A urbanização desordenada das últimas décadas evidenciou a necessidade da Regularização Fundiária Urbana (Reurb) como ferramenta de integração de núcleos urbanos informais.
A aplicação da Reurb suscita discussões sobre a responsabilização dos agentes causadores de parcelamentos irregulares, destacando a importância de equilibrar justiça social e desenvolvimento urbano sustentável sem prescindir da responsabilidade legal.
A regularização fundiária deve ser compreendida como mecanismo de inclusão social e reafirmação da legalidade urbanística.
Panorama e papel da Reurb como instrumento eficaz de gestão territorial urbana
A Regularização Fundiária Urbana (Reurb), estabelecida pela Lei nº 13.465/2017, é um instrumento crucial na gestão territorial urbana brasileira. A legislação define normas e procedimentos para integrar núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial, abrangendo medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais. Seu objetivo é corrigir distorções históricas na ocupação do solo, promovendo uma abordagem holística que combina sustentabilidade econômica, social e ambiental com ordenação territorial eficiente.
Os objetivos da Reurb, delineados no artigo 10 da lei, são abrangentes e visam a transformar a paisagem urbana brasileira de forma inclusiva e sustentável. Entre os principais objetivos estão a identificação e organização dos núcleos urbanos informais, garantindo a prestação de serviços públicos e melhorando as condições urbanísticas e ambientais dessas áreas. A criação de unidades imobiliárias compatíveis com o ordenamento territorial urbano e a constituição de direitos reais em favor dos ocupantes são passos cruciais para a formalização dessas áreas.
Conforme elucida Macedo (2022, p.70/71):
Para que a regularização seja completa e bem-sucedida, faz-se necessário enfrentar as dimensões urbanística, ambiental, jurídica, social e, não menos importante, a registral. Pouco adianta trazer para o sistema formal e regular imóveis que não são dotados de infraestrutura básica, implantados em áreas de risco, sem equipamentos públicos e de difícil acesso[1].
A Reurb também busca ampliar o acesso à cidade urbanizada para a população, priorizando a permanência dos ocupantes nos núcleos regularizados. Isso é essencial para promover a integração social e a geração de emprego e renda, fortalecendo a coesão social e melhorando a qualidade de vida nas cidades. Além disso, a lei incentiva a resolução extrajudicial de conflitos, promovendo a consensualidade e a cooperação entre o Estado e a sociedade.
Outro objetivo fundamental da Reurb é garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas, assegurando a efetivação da função social da propriedade. A lei visa ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, garantindo o bem-estar de seus habitantes e concretizando o princípio constitucional da eficiência na ocupação e uso do solo.
A prevenção e o desestímulo à formação de novos núcleos urbanos informais são também metas cruciais da Reurb. A lei busca evitar a repetição de erros passados, estabelecendo um marco regulatório que promova o desenvolvimento urbano ordenado e sustentável. Além disso, a concessão de direitos reais, preferencialmente em nome da mulher, reflete um compromisso com a igualdade de gênero.
A Regularização Fundiária Urbana (Reurb), estabelecida pela Lei nº 13.465/17, é um instrumento de gestão territorial que promove a integração de núcleos urbanos informais ao tecido urbano formal. Enfatiza a participação dos interessados, garantindo transparência e inclusão nas decisões, o que reforça a democratização da gestão urbana. Seu objetivo é promover justiça social, sustentabilidade e desenvolvimento urbano eficiente, com potencial para transformar a realidade das cidades brasileiras de forma inclusiva e ordenada.
O parcelamento irregular do solo: uma breve consideração
O parcelamento irregular do solo é uma prática que ocorre quando terrenos são divididos e comercializados sem a observância das normas legais estabelecidas, especialmente as previstas na Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, conhecida como a Lei de Parcelamento do Solo Urbano.
Esta legislação estabelece os requisitos para o parcelamento do solo em áreas urbanas, visando a garantir que tais divisões atendam aos critérios de infraestrutura, uso do solo e preservação ambiental, de modo a assegurar a qualidade de vida dos futuros ocupantes e a sustentabilidade das cidades.
De acordo com a Lei nº 6.766/79, o parcelamento do solo para fins urbanos pode ocorrer na forma de loteamento ou desmembramento. O loteamento é a subdivisão de glebas em lotes destinados à edificação, com a abertura de novas vias de circulação, enquanto o desmembramento é a subdivisão de glebas em lotes sem a abertura de vias. Ambos os processos devem atender a exigências específicas de infraestrutura, como redes de água, esgoto, energia elétrica, e vias públicas, além de respeitar as diretrizes do plano diretor municipal.
