O avanço da robótica demanda ajustes no Direito Civil. Como o Brasil pode se inspirar na Europa e no PL 2338/23 para regulamentar danos causados por robôs autônomos
A revolução tecnológica trouxe consigo desafios jurídicos sem precedentes. Robôs autônomos, capazes de tomar decisões independentes, já estão presentes em setores como saúde, transporte e indústria. No entanto, sua crescente autonomia levanta questões complexas sobre responsabilidade civil: quem responde quando um robô causa danos? Enquanto a Europa avança na criação de um marco regulatório para lidar com essas questões, o Brasil também dá passos significativos com o PL 2.338/23, aprovado no Senado, que estabelece normas gerais para o uso da IA – inteligência artificial. Este artigo propõe uma análise crítica de como o Direito brasileiro pode se inspirar nas propostas europeias e no PL 2.338/23 para adaptar seu sistema de responsabilidade civil, garantindo segurança jurídica e inovação responsável.
O cenário atual da robótica e os desafios jurídicos
A robótica autônoma já é uma realidade global. Na Europa, veículos autônomos e robôs de assistência médica estão sendo testados e implementados em larga escala. No Brasil, embora o uso de robôs ainda seja incipiente em comparação, setores como agronegócio e logística já adotam tecnologias autônomas. O problema surge quando esses sistemas falham: quem deve ser responsabilizado? O fabricante, o programador, o usuário ou o próprio robô?
A União Europeia, em sua resolução de 2017 sobre Direito Civil em robótica, propõe a adoção de um sistema de responsabilidade objetiva e gestão de riscos, no qual os danos causados por robôs autônomos são atribuídos a quem controla ou se beneficia do uso da tecnologia. Essa abordagem visa garantir que as vítimas sejam indenizadas de forma ágil, sem a necessidade de provar culpa.
No Brasil, o PL 2.338/23, aprovado no Senado, traz avanços significativos ao estabelecer um marco regulatório para a inteligência artificial incluindo a responsabilidade civil por danos causados por sistemas de IA. O projeto define que os fornecedores e operadores de sistemas de IA de alto risco respondem objetivamente pelos danos causados, enquanto em casos de sistemas de menor risco, a culpa do agente é presumida, com inversão do ônus da prova em favor da vítima (art. 27). Essa abordagem é semelhante à europeia e representa um passo importante para a segurança jurídica no país.
As lacunas no Direito brasileiro e o papel do PL 2.338/23
O CC brasileiro (lei 10.406/02) estabelece a responsabilidade civil com base na culpa (art. 186) e na responsabilidade objetiva (art. 927, parágrafo único). No entanto, essas normas não foram concebidas para lidar com a complexidade dos robôs autônomos, que podem tomar decisões imprevisíveis devido à aprendizagem automática.
O PL 2.338/23 vem preencher essa lacuna ao definir claramente as responsabilidades dos fornecedores e operadores de sistemas de IA. O projeto estabelece que, em casos de sistemas de alto risco, como veículos autônomos ou sistemas de saúde, a responsabilidade será objetiva, ou seja, não será necessário provar culpa para que o fornecedor ou operador seja responsabilizado. Isso garante maior proteção às vítimas e incentiva os desenvolvedores a adotarem medidas de segurança mais robustas.
Lições da Europa: Responsabilidade objetiva e gestão de riscos
A proposta europeia sugere a criação de um regime de seguros obrigatórios para robôs autônomos, semelhante ao que já existe para veículos automotores. Além disso, propõe a criação de um fundo de compensação para cobrir danos não cobertos por seguros. Essas medidas visam distribuir os riscos entre fabricantes, usuários e seguradoras, garantindo que as vítimas sejam indenizadas de forma justa e eficiente.
O PL 2.338/23 também aborda a questão dos seguros, ao estabelecer que os fornecedores e operadores de sistemas de IA de alto risco devem adotar medidas de governança e segurança, incluindo a possibilidade de seguros para cobrir danos potenciais (art. 19). Embora o projeto não estabeleça explicitamente um fundo de compensação, ele abre caminho para que futuras regulamentações possam implementar medidas semelhantes às europeias.
Propostas para o Direito brasileiro à luz do PL 2.338/23
Para avançar nesse debate, o Brasil poderia:
- Criar um marco regulatório específico para robótica e IA, inspirado nas diretrizes europeias e no PL 2.338/23;
- Estabelecer um sistema de seguros obrigatórios para robôs autônomos, com contribuições de fabricantes e usuários, conforme sugerido pelo PL 2.338/23;
- Implementar um fundo de compensação para cobrir danos não cobertos por seguros, seguindo o modelo europeu;
- Promover a transparência no desenvolvimento de robôs, exigindo a instalação de “caixas pretas” para registrar decisões autônomas, medida que já é prevista no PL 2.338/23 (art. 19).
Essas medidas garantiriam segurança jurídica para empresas e cidadãos, além de fomentar a inovação tecnológica de forma responsável. O PL 2.338/23 já traz avanços significativos nessa direção, mas ainda há espaço para aprimoramentos, como a criação de um fundo de compensação e a regulamentação mais detalhada dos seguros obrigatórios.
Conclusão
A robótica autônoma é uma realidade irreversível, e o Direito brasileiro precisa se adaptar para enfrentar os desafios que ela traz. Inspirar-se nas propostas europeias e no PL 2.338/23 pode ser o caminho para criar um marco regulatório robusto e eficiente. A adoção de um sistema de seguros obrigatórios e a criação de um fundo de compensação são medidas práticas que garantem a proteção das vítimas e a segurança jurídica para os envolvidos. O Brasil tem a oportunidade de se posicionar como líder nesse debate, promovendo a inovação tecnológica de forma ética e responsável.
O PL 2.338/23 representa um avanço significativo ao estabelecer normas claras para a responsabilidade civil em casos de danos causados por sistemas de IA, especialmente em situações de alto risco. No entanto, é necessário que o projeto seja complementado com medidas adicionais, como a criação de um fundo de compensação e a regulamentação detalhada dos seguros obrigatórios, para garantir uma proteção integral às vítimas e incentivar a inovação responsável.
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BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil.
2 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor.
3 EUROPEAN PARLIAMENT. Resolution of 16 February 2017 with recommendations to the Commission on Civil Law Rules on Robotics (2015/2103(INL)).
4 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
5 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 32ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
6 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2019.
7 BRASIL. Projeto de Lei 2.338/23. Dispõe sobre o uso da Inteligência Artificial.
Fonte: Migalhas
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