No começo de novembro de 2024, a Advocacia-Geral da União (AGU) divulgou parecer elaborado por sua Câmara de Promoção de Segurança Jurídica no Ambiente de Negócios acerca da incidência do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) sobre imóveis públicos federais cedidos a concessionárias de serviços públicos [1]. O estudo e conclusões da AGU derivam de um processo de tomada de subsídios, no qual buscou fundamentos para a fixação de sua orientação mediante extenso trabalho de consulta a diversas associações representativas de prefeitos, procuradores, concessionárias, setoriais, entre outras.
A AGU posicionou-se contrariamente à cobrança do IPTU desses imóveis, compreendendo que seriam eles objeto da imunidade recíproca prevista no artigo 150, inciso VI, e §§2º e 3º, da Constituição.
O enfoque do parecer não se deu na natureza da pessoa que detém a posse ou propriedade do bem — denominado por “critério subjetivo” —, ponto geralmente debatido pela Suprema Corte, mas na afetação do bem a um serviço público, contexto tratado lateralmente pelo Tema 1.297 [2].
Afastando a natureza jurídica de quem detém o bem ou eventual finalidade lucrativa decorrente de sua exploração como causas centrais da imunidade, o entendimento da AGU busca debater os seus efeitos à luz do fim maior que pretende atender o princípio federativo. Nesse contexto, adentra em questões práticas de vários modelos de concessão e setores econômicos, a fim de ilustrar os impactos da interferência tributária de uma esfera federativa em projeto concessional gestado por outra unidade, especialmente em termos de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos e atratividade dos negócios com o setor público.
Para a AGU, portanto, pelo menos no que se refere aos bens cedidos para uso em concessões de serviços públicos, o critério para a incidência da imunidade recíproca é objetivo e se direciona ao uso ou não deste bem para os serviços prestados, isto é, se estão eles afetados para as atividades concessionais. Trata-se de critério que além de adequar-se à própria finalidade da destinação constitucional dada aos bens públicos — que, por essência, são destinados a fins públicos, não sendo, por outra razão, que detêm prerrogativas como a inalienabilidade relativa, a imprescritibilidade e a imunidade tributária —, coaduna-se com o pacto federativo assegurado pela imunidade, a partir da colaboração que caracteriza o federalismo de cooperação.
Com base nesse racional é que a AGU fixa a compreensão de que a imunidade de IPTU será cabível (1) quando o imóvel for de propriedade da União ou de entidade também abrigada pela regra da imunidade recíproca (poder concedente); (2) quando o bem for entregue ao concessionário em razão da concessão de serviço público e para viabilizar a prestação do serviço, inclusive quando destinado ao cumprimento de obrigação contratual ou regulatória; e (3) quando este imóvel não for destinado a atividade econômica em sentido estrito ou não estiver desafetado do serviço público concedido.
Um grande passo rumo a um ambiente de estabilidade
Cuida-se, de fato, de importante orientação para possibilitar maior segurança jurídica às concessões públicas, conferindo previsibilidade também às futuras ou presentes concessionárias, que poderão, pelo menos nesse aspecto da exploração realizada, projetar com maior eficiência os custos e investimentos necessários. Por decorrência, essa previsibilidade e gestão, espera-se possa ser convertida em benefícios diretos aos usuários dos serviços, incluindo a modicidade da tarifa.
Também para os projetos em modelagem ou ainda sem contrato pactuado, a clareza quanto à imunidade tributária relativamente aos bens imóveis empregados na concessão pode ser um atrativo para o capital privado, não necessariamente em razão do impacto financeiro da ausência de cobrança do tributo em si, mas pela criação de um ambiente regulatório estável e previsível.
A discussão sobre a cobrança de IPTU em imóveis públicos federais cedidos a concessionárias transcende o campo tributário [3], exigindo uma análise mais ampla sob a ótica de outras searas, notadamente do Direito Administrativo. A postura da AGU, nesse sentido, é um importante passo para um ambiente de estabilidade, conciliando os interesses dos entes federativos com a necessidade de proteger o modelo concessório como ferramenta de desenvolvimento nacional.
[1] Disponível em: https://www.gov.br/agu/pt-br/assuntos-1/sejan/parecer_cgu_sejan.pdf. Acesso em 18/11/2024.
[2] Diz-se “lateralmente”, pois apesar de ser objeto de discussões, esse não é o debate central do tema fixado pelo STF, cujo recurso extraordinário afetado discute, à luz do artigo 150, VI, “a”, da Constituição Federal, se o arrendamento de bem imóvel da União para concessionária de serviço público de transporte ferroviário afasta a imunidade tributária recíproca, com a consequente incidência de IPTU sobre o imóvel afetado à prestação do serviço.
[3] Tratando dessa mesma discussão sob o aspecto tributário, vide REAL, Nicole Côrte. AGU posiciona-se contra IPTU sobre imóveis públicos federais cedidos a concessionários. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-nov-12/agu-posiciona-se-contra-iptu-sobre-imoveis-publicos-federais-cedidos-a-concessionarios/.
Fonte: Conjur
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