Apelação Cível nº 1002073-36.2024.8.26.0664

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1002073-36.2024.8.26.0664
Comarca: VOTUPORANGA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1002073-36.2024.8.26.0664

Registro: 2025.0000166287

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002073-36.2024.8.26.0664, da Comarca de Votuporanga, em que é apelante MIGUEL JOAO GOSSN, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE VOTUPORANGA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, julgando a dúvida improcedente e afastando os óbices registrários para que o título seja registrado no fólio real, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 13 de fevereiro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002073-36.2024.8.26.0664

Apelante: Miguel Joao Gossn

Apelado: Oficial de Registro de Imoveis e Anexos da Comarca de Votuporanga

VOTO Nº 43.681

Registro de imóveis – Apelação – Dúvida procedente – Óbice ao ingresso de escritura pública de doação com reserva de usufruto e cláusulas restritivas, com outras disposições – Exigências afastadas – As cláusulas restritivas previstas no art. 1911 do CC podem ser absolutas ou relativas – Na espécie, as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade foram estabelecidas em caráter relativo, para autorizar a alienação do imóvel somente para o fim de incorporação, especificação e instituição de condomínio, antevendo-se hipótese de sub-rogação, tudo por vontade do doador licitude de o doador ou testador ajustarem situações jurídicas específicas de cancelamento ou de sub-rogação das cláusulas restritivas – Dúvida improcedente – Recurso provido.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra sentença de procedência de dúvida que manteve o óbice ao ingresso, no registro de imóvel, de escritura de doação com reserva de usufruto e cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. Título também estabeleceu o levantamento das cláusulas restritivas para o caso de incorporação imobiliária no referido bem, com sub-rogação em unidades autônomas futuras eventualmente atribuídas em permuta pelo incorporador aos donatários. Recurso invoca nulidade da por falta de fundamentação e motivação. No mérito, defende a possibilidade de registro da escritura, argumentando que as cláusulas restritivas podem ser flexibilizadas, que não se está a gravar imóvel de terceiro e, ademais, que a incorporação é evento futuro e incerto.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar: (i) se há nulidade na sentença; e (ii) se é possível o registro da escritura em apreço que não se resume a simplesmente doar a nua propriedade do imóvel, com reserva de usufruto e imposição de cláusulas restritivas, mas determinar, desde logo, após a transferência do bem aos donatários e a morte do doador, situações nas quais as cláusulas serão levantadas, em caso de incorporação imobiliária que tenha por objeto o imóvel doado, e eventual sub-rogação, na hipótese de permuta com o incorporador por unidades autônomas futuras. aos donatários.

III. Razões de Decidir

3. A sentença está fundamentada, embora de modo conciso, o que afasta a alegação de nulidade.

4. O registro da escritura é viável. As cláusulas restritivas podem ser absolutas ou relativas. No caso, a vontade do doador foi a de estabelecer cláusulas restritivas relativas, prevendo de modo claro a possibilidade de alienação do bem na hipótese de incorporação imobiliária, e desde logo a possibilidade de sub-rogação do vínculo em unidades comerciais futuras que eventualmente vierem a ser atribuídas aos donatários em permuta

5. Vontade do doador manifestada numa única oportunidade e que não comporta cisão. Doador que, como proprietário do bem, no exercício da autonomia privada, sem violar norma cogente, previu, no momento da doação, a imposição de cláusulas restritivas relativas e a hipótese de sub-rogação.

6. Não há ofensa ao disposto nos arts 1911 e. 1.848, §2º, do Código Civil porque a autorização judicial para a sub-rogação só tem razão de ser para preservar a vontade do doador, mas, na espécie, o consentimento foi manifestado no momento da celebração do contrato de doação.

IV. Dispositivo e Tese

7. Recurso provido.

Tese de julgamento: 1. Nulidade afastada. 2. Deferido o ingresso da escritura pública de doação com reserva de usufruto e cláusulas restritivas, eis que o poder de dispor do proprietário permite que dê às cláusulas restritivas extensão menor, estabeleça hipótese de alienação permitida e anteveja bem em sub-rogação.

Legislação Citada:

Lei 4.591/64. Código Civil, arts. 1.228, 1.848, §2º e 1.911.

Trata-se de apelação interposta por MIGUEL JOÃO GOSSN contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Votuporanga/SP, que julgou procedente a dúvida inversamente suscitada (fls. 57), negando o registro da Escritura de Doação com reserva de usufruto e cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade referente ao imóvel objeto da matrícula nº 10.449 aquela serventia.

