A instrução normativa 08/24 do ibama impõe requisitos excessivos para a suspensão de embargos, desrespeitando normas federais e gerando insegurança jurídica

A instrução normativa 08/24 IBAMA, que disciplina os procedimentos aplicáveis a pedidos de cessação de efeitos de medidas de embargo, foi editada em 25 de março deste ano, determinando que esses requerimentos sejam instruídos por documentação hábil a comprovar a regularidade plena do imóvel rural, quais sejam:

 

  • Certificado de inscrição do imóvel rural no CAR – Cadastro Ambiental Rural, aprovado pelo órgão ambiental competente.
  • Licença ou autorização ambiental válida, relativa a obras e atividades sujeitas a licenciamento (mesmo que não seja objeto da autuação que fundamentou a autuação);
  • Caso existente, termo de compromisso ou instrumento similar estabelecido com o órgão competente, com eficácia de título executivo extrajudicial, que tenha como objeto obrigação relativa à reparação de danos ambientais;
  • Termo de compromisso de adesão ao PRA – Programa de Regularização Ambiental estabelecido com o órgão competente;
  • Termo de compromisso de regularização da área de reserva legal, nas hipóteses dispensadas pelo Código Florestal de celebração de PRA;
  • Comprovante, emitido pelo órgão competente, de efetivação da reposição florestal obrigatória;
  • Certificado de Regularidade perante o CTF APP – Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras e Utilizadoras de Recursos Ambientais.

Ocorre que a exigência de comprovar a regularidade plena do imóvel estabelecida no art. 4º da instrução afronta disposições da LC 140/11, da lei 12.651/12, do decreto 7.830/12 e do decreto 6.514/08.

 

A finalidade da penalidade de embargo, nos termos do que o art. 15 do decreto 6.514/08 estabelece, é impedir a continuidade do dano ambiental, proporcionando a regeneração do meio ambiente.

 

Por sua vez, o art. 15-B determina que o requisito necessário para suspender a referida penalidade é a apresentação ao IBAMA de documentação que evidencie regularização da atividade que motivou a imposição da penalidade.

 

Daí que, nos termos do art. 15-B do decreto 6.514/08, o requisito apto a afastar a penalidade de embargo é a apresentação do documento que comprove a regularização da conduta que motivou a imposição da penalidade de embargo.

 

No entanto, a IN 08/24, em total afronta ao decreto Federal em questão, entendeu por bem condicionar a cessação dos efeitos da penalidade à “regularidade plena do empreendimento”. Esse feito não pode ser interpretado meramente como uma regulamentação mais protetiva ao meio ambiente – o que é permitido em nosso sistema -, mas sim como uma afronta ao princípio de hierarquia das normas.

 

Não se pode admitir que norma infralegal e hierarquicamente inferior modifique as determinações de um decreto Federal. É necessário que as normas do sistema jurídico estejam em consonância e harmonia sob pena de causar insegurança jurídica e violações graves ao direito alheio.

 

É justamente em atenção ao referido princípio que a própria IN IBAMA 08/24 estabelece que a análise da cessão dos efeitos dos embargos deve respeitar o previsto no decreto Federal 6.514/08. Nesse aspecto, para a Instrução ser juridicamente válida, não poderia exigir a regularidade plena do imóvel rural, mas sim a regularização da infração cometida. As exigências do art. 4º não poderiam ser aplicadas de forma cumulativa, devendo ser consideradas apenas um rol exemplificativo das documentações a serem exigidas caso a caso.

 

Afronta à lei 140/11

 

Para além da afronta ao princípio da hierarquia das leis, ao vincular a regularidade plena do imóvel rural a uma série de matérias que são de competência de outros entes federativos e estão sujeitos à própria legislação, há uma violação à LC 140/11.

 

A lei determina que a fiscalização da regularidade ambiental de um determinado empreendimento, compete ao órgão responsável por seu licenciamento ou autorização (art. 17).

