assim, a decisão do CNJ que resultou na Resolução 571/2024, dando nova redação à Resolução 35/2007 que disciplina a lavratura dos atos notariais relacionados a inventário, partilha, separação consensual, divórcio consensual e extinção consensual de união estável por via administrativa deve ser festejada. Em resumo, as alterações estabelecidas flexibilizam os requisitos exigidos para a adoção da via extrajudicial, ampliando suas hipóteses de cabimento, além de alargar o rol de interessados que poderão se se utilizar do procedimento.
De plano, é indispensável que as partes envolvidas sejam concordes quanto aos termos do divórcio, dissolução de união estável, inventário ou partilha, de acordo com a hipótese fática, devendo, portanto, existir absoluto consenso. Em havendo conflito, em nenhuma hipótese caberá a adoção da via administrativa.
Nos termos da nova redação da Resolução nº 35 do CNJ, nos casos em que o falecido deixar testamento, a partilha poderá ser feita por escritura pública, mas dependerá de prévia homologação judicial do testamento.
Quanto ao rol de interessados, a admissibilidade de realização de divórcios, dissolução de uniões estáveis e inventários com filhos menores, meeiro e/ou herdeiros menores ou curatelados promove enorme impacto positivo no sistema de justiça, ao afastar do Poder Judiciário milhares de procedimentos consensuais. Essa realidade por certo também incentiva muitas famílias a buscarem consenso, na expectativa de solucionar mais brevemente a questão.
Todavia, torna-se latente a inquietação social quanto à efetiva proteção dos interesses de pessoas menores ou curateladas.
Em relação aos divórcios e dissoluções de uniões estáveis, os riscos são ínfimos, na medida em que mesmo quando realizados por escritura pública, as questões relativas aos filhos menores, tais como guarda, convivência e alimentos, seguem sendo submetidas à homologação judicial, com a respectiva oitiva do Ministério Público, ainda que consensuais.
A possibilidade de realização de inventário extrajudicial com herdeiros incapazes já vinha sendo contemplada pelas corregedorias de alguns estados, assegurando que herdeiros menores ou incapazes também se beneficiassem da celeridade da via administrativa. Em paralelo, a necessária segurança jurídica na proteção dos interesses de pessoas vulneráveis será provida a partir de medidas que resguardem que a partilha consensual não seja efetivada em detrimento de seus interesses.
Uso da escritura pública
Uniformizando os procedimentos a serem adotados, o artigo 12-A da Resolução nº 35/2007, incluído pela Resolução 571/2024 passa a permitir que o inventário ou partilha seja realizado por escritura pública ainda que inclua interessado menor ou incapaz, desde que o pagamento de seu quinhão ou meação ocorra em parte ideal em cada um dos bens inventariados e haja manifestação favorável do Ministério Público.
Por fim, entre outras disposições, as mudanças incorporadas à Resolução 35 do CNJ tornam o acesso ao procedimento extrajudicial mais democrático, na medida em que viabilizam que o patrimônio deixado pelo falecido seja empregado no pagamento de despesas e impostos, sem a necessidade de recorrer ao judiciário, desde que observadas certas cautelas.
As mudanças implementadas pelo CNJ possibilitarão que o Judiciário se ocupe efetivamente das causas em que sua participação é indispensável, além de assegurar aos herdeiros melhor gestão dos recursos deixados pelo falecido, promovendo efetiva função social do direito de herança, de modo que seus beneficiários usufruam dos bens deixados por seus familiares, sem que o processo em si se torne o algoz da família.
Fonte: Conjur
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