O apelante alega, preliminarmente, nulidade da sentença por falta de fundamentação e motivação. No mérito, suscita, em resumo, que não há óbice ao registro da escritura de doação com reserva de usufruto e cláusulas restritivas. Ataca o óbice registrário fundado no disposto no artigo 32, §5º, da Lei 4.591/64 porque a incorporação no imóvel é evento futuro e incerto e as cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade não têm caráter absoluto e podem ser flexibilizadas. Diz também que a manutenção dos ônus nos imóveis que vierem a ser atribuídos aos donatários em caso de ser realizada a incorporação imobiliária no imóvel doado não importa repristinação das cláusulas restritivas nem oneração de imóvel de terceiro porque o imóvel é o mesmo e enquanto não realizado o registro da doação, não passa ao patrimônio dos donatários. Pede, portanto, a reforma da sentença e o ingresso do título no fólio real (fls. 64/72).

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 99/102).

A matrícula do imóvel e a escritura de doação foram juntadas a fls. 108/113 e 114/116, em atendimento à decisão de fls. 104.

É o relatório.

Afasta-se, desde logo, o pedido de decretação da nulidade da sentença porque, ainda que de forma sucinta, está fundamentada.

Superado o ponto, a r. sentença não deve prevalecer.

Os recorrentes postularam ao Registrador de Imóveis da Comarca de Votuporanga o ingresso no fólio real da escritura pública de doação com reserva de usufruto, cláusulas de impenhorabilidade, inalienabilidade e incomunicabilidade, lavrada em 21 de dezembro de 2023, a fls. 379/381, do Livro nº 895, pelo 1º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da mesma Comarca (fls. 114/116), em que figuraram como doadores o ora apelante e sua esposa, Alcina Silva Gossn, e como donatários, seus filhos, Solange Gossn e Miguel João Gossn Filho, tendo como objeto a fração correspondente a 50% do imóvel matriculado sob nº 10.449 daquela Serventia.

Da escritura constou a doação com reserva de usufruto e a imposição das cláusulas de impenhorabilidade, inalienabilidade e incomunicabilidade, nos seguintes termos:

“(…) Os doadores, Miguel João Gossn e Alcina Silva Gossn, legítimos proprietários da referida parte ideal correspondente a 50% do imóvel da matrícula n. 10.449 acima descrito e discriminado, (…) doam, como de fato doado tem, a NUA PROPRIEDADE para os outorgados donatários, seus filhos, SOLANGE GOSSN e MIGUEL JOÃO GOSSN FILHO, (…) reservando para si, em caráter gratuito e vitalício o USUFRUTO VITALÍCIO do imóvel, de forma que os outorgados donatários não poderão obstar o uso da coisa usufruída, nem lhe diminuir a utilidade, respeitando o uso e a fruição dos doadores (ora usufrutuários) na vigência do usufruto, (…) DAS CONDIÇÕES: os outorgantes doadores impõem à presente doação as condições das cláusulas de IMPENHORABILIDADE, INALIENABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE, vitalícias, ficando excepcionalmente autorizado que no caso de morte dos doadores as cláusulas restritivas poderão serem canceladas se esse imóvel for objeto de registro de incorporação, instituição e especificação de condomínio especial, nos termos da lei 4.591/64 (construção de edifício) liberando assim, livremente a alienação das frações ideais aos adquirentes formadores do condomínio especial, ficando estabelecido que as frações que couberem aos donatários serão obrigatoriamente constituídas pelas unidades de natureza comercial, as quais continuarão gravadas com todas as cláusulas impostas nesta escritura. Os outorgantes doadores, Miguel João Gossn e Alcina Silva Gossn, sob suas inteiras responsabilidades especialmente declaram: (i) que os outorgados donatários são seus filhos; (ii) que o imóvel objeto da presente doação faz parte da parte disponível de seu patrimônio, dispensando expressamente que o imóvel seja levado à colação no momento do falecimento de um ou ambos doadores, sendo que os doadores atestam que esta doação não se trata de antecipação de herança, dispensando da colação, pois advém da parte disponível (…)” (fls. 115).

O registro foi negado pelo Oficial por mais de uma vez, constando da última nota devolutiva nº 259.428 (fls. 42), a seguinte exigência:

“A norma do artigo 32, § 5º, da Lei n. 4.591/64, não permite o registro da incorporação imobiliária sobre o imóvel doado com a cláusula de inalienabilidade.

A impossibilidade do registro de eventual incorporação imobiliária, deveras, não impede o registro da doação com as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. No entanto, não é possível extratar do título somente o que comporta registro (a doação com as cláusulas restritivas), afastando-se aquilo que não puder ser registrado (as condições e a hipótese de sub-rogação de vínculo). O princípio registrário da cindibilidade não se presta a sanar vícios dos títulos, que, quando ocorrem, devem ser corrigidos (CSM, Apelação n. 1022765-36.2023.8.26.0100).

