Quando se está diante de uma omissão legislativa, cuja única alternativa de resolução é a resposta adequada do Judiciário, principalmente do Supremo Tribunal Federal, como são os casos em que a Suprema Corte precisou atuar em sede de mandado de injunção ou de ação direta de inconstitucionalidade por omissão, ante uma omissão legislativa parcial que violava direitos e garantias fundamentais de determinada parcela da população, há quem diga que o Supremo Tribunal Federal atuou nos moldes daquilo que se denomina “ativismo judicial”.

Entretanto, por diversas vezes, as referidas críticas sequer conseguem definir ativismo judicial, caindo em confusão com aquilo que se denomina “judicialização da política” que pode ocorrer, principalmente, no âmbito constitucional.

Nesse sentido, Thales Delapieve, esclarece:

“(…) tem se tornado cada vez mais comum que decisões polêmicas e/ou de grande repercussão no país sejam tachadas de ativismo judicial. No entanto, a ausência de adequada compreensão sobre o que é efetivamente o ativismo judicial acaba por vulgarizar o termo, levando a que este seja utilizado indistintamente em situações nas quais não se está diante de ativismo judicial, mas sim de um caso de judicialização da política, por exemplo; ou, ainda, simplesmente como adjetivo pejorativo para uma decisão judicial com a qual não se concorda” [1].

Desse modo, há uma tendência em se criticar decisões que não concordam ou que não estão de acordo com determinada pauta ideológica e política, sob a alegação de que o Supremo Tribunal Federal estaria fazendo ativismo judicial. Tal circunstância advém do fato de que, em razão da judicialização da política, em que o STF julga situações envolvendo sujeitos políticos e até mesmo pontos sensíveis que são alvo de debates político-partidários [2].

A partir disso, cumpre então definir os conceitos para que se possa entender a diferença e verificar que o Supremo Tribunal, nas decisões proferidas com o intuito de suprir uma omissão inconstitucional parcial, não agiu em qualquer molde do que se define ativismo judicial, tendo tão somente decidido com aquilo que a Constituição estabelece, cumprindo com os seus preceitos e não se olvidando de julgar casos complexos, ainda que isso possa ensejar um revertério nas camadas protagonistas na manutenção de um certo “status quo”.

O que difere ativismo judicial e judicialização da política

Inicialmente, cumpre definir o fenômeno do ativismo judicial, sendo um ato vontade do julgador, caracterizando assim uma extrapolação dos limites de atuação do Poder Judiciário pela via de uma decisão que é tomada por meio de critérios não jurídicos (políticos, ideológicos, religiosos). [3]

Nesse sentido:

O ativismo deve ser compreendido como atuação dos juízes a partir de um desapego da legalidade democrática vigente (CF + leis) para fazer prevalecer, por meio da decisão, sua própria subjetividade (viés ideológico, político, religioso etc.). Em termos qualitativos, toda decisão judicial ativista é ilegal e inconstitucional. Por conseguinte, o ativismo judicial, em aspectos funcionais, caracteriza atuação insidiosa do Poder Judiciário em relação aos demais Poderes, especialmente ao Legislativo, uma vez que a decisão ativista suplanta a lei e a própria Constituição [4].

Portanto, o ativismo judicial está ligado intimamente com a atuação do julgador vinculada a um interesse escuso, o qual deturpa a lei para fazer valer o referido interesse, não havendo assim a aplicação da lei ou da Constituição no caso concreto que o julgador ativista atua, sendo a sua ocorrência sempre indesejável e nociva à democracia constitucional.

Por outro lado, a judicialização da política, conforme já mencionado, é quando a corte julga e lida com casos relacionados a interesses político-partidários, bem como julga sujeitos políticos com certa influência, causando, muitas vezes, insatisfação ou perplexidade. Entretanto, nesses casos o STF não atua de forma ativista, aliás, pelo contrário, atua dentro dos parâmetros constitucionais.

Cumpre ressaltar que ativismo judicial e judicialização da política se encontram interligados, uma vez que envolvem diretamente a relação existente entre o direito e a política, sendo que a judicialização da política é um fenômeno inexorável e contingencial, próprio das democracias contemporâneas, decorrente das condições sociopolíticas, e consiste na intervenção do Poder Judiciário nas deficiências dos demais Poderes.

Já o ativismo judicial, conforme ressaltado alhures atrás, é construído dentro do próprio Poder Judiciário, sendo produto da arbitrariedade do julgador em que extrapola os limites de atuação delimitados constitucionalmente para o Poder Judiciário ao tomar uma decisão que está pautada em critérios não jurídicos.

Da teoria da decisão jurídica e crítica hermenêutica do direito como meio de rechaçar o ativismo judicial

A crítica hermenêutica do direito (CHD) é uma teoria desenvolvida pelo jurista Lenio Streck, em 2002, na obra “Jurisdição Constitucional e Hermenêutica”, sendo que a CHD possui diversos objetos em seu campo de estudo e um deles é o ativismo judicial (os outros são, solipsismo, livre apreciação da prova, livre convencimento motivado, panprincipiologismo, senso comum teórico dos juristas, ensino jurídico, precedentalismo, discricionariedade, predação do direito e as recepções equivocadas em geral). [5]

Dentro da CHD, desenvolveu-se uma matriz teórica denominada teoria da decisão jurídica, cujo núcleo teórico-heurístico contém cinco princípios/padrões fundantes da decisão jurídica [6], pelos quais surgiram três perguntas fundamentais referentes a uma decisão judicial que servem para verificar a existência de ativismo judicial na decisão em questão.

