O texto analisa o impacto da lei 15.040/24 no Brasil, destacando mudanças sobre prazos prescricionais e segurança jurídica.

1. Introdução

Recentemente, fora aprovada a lei 15.040, de 9/12/24, que dispõe sobre as “normas de seguro privado”.

Trata-se do marco legal dos seguros no Brasil, que, a partir do início da sua vigência, resultará na revogação de todas as normas pertinentes do CC brasileiro1.

Com previsão de vacatio de um ano, essa lei terá importante impacto no âmbito das relações securitárias.

O meu objetivo neste artigo é tecer considerações acerca das mudanças em torno de um tema altamente sensível: A prescrição nas relações contratuais de seguro.

2. Passando em revista a prescrição2

A prescrição é a perda da pretensão de reparação do direito violado, em virtude da inércia do seu titular, no prazo previsto pela lei3.

Conforme já escrevi, a pretensão é “o poder de exigir de outrem, coercitivamente, o cumprimento de um dever jurídico. Vale dizer, é o poder de exigir a submissão de um interesse subordinado (do devedor da prestação) a um interesse subordinante (do credor da prestação) amparado pelo ordenamento jurídico”4.

Na mesma linha, Carlos Elias de Oliveira observa que a “pretensão é o poder de o titular exigir o cumprimento do dever pela outra parte para reparar esse dano. E, para tanto, poderá servir-se de todos os meios executivos legalmente admitidos (…) como a ação judicial – que decorre de um outro direito subjetivo: O direito subjetivo processual -, ou outros meios extrajudiciais, como o protesto, a negativação do nome do devedor em cadastros privados de inadimplentes etc.”5.

Note-se, ainda, que a pretensão não se confunde com o direito de ação (entendido como o direito potestativo de obter do Estado a prestação da atividade jurisdicional).

Na verdade, uma das formas de se exercitar a pretensão é por meio do exercício do direito de ação.

Se esse tipo de confusão era, até certo ponto, tolerável à época da vigência do CC/16, hoje já não existe motivo plausível para que se mantenha.

Aliás, é bastante a assertiva – pacífica, no âmbito do Direito Processual – de que o direito de ação é um direito potestativo para que se afaste, de vez, a possibilidade de ele se confundir com a pretensão, que é instituto umbilicalmente vinculado ao direito a uma prestação de fazer, de não fazer, de dar dinheiro ou de dar coisa distinta de dinheiro.

Os direitos potestativos não se submetem a prazos prescricionais. Quando o sistema jurídico prevê prazo para o seu exercício esse será sempre um prazo decadencial, jamais prescricional.

Veja-se, a título de exemplo, o direito potestativo de propor, no prazo de dois anos, a ação rescisória (CPC, art. 975, caput6). Se a demanda não for proposta dentro do prazo legal, o direito de propô-la é definitivamente fulminado pela decadência. Ele deixará de existir, pois.

No caso dos direitos a uma prestação – como é o caso do direito de cobrar uma dívida -, os prazos para seu exercício, independentemente de esse exercício se dar por meio da provocação do Poder Judiciário – por meio, pois, do exercício do direito de ação -, têm sempre natureza prescricional.

E, uma vez operando-se a prescrição, a pretensão é fulminada.

“Com o intuito de indicar que não se trata de um direito subjetivo público abstrato de ação”, lembra Flávio Tartuce, “o atual CC adotou a tese da prescrição da pretensão.7”

Observe-se, portanto, que o objeto da prescrição extintiva é a pretensão, e não o direito de ação, que, nesse caso, ante a inexistência de prazo decadencial para o seu exercício, sempre existirá, mesmo depois de decorrido o prazo prescricional estabelecido em lei.

Desde que o caso não se subsuma às hipóteses descritas no art. 485 do CPC8 – e em nenhuma delas há referência à prescrição -, a demanda proposta será admitida e processada. Nenhum motivo haverá para se dizer que o direito de ação não pode ser exercitado. O que acontecerá é que, ao examinar o mérito da causa, o juiz reconhecerá a ocorrência da prescrição9. Por óbvio, se a prescrição gerasse algum problema para o exercício do direito de ação, o processo seria extinto sem a resolução do mérito, e não com a resolução do mérito.

Feitas tais necessárias considerações, concluímos que a existência do prazo legal de prescrição é fundamental para a preservação da segurança jurídica, pois, caso não existisse, conferiria ao credor uma espécie de ferramenta de cobrança atemporal, o que seria inadmissível.

Nesse contexto, pelos seus importantes reflexos sociais e econômicos, o tratamento da prescrição no âmbito do contrato de seguro é tema, há muito, já assentado na doutrina e jurisprudência brasileiras.

O impacto, pois, da nova lei 15.040, de 9/12/24 – marco legal dos seguros, nesse delicado campo de investigação, é objeto de algumas considerações no próximo tópico.

3. A prescrição nas relações securitárias a partir da lei 15.040/24 (e a jurisprudência do STJ)

Há anos, o STJ consolidou firme jurisprudência acerca de diversos aspectos em torno do contrato de seguro.

Passarei em revista algumas posições da Corte, em linha de cotejo com a nova disciplina da prescrição consagrada pela lei 15.040/24 – marco legal dos seguros.

Aliás, devo frisar, de já, que o sistema normativo brasileiro mantém, mesmo com a edição do novo diploma, o prazo ânuo como a regra geral de prescrição no âmbito das relações securitárias.

Confira-se, primeiramente, o CC:

Art. 206. Prescreve:
§ 1 o Em um ano:
(…)
II – A pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:
a) Para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;
b) Quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;

Confira a íntegra do artigo.

Fonte: Migalhas

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