 

Nesse aspecto, o IBAMA possui a competência de exercer o controle e fiscalização apenas de determinadas atividades de interesse da União, de acordo com o art. 7º desta LC e do decreto Federal 8.437/15.

 

Portanto, o IBAMA apenas é competente para verificar a regularidade plena de empreendimentos com licenciamento sob sua responsabilidade ou em caráter supletivo/ subsidiário. Contudo, a atuação em caráter de exceção também precisa atender aos requisitos previstos na LC 140/11, podendo apenas ser exercido em caráter subsidiário ou supletivo.

 

Além disso, nos termos de decisão proferida pelo STF (ADIn 4757), o art. 17, §3º da LC 140/11 deve ser interpretado em consonância com a CF/88, ou seja, é possível a atuação supletiva de outro ente da federação, mas apenas quando houver omissão do órgão licenciador.

 

Os documentos requeridos nos incisos II, III, V e VI da IN 08/24, se não estiverem diretamente relacionados com a regularização da infração ora imputada, ferem as atribuições legais de competência, porque o IBAMA age de forma substitutiva ao órgão ambiental competente, sem qualquer justificativa legal.

 

Daí que, ao assim proceder, a IN 08/24 permite que o IBAMA adentre na competência do órgão licenciador, sem qualquer respaldo legal que o autorize.

 

Afronta ao decreto 7830/12

 

Por fim, mesmo que se admita uma interpretação meramente exemplificativa do rol de exigências do art. 4º da IN IBAMA 08/24, os incisos I, IV e V representam uma nítida violação às disposições do Código Florestal e do decreto 7830/12, já que a suspensão do embargo não pode ser condicionado a apresentação desses documentos.

 

A instrução normativa do IBAMA, ao impor a apresentação de Cadastro Ambiental Rural aprovado como condição para demonstração da regularidade do Imóvel, afronta o §3 do art. 29 da lei 12.651/12 e o § 2º do art. 7º do decreto 7830/12.

 

Isso porque é a inscrição no sistema do CAR e não sua aprovação o documento hábil para evidenciar a regularidade do empreendimento nos termos do Código Florestal, seu decreto regulamentador e da jurisprudência pátria. Nem poderia ser diferente, pois a aprovação do CAR não depende do proprietário rural, mas do Poder Público.

 

Este entendimento é, inclusive, pacificado pelos tribunais, não cabendo a exigência de CAR aprovado para se afastar a penalidade de embargo.

 

Nesse aspecto, é necessário reforçar que, desde 2012, há diversos entraves técnicos e legais para a aprovação do CAR no país. Inclusive, o próprio Ministério da Agricultura emitiu uma nota informando que, até o dia 26/1/24, menos de 1% dos cerca de 7 milhões de CAR entregues foram analisados e validados em todo o Brasil1.

 

Ou seja, a aprovação do CAR não é de gerência do proprietário ou possuidor rural, nem representa irregularidades em seus imóveis e/ou em seus empreendimentos. A ausência de CAR aprovado é uma questão nacional e de responsabilidade única e exclusiva da Administração Pública.

 

No mais, as exigências do inciso IV e V do art. 4º da IN 08/24 estão diretamente relacionadas à aprovação do CAR e os processos locais de regularização de eventuais irregularidades.

 

Portanto, essas condições imposta pela IN 08/24, para afastar a penalidade de embargo, fere a lei 12.651/12, seu decreto regulamentador e o posicionamento da jurisprudência pátria.

 

Isso porque, é importante ressaltar, é consolidado o entendimento de que a mera inscrição no CAR é suficiente para demonstrar o cumprimento das obrigações ambientais e o órgão Federal não pode invadir a competência dos órgãos estaduais no processo de análise e verificação do CAR, nem na assinatura do termo de compromisso de adesão ao PRA – Programa de Regularização Ambiental ou outros termos de regularização de reserva legal.

 

Fica evidente que a IN IBAMA 08/24 tem muitos vícios jurídicos insanáveis. A sua aplicação causa insegurança jurídica e violações graves aos direitos de terceiros e da própria Administração Pública.

 

Fonte: Migalhas

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