Desse modo, as três perguntas fundamentais formam um critério que visa a filtrar e afastar atitudes/decisões de caráter ativista a partir de três indagações que o julgador deve fazer, sendo elas:

(1) Existe no caso em tela um direito fundamental exigível?
(2) É possível a universalização da demanda levada ao Poder Judiciário?
(3) Para atender a um direito fundamental, está-se fazendo uma transferência ilegal/inconstitucional de recursos que fira a igualdade e a isonomia?

Caso a resposta de qualquer das três indagações seja negativa, muito provavelmente se estará diante de uma decisão com viés ativista [7].

A tese de Streck se mostrou efetiva, tanto que, quando do julgamento do Recurso Extraordinário 888.815, que envolvia a questão do homeschooling, o ministro Gilmar Mendes se valeu da referida teoria para fundamentar as razões do seu voto, contrapondo o voto do relator, conforme o próprio idealizador da teoria explica:

as três perguntas fundamentais — aqui especificadas e que fazem parte da CHD — podem ser vistas no voto do ministro Gilmar Mendes no Recurso Extraordinário 888.815, em que o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o instituto do homeschooling. (…) O recurso teve origem em mandado de segurança impetrado pelos pais de uma menina, então com onze anos, contra ato da secretária de Educação do município de Canela (RS), que negou pedido para que a criança fosse educada em casa e orientou-os a fazer matrícula na rede regular de ensino, onde até então havia estudado. O mandado de segurança foi negado tanto em primeira instância quanto no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Para a corte gaúcha, inexistindo previsão legal de ensino na modalidade domiciliar, não haveria direito líquido e certo a ser amparado no caso. Ora, no caso em questão, nenhuma das três questões recebe resposta afirmativa. E mesmo que se admita o ‘sim’ à primeira pergunta, a segunda inexoravelmente recebe resposta negativa, pela impossibilidade de universalização, sob pena de discriminação dos pobres. Ou seja: por uma questão óbvia, se os pobres quiserem educar seus filhos em casa, não poderão fazê-lo pela total impossibilidade material, ficando o homeschooling como um inegável privilégio dos ricos, sob a contraditória ‘supervisão’ da escola pública. Em um país em que a escola é um refúgio para ganhar merenda, e em que os pais, na grande maioria pobres, não têm onde deixar os filhos (a não ser na escola), como é possível institucionalizar o direito de os pais não mandarem seus filhos à escola? Claramente uma medida a favor de quem pode pagar por homeschooling [8].

Portanto, verifica-se a importância das indagações desenvolvidas por Streck, concluindo-se que a sua tese não se trata de mera abstração, possuindo importância prática e não só deve ser constantemente usada para se rechaçar qualquer decisão que tenha um viés ativista.

 

[1] Nem toda decisão com a qual não se concorda é ativismo judicial. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jul-08/diario-classe-nem-toda-decisao-qual-nao-concorda-ativismo-judicial. Acesso em: 06 agosto de 2023.

[2] ABBOUD, Georges. Ativismo Judicial: os perigos de transformar o STF em inimigo ficcional. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, p. 73: “O ativismo judicial é pernicioso atalho, que se alija do caminho democrático do dissenso e da deliberação política. O juiz ativista pratica política a partir de lugar indevido, qual seja, o espaço da decisão judicial. Essa é uma das razões pelas quais o ativismo judicial é tão procurado e prestigiado em alguns meios. Aquele que obtém decisão ativista consegue atalho para fazer valer seu ponto de vista, sem precisar percorrer os procedimentos propriamente democráticos que cuidam do dissenso”.

[3] Nem toda decisão com a qual não se concorda é ativismo judicial. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jul-08/diario-classe-nem-toda-decisao-qual-nao-concorda-ativismo-judicial. Acesso em: 06 agosto de 2023.

[4] ABBOUD, Georges. Ativismo Judicial: os perigos de transformar o STF em inimigo ficcional. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, p. 73.

[5] O que é isto — a crítica hermenêutica do Direito? Revista Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-dez-11/diario-classe-isto-critica-hermeneutica-direito . Acesso em 06 agosto 2023.

[6] O que é isto — a crítica hermenêutica do Direito? Revista Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-dez-11/diario-classe-isto-critica-hermeneutica-direito: (1) Princípio um: a preservação da autonomia do Direito; (2) Princípio dois: o controle hermenêutico da interpretação constitucional — a superação da discricionariedade; (3) Princípio três: o respeito à integridade e à coerência do Direito; (4) Princípio quatro: o dever fundamental de justificar as decisões; (5) Princípio cinco: o direito fundamental a uma resposta constitucionalmente adequada. Para uma compreensão adequada, recomenda-se o já citado Dicionário de Hermenêutica e em especial o verbete “Resposta adequada à constituição (resposta correta)”.

[7] Em relação as três perguntas (…) A pergunta de número três também se alicerça na preocupação com a efetivação de direitos em detrimento dos recursos disponíveis. Isso porque as decisões judiciais geram ônus às finanças públicas e, diante disso, também concerne à legitimidade da atuação do Poder Judiciário a sua cobertura financeira e orçamentária. Portanto, a igualdade deve ser um limite às decisões visto que não se pode utilizar dos recursos públicos para aprofundar desigualdades. Além do mais, despender gastos no sentido de ações afirmativas, ainda que com efeitos transformativos, é atribuição do Poder Legislativo. (O que é isto — a crítica hermenêutica do Direito? Revista Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-dez-11/diario-classe-isto-critica-hermeneutica-direito).

[8] STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica: 50 verbetes fundamentais da Teoria do Direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito. 2ª ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2020. p. 394-395.

Fonte: Conjur

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