Quando o parcelamento do solo é realizado de forma irregular, sem a devida autorização dos órgãos competentes ou sem o cumprimento das exigências legais, diversas sanções podem ser aplicadas. A Lei nº 6.766/79 prevê penalidades que incluem a suspensão da comercialização dos lotes, multas, e a obrigação de reparar danos causados ao meio ambiente e à infraestrutura urbana. Em casos mais graves, pode haver a demolição de construções irregulares e a recuperação das áreas afetadas.
Além das sanções administrativas, o parcelamento irregular do solo pode acarretar responsabilidade civil. A Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública, permite que o Ministério Público, os entes federativos, associações civis e outros legitimados proponham ações judiciais para a defesa de interesses difusos e coletivos, como o meio ambiente e o ordenamento urbano. Essas ações podem resultar em condenações para reparar danos causados pelo parcelamento irregular, além de obrigar os responsáveis a regularizar a situação.
A responsabilidade administrativa no combate ao parcelamento irregular do solo é exercida por órgãos urbanísticos e ambientais, especialmente municipais, que fiscalizam e aplicam sanções como multas, embargos de obras e medidas corretivas. A Lei nº 6.766/79 estabelece normas para prevenir e corrigir irregularidades, visando a um desenvolvimento urbano sustentável. A atuação conjunta de órgãos administrativos, Ministério Público e sociedade civil é essencial para garantir o cumprimento das normas e proteger os interesses coletivos.
A necessária legalização do núcleo urbano informal consolidado
A legalização de núcleos urbanos informais consolidados é um tema central na discussão sobre a Regularização Fundiária Urbana (Reurb) e a responsabilização por parcelamento irregular do solo urbano.
O conceito de Núcleo Urbano Informal Consolidado (Nuic) é essencial para entender como a Reurb atua nesse contexto. De acordo com o Artigo 11, inciso III, da Lei nº 13.465/17, um Nuic é definido como uma área de difícil reversão, considerando-se fatores como o tempo de ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias avaliadas pelo município.
Essa definição destaca que a consolidação de um núcleo urbano informal não é meramente uma questão de ocupação prolongada, mas também envolve a complexidade da infraestrutura e a integração da área ao contexto urbano em geral.
A Regularização Fundiária Urbana (Reurb) visa a integrar núcleos informais ao ordenamento territorial, sem configurar anistia para responsáveis por parcelamentos irregulares. Conforme o artigo 14, §3º, da Lei nº 13.465/17, o requerimento de Reurb não exime proprietários, loteadores e incorporadores de responsabilidades administrativas, civis ou criminais. Embora a regularização seja um direito dos ocupantes, a legislação deixa claro que não serve como proteção para os agentes causadores de irregularidades.
A distinção entre a regularização dos ocupantes e a responsabilização dos loteadores é fundamental para a compreensão do papel da Reurb. A regularização fundiária visa assegurar o direito à moradia digna e à segurança jurídica para os ocupantes, permitindo-lhes acessar serviços públicos e melhorar suas condições de vida.
Por outro lado, a responsabilização dos loteadores busca garantir que aqueles que violaram as normas de parcelamento do solo sejam devidamente punidos e compelidos a reparar os danos causados. Essa separação de responsabilidades é basilar para promover a justiça social e o desenvolvimento urbano sustentável.
A Reurb, portanto, não se apresenta como um mecanismo de perdão para práticas irregulares, mas como uma ferramenta de inclusão social e correção de distorções históricas na ocupação do solo urbano.
A legislação estabelece um processo claro para a regularização dos núcleos urbanos informais, que inclui a identificação e organização das áreas, a prestação de serviços públicos, e a constituição de direitos reais em favor dos ocupantes. Esse processo é conduzido em conformidade com os princípios de sustentabilidade econômica, social e ambiental, visando a ocupação eficiente e funcional do solo.
Além disso, a Reurb promove a resolução extrajudicial de conflitos, incentivando a consensualidade e a cooperação entre o Estado e a sociedade. Essa abordagem busca minimizar litígios e facilitar a integração dos núcleos informais ao ordenamento urbano formal.
