O ITCMD incide sobre a doação de bens com ou sem usufruto, com regras específicas sobre o pagamento, como a fracionada no Estado de SP

O ITCMD – Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos é um tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal (cada unidade federativa define suas próprias alíquotas, base de cálculo e isenções), incidindo a alíquota que varia de 2% a 8%, a depender do Estado instituidor (no Estado de São Paulo a alíquota é de 4%1). Mesmo sendo de competência estadual, o Senado Federal é o responsável por estabelecer as alíquotas máximas desse imposto, conforme previsto no art. 155, § 1º, IV, da CF/88.

O ITCMD, dentre outras hipóteses, incide sobre a transferência de quotas da holding familiar, por vezes realizada pelo patriarca ou matriarca aos seus sucessores, com o objetivo de antecipar a distribuição do patrimônio de forma segura e fiscalmente mais organizada, evitando discussões futuras entre os herdeiros.

Tal transferência, muitas vezes, é acompanhada da reserva de usufruto, por meio da qual os doadores (patriarca/matriarca) das quotas mantêm para si os direitos de usar e gozar da participação societária cedida, ou seja, receber os lucros/dividendos (usufruto econômico), bem como a administração e o controle da holding familiar (usufruto político). Os donatários (filhos), por sua vez, recebem apenas a nua-propriedade (propriedade sem direito de uso e gozo). Portanto, com a doação das quotas da holding, exsurge a necessidade de recolhimento do ITCMD, ponto indiscutível.

No aspecto legal, a lei 10.705/00, que instituiu o ITCMD no Estado de São Paulo, estabelece que, na doação com reserva de usufruto, o ITCMD poderá ser pago de forma fracionada, ou seja, 2/3 (dois terços) quando da doação da nua-propriedade e o restante 1/3 (um terço), quando da consolidação da propriedade ao nu-proprietário (extinção do usufruto com a morte dos doadores). Ocorre que a lei citada não prevê a exigência de pagamento de 1/3 do imposto na extinção do usufruto, criando uma lacuna que, muitas vezes, é levada ao Judiciário pelos contribuintes, que não desejam efetuar o pagamento não previsto em lei.

Inobstante a lacuna legal, a SEFAZ/SP – Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, lastreada na decisão normativa CAT-03, de 26/2/10, entende que, quando ocorre a doação com reserva de usufruto e este é extinto, deve haver o recolhimento complementar de 1/3 do valor de referência do bem então doado, correspondente à consolidação da propriedade nas mãos do nu-proprietário.

Do ponto de vista jurisprudencial, o TJ/SP, em decisões diversas, de forma favorável aos contribuintes, firmou entendimento no sentido de que não incide ITCMD em extinção de usufruto, ou seja, que a fração de 1/3 não é devida por inocorrência de transferência de propriedade, o que só ocorre no momento da doação, assertiva esta verdadeira já que, na doação, com ou sem reserva de usufruto, e uma vez que pago o ITCMD, o nome do nu-proprietário já passa a constar na matrícula do imóvel ou algum outro registro público.

Para ilustrar a afirmação anterior, o TJ/SP, ao julgar a apelação 1007182-21.2024.8.26.0053, reforçou a tese de que o ITCMD não incide sobre a extinção/cancelamento do usufruto, por inexistir previsão legal neste sentido. E ao decidir a apelação 1023546-73.2021.8.26.0053, ratificou o seu entendimento de que a extinção do usufruto trata, na verdade, de consolidar a plenitude da propriedade nas mãos do nu-proprietário.

Igualmente, o STJ, no julgamento do AREsp 1956785 RJ, entendeu que “A hipótese de incidência do ITD é a transmissão de propriedade causa mortis ou por doação, não havendo na mera extinção de usufruto em razão do falecimento dos usufrutuários (art. 1.410, inciso I do CC), fato gerador a justificar a exigibilidade do tributo, eis que a propriedade nunca saiu da esfera do nu proprietário”. Dito de outro modo, o nu-proprietário é dado como tal no momento que recebe a transmissão de propriedade pela morte ou pela doação, vindo a morte do transmitente apenas a aperfeiçoar a propriedade plena nas mãos do beneficiário.

Portanto, a extinção do usufruto não deve ser equiparada à doação, a fim de não exceder os limites da competência tributária delimitados no art. 110 do CTN, pois, caso contrário, a legislação tributária estaria criando novos conceitos legais, a par daqueles já estabelecidos pelo legislador constitucional. E, por conseguinte, na visão do TJ/SP, descabe a exigência de recolhimento do ITCMD pelo contribuinte, o que feriria a ordem legal e as normas do CTN, não sendo a extinção do usufruto, portanto, hipótese de incidência do ITCMD, sobre dá fração faltante (1/3).

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1 Tramita na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, o Projeto de Lei – PL 7/24, que visa alterar a alíquota do ITCMD, tornando-a progressiva a partir de 2025. Caso aprovado, a alíquota que hoje é de 4% passaria a variar de 2% a 8%, a depender do valor do patrimônio envolvido.

Fonte: Migalhas

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