A autorização dada pelos doadores de cancelamento das cláusulas restritivas, caso o imóvel doado seja objeto de incorporação imobiliária, impede, por consequência lógica, a sub-rogação pretendida (as cláusulas, uma vez canceladas, não poderão mais ser transportadas em sub-rogação). Além disso, nos termos do artigo 1.848, § 2º, do Código Civil, e artigo 725, II, do Código de Processo Civil, a sub-rogação depende de apreciação judicial.

É sabido que as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade podem ser impostas não apenas em testamento (atos causa mortis), mas, também, em doações (atos inter vivos). Logo, é consabido que o artigo 1.848, § 2º, localizado no Livro do Direito das Sucessões do Código Civil, aplica-se às doações (CSM, Apelação nº 1036521- 30.2014.8.26.0100)”.

Os óbices, todavia, devem ser afastados.

A doação de 50% da nua propriedade do imóvel foi gravada com as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Todavia, os doadores também pretenderam excepcionalmente autorizar, em caso de suas mortes, o cancelamento das cláusulas restritivas se o imóvel vier a ser objeto de registro de incorporação, instituição e especificação de condomínio especial, nos termos da Lei nº 4.591/64, liberando a alienação das frações ideais aos adquirentes formadores do condomínio especial, estabelecido, porém, que as frações que couberem aos donatários em permuta com o incorporador serão obrigatoriamente constituídas pelas unidades de natureza comercial, as quais continuarão gravadas com todas as cláusulas restritivas impostas na escritura.

Não se trata, portanto, de simples escritura de doação da nua propriedade de parte ideal de imóvel, com reserva de usufruto, e com as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade.

A escritura contém outras manifestações de vontade que modulam as cláusulas restritivas, prevendo hipóteses de cancelamento e de sub-rogação, e todas elas devem ser levadas em consideração na oportunidade de sua qualificação.

No entender do Oficial, “não é possível extratar do título somente o que comporta registro (a doação com as cláusulas restritivas), afastando-se aquilo que não puder ser registrado (as condições e a hipótese de sub-rogação de vínculo)” (fls. 42).

Com efeito, o título não comporta cisão. Se for deferido o ingresso da escritura pública no registro imobiliário, isso significa que as modulações das cláusulas restritivas são licitas.

E diversamente do que entendeu o Registrador, o título está apto para ingressar no fólio real, pois a modulação das cláusulas restritivas se encontram nos limites do princípio da autonomia privada e não violam normas proibitivas cogentes.

Sabido que os bens testados ou doados – ou seja, negócios gratuitos – pode ser gravados com a cláusula de inalienabilidade, que retira do herdeiro, legatário ou donatário, a faculdade de dispor da coisa.

Nos termos do artigo 1.911 do Código Civil, “A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade”.

Nos dizeres de Carlos Alberto Dabus Maluf:

“Com efeito, dentro do direito de propriedade, temos o jus utendi, o jus fruendi e o jus abutendi, ou seja, o direito de usar, de gozar e de dispor da coisa e, ainda, o direito de seqüela. Ora, o Testador ou doador, ao gravar os bens com essas cláusulas restritivas (o autor fala das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade), impede que o herdeiro, legatário ou donatário possam livremente dispor de seus bens.

Dir-se-ia que têm eles o domínio limitado da propriedade, podendo usar e gozar, mas não podendo dispor da coisa”. (Cláusulas de Inalienabilidade, Incomunicabilidade e Impenhorabilidade, 4ª edição revista e atualizada, Editora Revista dos Tribunais, 2006, pág. 09).

A cláusula de inalienabilidade, embora omissa a lei, pode ser absoluta ou relativa, no que se refere à sua extensão e efeitos.

Para o autor mencionado:

“Absoluta: o testador, ou doador, proíbe a alienação de todos os bens, a quem quer que seja. Não perde essa característica, se restrita a um ou a alguns bens, por ser sua nota distintiva a impossibilidade de disposição a qualquer título.

Relativa: quanto é permitida a alienação a determinadas pessoas, ou restrita a certos bens da herança. Nesta hipótese derradeira, poder-se-ia dizer que ela é parcial, levando-se em consideração a quota hereditária” (fls. 47).

Nada impede, ainda,que a inalienabilidade diga respeito a determinados tipos negociais, mas não a outros. Como a nota distintiva da cláusula de inalienabilidade absoluta é a impossibilidade de dispor do bem a qualquer título, será relativa a cláusula de inalienabilidade que permita a alienação do bem nas hipóteses antevistas pelo testador ou doador.

Nada impede, portanto, que o testador ou o doador institua a cláusula de inalienabilidade sobre o bem testado ou doado para tipos contratuais de venda ou de doação, mas crie exceção, como ocorreu no caso concreto, para a hipótese de ser objeto de incorporação imobiliária de que trata a Lei 4.591/64 com a finalidade de instituição de condomínio edilício do art. 1.332 do Código Civil.