A Regularização Fundiária Urbana (Reurb) facilita a regularização dos ocupantes sem isentar os responsáveis pelo parcelamento irregular de sanções administrativas, civis e criminais. Ao separar a regularização dos ocupantes da responsabilização dos loteadores, promove-se um equilíbrio entre inclusão social e cumprimento legal, garantindo um desenvolvimento urbano ordenado e sustentável.
A importância termos de compromisso e termo de ajustamento de conduta (TC/TAC)
Os termos de compromisso (TC) e termos de ajustamento de conduta (TAC) são instrumentos jurídicos essenciais na Regularização Fundiária Urbana (Reurb), destinados a adaptar condutas às exigências legais.
O TC, ajustado junto à administração pública, é um acordo formal que estabelece obrigações para corrigir irregularidades, permitindo negociações diretas com responsáveis e definindo prazos e condições para regularização, com objetivo de solucionar conflitos de forma ágil e eficaz.
Ferreira (2023, p. 91) expõe:
Como condição da aprovação da REURB, o termo de compromisso também deverá ser celebrado com o poder público para as situações que se identifique a necessidade de realização de medidas de mitigação e compensação urbanistíssima, nos casos de núcleos classificados como REURB-E.[2]
Por outro lado, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) é um instrumento previsto na Lei nº 7.347/85, mais especificamente no Artigo 5º, § 6º. Ele é frequentemente celebrado junto ao Ministério Público e outros legitimados.
O TAC permite que esses órgãos tomem dos interessados o compromisso de ajustar sua conduta às exigências legais, com cominações que têm eficácia de título executivo extrajudicial.
Isso significa que, em caso de descumprimento, o TAC pode ser executado judicialmente sem a necessidade de um processo judicial prévio. O TAC é uma ferramenta eficiente para garantir que as partes cumpram suas obrigações de maneira eficaz e dentro dos prazos acordados.
A importância dos TCs e TACs no processo de Reurb é significativa. Eles oferecem um caminho prático e eficiente para resolver conflitos e garantir a conformidade legal, sem a necessidade de longos processos administrativos ou litígios judiciais.
No contexto da Reurb, esses instrumentos podem ser utilizados para formalizar acordos entre os responsáveis por parcelamentos irregulares e as autoridades competentes, assegurando que as medidas necessárias para a regularização sejam implementadas de forma rápida e eficaz.
É como Ferreira (2023, p. 65) também explica:
Por isso, a fim de compensar eventuais danos ao meio ambiente, constatados por meio de estudo técnico ambientais, sugere-se a implementação de certas medidas de cunho ambiental na mesma localidade ou em área próxima. São exemplos de ações: o plantio de árvores, promoção de atividades de educação ambiental junto a comunidade, criação ou investimento em unidade de conservação, etc.[3]
Os termos de compromisso (TCs) e termos de ajustamento de conduta (TACs) são instrumentos fundamentais na responsabilização de agentes que parcelaram irregularmente o solo.
Eles permitem negociações diretas com infratores, estabelecendo condições para correção de irregularidades e compensação de danos, sem recorrer a longos processos administrativos ou judiciais. Dessa forma, contribuem para a eficiência e eficácia da Regularização Fundiária Urbana (Reurb), facilitando acordos céleres e menos onerosos.
Conclusão
A Regularização Fundiária Urbana (Reurb) representa um instrumento crucial para corrigir distorções históricas na ocupação do solo urbano, promovendo inclusão social sem configurar uma anistia para responsáveis por parcelamentos irregulares. Os termos de compromisso (TC) e termos de ajustamento de conduta (TAC) surgem como mecanismos eficazes para responsabilizar infratores, garantindo simultaneamente a resolução de conflitos de forma ágil e consensual.
A legislação mantém a responsabilização administrativa, civil e criminal dos agentes causadores de irregularidades, assegurando que a justiça social não comprometa a legalidade urbanística. Ao promover cooperação entre partes envolvidas e administração pública, a Reurb representa um avanço significativo na gestão territorial, visando a um desenvolvimento urbano mais justo, ordenado e sustentável.
[1] MACEDO. Paola de Castro Ribeiro. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA E SEUS MECANISMOS DE TITULAÇÃO DOS OCUPANTES: Lei nº 13.465/2017 e Decreto nº 9.310/2018. São Paulo: Thomson Reuters, 2022.
[2] NOGUEIRA, Taniara Ferreira. REURB na prática. São Paulo. Editora Dialética, 2023
[3] NOGUEIRA, Taniara Ferreira. REURB na prática. São Paulo. Editora Dialética, 2023
Fonte: Conjur
Deixe um comentário