O direito de marca garante exclusividade ao titular, mas é limitado pela territorialidade e especialidade. Marcas notórias têm proteção ampliada no Brasil
Introdução
O direito de marca ocupa um papel central no âmbito da propriedade intelectual, conferindo ao titular de um registro o privilégio de exclusividade sobre o uso de determinado sinal distintivo no mercado. Contudo, essa exclusividade não é irrestrita, encontrando limites nos princípios da territorialidade e da especialidade. Esses princípios estabelecem que o alcance da proteção de uma marca é limitado ao território onde foi registrada e às classes de produtos ou serviços especificadas no momento do registro. Dessa forma, busca-se equilibrar a proteção aos direitos do titular da marca e a liberdade de concorrência no mercado, evitando abusos e preservando a segurança jurídica.
Neste artigo, serão explorados os fundamentos e as aplicações práticas desses princípios, bem como suas exceções mais relevantes no ordenamento jurídico brasileiro. Em especial, serão analisados os casos das marcas notoriamente conhecidas e de alto renome, que desafiam as limitações dos princípios da territorialidade e da especialidade, recebendo proteção mais ampla devido à sua notoriedade e impacto social. Além disso, será discutido o procedimento necessário para o reconhecimento de uma marca como de alto renome junto ao INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial, evidenciando os desafios e requisitos envolvidos nesse processo.
Direito de marca e princípios da territorialidade e especialidade
O direito de marca assegura a seu titular a partir de seu registro, o direito de exclusividade sobre tal sinal, o qual não poderá ser usado por qualquer outra pessoa que explore atividade semelhante dentro do mesmo território (no caso do Brasil, dentro do território nacional). Essa exclusividade apresenta, como outro lado da moeda, uma limitação à atividade de terceiros, motivo pelo qual ela não pode ser absoluta.
Nesse sentido, os princípios da territorialidade e especialidade servem para limitar o direito de exclusividade às situações em que se verifica efetivo risco de confusão e associação indevida.
O princípio da territorialidade no direito de marcas estabelece que os direitos conferidos sobre uma marca são válidos apenas dentro do território do país ou região onde a marca foi registrada. Em outras palavras, a proteção jurídica de uma marca não é automática em outros países, sendo necessário o registro local para garantir esses direitos.
Da mesma forma, cada país tem sua própria legislação sobre propriedade industrial e, observadas algumas exceções previstas em tratados internacionais, como a Convenção da União de Paris, o registro deve cumprir os requisitos desse sistema jurídico.
Já o princípio da especialidade consiste na limitação da exclusividade da proteção à classe e à especificação reivindicadas por seu titular na ocasião do depósito do pedido de registro. Nesse ponto específico, é comum encontrar definições do princípio da especialidade que o relacionam à atividade econômica de seu titular, mas, na prática, a extensão de tal direito não tem uma ligação direta ao ramo de atividade de seu titular.
Assim, uma empresa que produza roupas (classe 25) e bolsas (classe 18), caso deposite pedido de registro de marcas apenas em relação às roupas, não terá sua proteção automaticamente estendida para a classe 18, por exemplo. Por outro lado, não é raro que grandes empresas registrem sua marca para classes de serviços relacionados e afins, mesmo que não ofereçam efetivamente qualquer produto e serviço que constam em sua especificação, para evitar que terceiros registrem marcas semelhantes e que possam levar à diluição de sua marca.
Exceções aos princípios da territorialidade e especialidade
A primeira exceção aos princípios analisados neste artigo é a marca notoriamente conhecida, prevista no art. 6 bis da Convenção da União de Paris.
A marca notoriamente conhecida é aquela que, independentemente de estar registrada em um território específico, é amplamente reconhecida por um público relevante naquele território devido à sua reputação. Vale mencionar que a fama das marcas notoriamente conhecidas não se limita a um grupo pequeno, ela deve ser amplamente conhecida entre os consumidores ou atores de um determinado setor econômico.
Desse modo, em síntese, se um terceiro vier a depositar um pedido de registro de uma marca notoriamente conhecida em determinado país em que esta marca ainda não tenha sido registrada, o titular da marca notoriamente conhecida poderá impedir que esse pedido de registro de terceiro seja concedido, mesmo sem um registro de marca anterior que pudesse servir de anterioridade impeditiva.
Já as marcas de alto renome, ou seja, aquelas que possuem um grau excepcional de notoriedade e reputação, alcançando um reconhecimento muito amplo e que transcende os limites de seu setor específico de atuação, excepcionam o princípio da especialidade.
