A reforma tributária introduzida pela EC 132/23, trouxe marcantes reflexos na tributação sobre herança e doação, que influenciarão diretamente na arquitetura e custos do planejamento sucessório

 

A reforma tributária, implementada pela EC) 132/23, publicada em 21/12/23, não trouxe apenas significativas alterações na tributação de consumo, mas também impactos na tributação sobre o patrimônio (ITCMD – Imposto Transmissão causa mortis e doação), seja em vida (doação) ou pós-morte (herança), o que, necessariamente, trará impactos no planejamento sucessório.

 

A CF/88 é a “mãe” que dita as regras de competência tributária e dos limites ao poder de tributar. Por essa razão, as alterações trazidas pela reforma tributária, que impactaram diretamente na “regra do jogo”, vieram por meio de uma EC, que nada mais é do que uma modificação imposta à parte do texto constitucional.

 

Nesse aspecto, o ITCMD é estabelecido na Constituição como sendo de competência estadual. Ou seja, compete a cada estado regulamentar o procedimento de tributação e sua arrecadação, que incide quando há doação, seja de bem móvel ou imóvel, ou quando há transmissão de patrimônio pela morte.

 

Ultrapassada esta breve consideração sobre os ditames constitucionais, passa-se às principais alterações trazidas pela EC 132/23, especialmente quanto ao ITCMD e seus impactos sobre herança e doação.

 

Progressividade da alíquota de ITCMD: Alteração trazida pelo art. 1. da EC 132/23, que modificou o art. 155, §1., da CF/88, com a inclusão do inciso “VI”

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

 

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

 

  • 1º O imposto previsto no inciso I:

 

VI – será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação”; (GRIFO NOSSO)

 

Pela resolução do Senado 9, vigora desde 06/05/92 a alíquota máxima de ITCMD, qual seja 8%, sendo que o Senado autorizou que os estados fixassem a alíquota que melhor lhes conviesse, desde que limitada a 8%, podendo ser progressiva ou não, de acordo com o montante (herdado ou doado) recebido.

 

Com a reforma tributária, o ITCMD necessariamente terá se ser progressivo. Ou seja, os estados que ainda não aplicam a progressividade da alíquota, terão obrigatoriamente de adotá-la (de 1% a 8%).

 

E o que isso significa? Significa que haverá faixas de valores e para cada faixa de valor será aplicada uma alíquota diferente. Ou seja, quanto mais alto o valor da doação ou do quinhão/legado recebido de herança, maior será a alíquota a ser aplicada, até o limite de 8%.

 

No entanto, esta progressividade de alíquota não é automática, e depende de regulamentação dos estados, por aprovação de lei estadual, a tramitar nas respectivas Assembleias Legislativas.

 

Em cerca de 10 estados ainda se aplica alíquota fixa, como por exemplo: São Paulo (4%), Minas Gerais (5%), Espírito Santo (4%), Paraná (4%), Mato Grosso do Sul (3% na doação e 6% causa mortis), Alagoas (2% na doação e 4% causa mortis), Amazonas (2%), Amapá (3% na doação e 4% causa mortis), Rio Grande do Norte (3%) e Roraima (3% na doação e 4% causa mortis).

 

Por isso, nesses estados, há uma corrida dos contribuintes para viabilizar planejamento sucessório, principalmente em doações, para se aproveitar a alíquota fixa.

 

No estado de São Paulo, por exemplo, já está em tramitação na ALESP – Assembleia Legislativa o PL 7/24, que altera a legislação estadual (10.705/00) para implementar a alíquota progressiva de 2% a 8%, cuja proposição original já foi aprovada pela Comissão de Constituição, justiça e redação, e seguirá os trâmites legislativos rumo à consolidação da aprovação.

 

E, nesse sentido, para as alterações das leis estaduais aprovadas ainda este ano (2024), a progressividade só produzirá efeitos a partir de 2025, visto ser necessário obedecer a princípios tributários, como a aplicação no exercício seguinte à publicação da lei (princípio da anterioridade), respeitados também os 90 dias da publicação (princípio da anterioridade nonagesimal).

 

Sobre essa pauta, cabe destacar que há comentários e notícias não verídicas circulando em redes e mídias sociais, afirmando que a alíquota do ITCMD aumentará para 30%. É importante alertar que está vigente a alíquota máxima de 8%, e que existe um projeto de resolução do Senado (57/19), de autoria do senador Cid Gomes, propondo o aumento da alíquota para 16%. Entretanto, trata-se de projeto com tramitação adormecida (aguardando designação de relator desde 2023). Assim, toda cautela é pouca sobre o que é veiculado pelas mídias e o que verdadeiramente devemos absorver.

 

  1. Progressividade da alíquota de ITCMD por quinhão, legado ou doação: Alteração trazida pelo art. 1. da EC 132/23, que modificou o art. 155, §1., da CF/88, com a inclusão do inciso “VI”

 

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

 

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

 

  • 1º O imposto previsto no inciso I:

 

VI – será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação”; (GRIFO NOSSO)

 

Em alguns estados, como por exemplo, o Rio de Janeiro, que já pratica a progressividade de alíquota (de 4% a 8%) desde 2015, a alíquota incide sobre o monte total a ser partilhado e não sobre o quinhão a ser recebido por cada herdeiro/legatário. Agora, obrigatoriamente, isso terá de mudar. Isto é: a alíquota de ITCMD a ser aplicada deverá ter como base de cálculo o quinhão a ser partilhado para cada herdeiro, individualmente, e não sobre o patrimônio total.

 

Como exemplo: suponhamos um monte total a ser partilhado de R$ 2.000.000,00, em que cada herdeiro receba R$ 1.000.000,00. A alíquota a ser aplicada é sobre a base de R$ 1.000.000,00 a cada herdeiro e não sobre R$ 2.000.000,00.

 

Portanto, todo estado que não adota a aplicação da alíquota em razão do quinhão, do legado ou da doação, terá de adequar sua respectiva legislação estadual para tanto. Tal impacto trazido pela reforma tributária irá amenizar o bolso do contribuinte, de forma justa, que passará a arcar com o imposto sobre o que efetivamente receber de herança, legado ou doação.

 

  1. Local de tributação para bens móveis: Alteração trazida no art. 1. da EC 132/23, que modificou o art. 155, §1., da CF/88, com a alteração do inciso II

 

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

 

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

 

(…)

 

1º O imposto previsto no inciso I:

(…)

 

II – relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde era domiciliado o de cujus, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal”; (GRIFO NOSSO)

 

Primeiramente, cabe destacar que, para o procedimento de inventário judicial, não houve nenhum impacto pela reforma tributária. Ou seja, o inventário judicial continua a ser processado no domicílio do falecido. E, nesse caso, a tributação de bens móveis continua se dando em favor do estado onde está sendo processado o inventário judicial.

 

Também, a tributação de bens imóveis, seja no inventário judicial, extrajudicial ou na doação, sempre coube ao estado de localização do bem. E isso continua.

 

De outro lado, nos casos de procedimento por inventário extrajudicial onde houvesse bens móveis, a competência para arrecadação do ITCMD cabia ao estado onde se processava o inventário extrajudicial. Então, os herdeiros poderiam se planejar e escolher onde fazer a escritura de inventário extrajudicial, cujo estado tivesse uma alíquota menor (se houvesse bens imóveis e móveis, recolhia-se o ITCMD dos bens imóveis em favor do estado onde esses se localizavam e recolhia-se o ITCMD dos bens móveis em favor do estado escolhido para a lavratura da escritura pública de inventário e partilha extrajudicial). Agora, em caso de bens móveis, o imposto necessariamente compete ao estado do domicílio do falecido, independentemente do estado onde será lavrada a escritura de inventário extrajudicial.

 

E, vale sugerir especial atenção para esta alteração, uma vez que, conforme o art. 17 da EC 132, referida regra passará a valer para as sucessões abertas a partir da data de publicação da EC, ou seja, falecimentos a partir de 21/12/23.

 

“Art. 17.A alteração do art. 155, § 1º, II, da Constituição Federal, promovida pelo art. 1º desta EC, aplica-se às sucessões abertas a partir da data de publicação desta Emenda Constitucional”. (GRIFO NOSSO)

 

4.COBRANÇA DE ITCMD QUANDO O DOADOR RESIDE NO EXTERIOR E/OU QUANDO O FALECIDO TINHA BENS NO EXTERIOR OU, AO TEMPO DA MORTE, ERA RESIDENTE/DOMICILIADO NO EXTERIOR: alteração trazida pelo art. 16 da EC 132/23, que regulamentou provisoriamente o art. 155, §1., III, da CF/88

 

A maior parte dos estados cobravam ITCMD sobre herança e doação proveniente do exterior. No entanto, em 2021, o STF decidiu pela vedação dessa cobrança, enquanto não fosse instituída por lei complementar, tendo em vista o que prevê a própria CF/88, em seu art. 155, §1., III. O STF, pois, declarou inconstitucional as leis estaduais que assim dispunham. É o que ordena o tema 825 (RE 851108):

 

“É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.

 

Ainda, em 2022, o STF, por meio da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) n. 67, estabeleceu o prazo de 12 meses para que o Congresso Nacional editasse lei complementar nesse sentido, que, até o presente momento, não foi viabilizada [(ADO 67, Relator(a): DIAS TOFFOLI, tribunal pleno, julgado em 06-06-22, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-126 DIVULG 28-06-22 PUBLIC 29-06-22)].

 

Ou seja, após a decisão de inconstitucionalidade do STF, os estados continuam impedidos de cobrar ITCMD sobre herança e doação de bens ou pessoas no exterior.

 

Com a reforma tributária, houve a manutenção da necessidade de instituir referida cobrança por meio de lei complementar. Entretanto, a própria EC previu, de forma provisória, que, enquanto não instituída lei complementar, será aplicado regramento mínimo, nos seguintes casos:

 

“Art.16 16. Até que lei complementar regule o disposto no art. 155, § 1º, III, da CF/88, o imposto incidente nas hipóteses de que trata o referido dispositivo competirá (GRIFO NOSSO):

 

I – relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal;

 

II – se o doador tiver domicílio ou residência no exterior:

 

ao Estado onde tiver domicílio o donatário ou ao Distrito Federal;

se o donatário tiver domicílio ou residir no exterior, ao Estado em que se encontrar o bem ou ao Distrito Federal;

III – relativamente aos bens do de cujus, ainda que situados no exterior, ao Estado onde era domiciliado, ou, se domiciliado ou residente no exterior, onde tiver domicílio o sucessor ou legatário, ou ao Distrito Federal”.