Essas marcas recebem uma proteção especial, mais ampla do que as marcas registradas comuns ou notoriamente conhecidas, pois seu prestígio as torna suscetíveis de exploração indevida ou diluição, mesmo em mercados diferentes do seu. No entanto, considerando a força atribuída a essas marcas em razão da proteção em todos os ramos de atividade, o conceito de alto renome no Brasil é bastante estrito. Para ser considerada marca de alto renome, uma marca deve ser reconhecida amplamente pelo público em geral (não por setores específicos) e capaz de estabelecer uma conexão emocional ou cognitiva com o público comum.
Resumidamente, as marcas de alto renome são aquelas tão conhecidas pelo público geral que quando uma pessoa comum vê uma marca parecida, ainda que relacionada a produto ou serviço de ramo diverso, a associa à marca renomada.
Apenas a título ilustrativo: supondo que um terceiro decida iniciar operações hoteleiras e inaugura um hotel identificado pela marca “Coca-Cola”. Mesmo que a marca “Coca-Cola” não tenha qualquer atividade no setor hoteleiro, o público geral associará a rede de hotel ao refrigerante, possivelmente acreditando que a “The Coca-Cola Company” decidiu empreender em uma nova área ou, no mínimo, licenciou seus direitos para desenvolver uma nova área comercial com algum parceiro.
Nesse cenário, se compreende que a proteção à marca de alto renome procura, de um lado, proteger o consumidor contra a associação indevida, mas também tem a função de evitar o aproveitamento parasitário e a diluição com maior eficiência.
As marcas de alto renome e seu reconhecimento junto ao INPI
Embora seja semanticamente defensável a desnecessidade de um procedimento específico para o reconhecimento do alto renome (porque no final de contas, se a marca de alto renome tem grande apelo junto ao público comum, em tese o examinador do INPI não teria grande dificuldade de identificar quando se deparasse com a reprodução de uma marca de alto renome), tal reconhecimento não é automático no Direito brasileiro.
Para que uma marca obtenha o reconhecimento do alto renome no Brasil, precisa formular um requerimento específico junto ao INPI, fornecendo todas as provas capazes de demonstrar seu reconhecimento junto ao público geral. Dentre as provas requeridas, embora a resolução 107/13 da presidência do INPI, que estabelece a forma de aplicação do disposto no art. 125 da lei 9.279/96 (“Resolução sobre Reconhecimento de Alto Renome”) não dispor expressamente, na prática a obtenção do reconhecimento do alto renome requer, junto ao acervo probatório, a apresentação de um estudo de quantitativo de mercado realizada por instituto de pesquisa de boa reputação, preferencialmente associado à Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, bem como de pesquisa de imagem da marca para comprovar a reputação e prestígio que o grande público associa a essa marca.
Além do estudo de mercado e imagem, são necessárias provas capazes de demonstrar a presença da marca cujo reconhecimento de alto renome se pretende obter na mídia e na sociedade, os investimentos anuais realizados por sua titular em marketing, bem como na defesa de sua marca junto a tentativa de apropriação por terceiros, volume anual de vendas, perfil e número de pessoas atingidas pelas mídias onde o titular anuncia a sua marca, bem como qualquer informação pertinente que demonstre a identificação do público aos valores da marca e o grau de confiança nela depositada.
Vale ainda mencionar que, apesar da dificuldade de obtenção do reconhecimento do alto renome, seus efeitos não são definitivos, se extinguido após 10 anos.
Conclusão
O direito de marca, sustentado pelos princípios da territorialidade e especialidade, desempenha um papel crucial na organização do mercado, protegendo os interesses dos titulares de marcas registradas sem comprometer a livre concorrência e a inovação. Esses princípios delimitam o escopo de proteção das marcas, garantindo que sua exclusividade seja aplicada apenas onde há efetiva necessidade de prevenir confusões ou associações indevidas. Contudo, a complexidade do mercado global e as particularidades de marcas que transcendem fronteiras e setores econômicos exigem a existência de exceções, como as marcas notoriamente conhecidas e de alto renome, que recebem proteção ampliada devido ao impacto que possuem no imaginário coletivo e na confiança do consumidor.
O estudo das exceções e do procedimento necessário para o reconhecimento do alto renome evidencia a importância de critérios rigorosos e da análise criteriosa por parte do INPI, equilibrando os direitos dos titulares e a proteção do mercado. Embora o processo para obtenção do reconhecimento seja desafiador e requeira comprovação robusta, ele desempenha um papel essencial na proteção contra o aproveitamento parasitário e na preservação do valor das marcas perante o público. Assim, o sistema de marcas no Brasil não apenas regula o uso de sinais distintivos no mercado, mas também promove a confiança do consumidor e a estabilidade das relações comerciais, contribuindo para o fortalecimento da economia e da inovação no país.
Fonte: Migalhas
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