 

A questão controvertida é: será que os estados já podem cobrar, de forma imediata, o ITCMD?

 

Apesar de se ter a discussão de que o art. 16 dotaria de eficácia plena e aplicação imediata, não podemos perder de vista que mencionado artigo dispõe apenas sobre qual ente federativo/local terá a competência para cobrar o ITCMD incidente sobre heranças e doações envolvendo bens ou pessoas localizados no exterior.

 

Isto é. O art. 16 tem eficácia imediata naquilo em que ele mesmo delimita: Competência para cobrar o ITCMD, restando, portanto, aos estados legislarem para regulamentar tal exação.

 

Ademais, vejamos. Quando uma lei estadual, que produzia seus efeitos, é declarada inconstitucional, por mudança de entendimento de interpretação, essa lei é tida como nula, não podendo, caso ocorra nova alteração de interpretação constitucional, ser reavivada ou saneada automaticamente. Isso porque, no ordenamento jurídico brasileiro, não é admitido o fenômeno da “constitucionalidade superveniente”, dado o próprio posicionamento do STF [(RE 346084, relator(a): ILMAR GALVÃO, relator(a) p/ acórdão: MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09-11-05, DJ 01-09-06 PP-00019 EMENT VOL-02245-06 PP-01170) e (RE 346084, relator(a): ILMAR GALVÃO, relator(a) p/ acórdão: MARCO AURÉLIO, tribunal pleno, julgado em 09-11-05, DJ 01-09-06 PP-00019 EMENT VOL-02245-06 PP-01170)].

 

Nesse sentido, deduz-se que as leis estaduais que previam tal cobrança continuam inconstitucionais, não podendo, pois, serem reaplicadas automaticamente; necessitando de novo processo legislativo para tanto.

 

Assim, pode-se considerar que, mesmo tendo eficácia imediata, a aplicabilidade do art. 16 da EC 132/2023, até que sobrevenha lei complementar, estaria condicionada à manifestação dos estados, por meio de processo legislativo estadual, devendo ainda respeitar o exercício seguinte à publicação e o princípio da anterioridade nonagesimal. Todavia, é de se ponderar se referido entendimento realmente vai ao encontro das reais intenções da proposição deste artigo. Pois, é ao menos intrigante haver esta previsão, em que a própria Emenda Constitucional previu, de forma provisória, regramento mínimo, e agora ter de condicionar sua aplicabilidade à regulamentação pelos estados.

 

Adicionalmente, cabe destacar que a recente reforma tributária, iniciada pela EC 132/23, espera por sua segunda fase de regulamentação, por meio do PLP 108/24, que está em tramitação no Congresso Nacional, já aprovada pela Câmara dos Deputados (em 13/08/24), seguindo agora para a análise do Senado. Referido PLP também aborda questões impactantes no ITCMD, voltando, mais uma vez, os olhos diretamente ao planejamento sucessório. De forma sucinta, são algumas das preponderantes mudanças projetadas: (i) alargamento da base de cálculo do ITCMD, no que se refere à transferência de quotas ou participações empresariais, considerando valor de mercado dos bens integralizados (valoração dos ativos), o que, por sua vez, impactará na desfeita ao valor contábil do patrimônio líquido; (ii) tributação de distribuição desproporcional de dividendos sem justificativa negocial, que será tida como doação; (iii) tributação do VGBL, se o resgate for inferior ao período de 5 anos do aporte; (iv) tributação de ativos do exterior; e (v) tributação de “grandes patrimônios” com aplicação de alíquota máxima.

 

Diante do presentemente analisado, a reforma tributária pela EC 132/23 realmente trouxe relevantes transformações e reflexos na tributação sobre herança e doação (ITCMD), no que tange à alíquota (progressividade), à base de cálculo (por quinhão, legado ou doação), à competência para tributação de bens móveis (compete ao estado onde era domiciliado o de cujus, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal), e à previsão, de forma provisória, da competência para cobrar o ITCMD incidente sobre heranças e doações envolvendo bens ou pessoas localizados no exterior.

 

Suplementarmente, a reforma aguarda por sua segunda fase, por meio do PLP 108/24, que também estende impactos cruciais no ITCMD, que influenciarão diretamente na arquitetura e custos do planejamento sucessório. Tais alterações implicam diretamente na maratona dos contribuintes, não só na busca por executar planejamento sucessório ainda este ano, a fim de aproveitar alíquotas fixas e a não incidência de imposto sobre herança e doação no exterior, até que sejam aprovadas as respectivas legislações estaduais; como também na revisão de planejamentos sucessórios já realizados e no desenvolvimento de estratégias para melhor alcançá-los.

 

Fonte: Migalhas

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