Estar-se-á instituindo uma cláusula relativa de inalienabilidade, perfeitamente admissível, sem qualquer ofensa a norma cogente.

É o que ocorre no caso concreto. O imóvel não pode ser alienado, salvo se em negócio que tenha por finalidade incorporação imobiliária e posterior instituição de condomínio edilício do art. 1.332 do Código Civil.

Em outros termos, as cláusulas restritivas previstas no art. 1.911 do Código Civil podem ser moduladas. Nada impede que o testador ou o doador preveja cláusulas limitadas a determinados tipos negociais, mas não a outros, como é a situação dos autos.

Em termos ainda mais simples, se o imóvel vier a ser alienado para fins de incorporação imobiliária, as cláusulas restritivas cairão.

Assim, o Oficial não tem razão quando suscita que o artigo 32, §5º, da Lei 4.591/64 não permite o registro de incorporação imobiliária sobre o imóvel doado com a cláusula de inalienabilidade. Isso porque o doador, ao instituir as cláusulas restritivas, já manifestou vontade de que elas não persistam na hipótese a alienação do imóvel com a finalidade de incorporação, instituição e especificação de condomínio especial.

O óbice referente ao disposto no artigo 32, §5º, da Lei 4.591/64, portanto, não prevalece.

Resta, ainda, o segundo óbice.

O empeço foi delineado em razão da vontade do doador de que, caso o imóvel gravado seja alienado para fins de incorporação imobiliária, mediante permuta por unidades autônomas futuras comerciais, sejam elas gravadas pelas cláusulas restritivas em sub-rogação.

Assim se manifestou o Oficial: “a autorização dada pelos doadores de cancelamento das cláusulas restritivas, caso o imóvel doado seja objeto de incorporação imobiliária, impede, por consequência lógica, a sub-rogação pretendida (as cláusulas, uma vez canceladas, não poderão mais ser transportadas em sub-rogação). Além disso, nos termos do artigo 1.848, § 2º, do Código Civil, e artigo 725, II, do Código de Processo Civil, a sub-rogação depende de apreciação judicial” (fls. 42).

Contudo, o segundo óbice igualmente não se sustenta e pela mesma razão que afastou o primeiro empecilho.

A propriedade enfeixa os poderes de usar, gozar, dispor e reivindicar o bem de quem injustamente o detenha e, no que se refere à disposição, o proprietário que tenciona doar algum bem com a imposição de cláusula restritiva, pode, desde logo, prever hipótese de sub-rogação.

Tudo se insere no seu poder de disposição da coisa e na possibilidade de impor claúsula restritiva relativa.

Na espécie, o doador determina que, caso o imóvel doado seja permutado por unidades autônomas futuras comerciais, serão estas gravadas pelas cláusulas restritivas em sub-rogação.

A vontade do doador, manifestada numa única oportunidade e que não pode ser cindida, é pela doação da parte ideal do imóvel, com cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, mas com seu cancelamento na hipótese de alienação para incorporação, especificação e instituição de condomínio especial de que trata a Lei 4.591/64, prevendo-se a sub-rogação da cláusula nas unidades autônomas comerciais que vierem a ser atribuídas aos donatários.

Não haverá propriamente cancelamento e posterior renascimento das cláusulas sobre as unidades futuras. Na verdade, haverá simples sub-rogação, mediante transferência do vinculo que grava o imóvel para as unidades autônomas recebidas em permuta com o incorporador.

Aliás, se pode o doador prever no próprio título o mais, ou seja, as hipóteses de cancelamento, pode também o menos, ou seja, as hipóteses e finalidades de sub-rogação. Tal possibilidade foi objeto de judicioso parecer de Francisco Campos, em judicioso parecer publicado na Revista Forense vol 194, p. 57, citado por Carlos Alberto Dabus Maluf em sua monografia acima citada (pgs, 72/73).

Registrado o contrato de permuta ou de promessa de permuta, hoje com expressa previsão no art. 167 da L. 6.015/73, o vinculo será sub-rogado do imóvel objeto da incorporação para as unidades futuras. Se o registro do negócio de promessa de permuta é admitido, juntamente com ele haverá a sub-rogação das cláusulas restritivas.

A alegação de que a sub-rogação só pode se dar mediante autorização judicial não justifica a recusa do Oficial pelo mero fato de que a determinação de sub-rogação já foi estabelecida pelo doador, o que dispensa, à evidência, autorização judicial.

A autorização judicial só tem razão de ser para preservar a vontade do testador ou do doador, mas se o consentimento já foi clara e expressamente manifestado no momento da instituição da restrição, ,não há que se invocar o disposto no artigo 1.848, §2º, do Código Civil para impedir o ingresso do título no fólio real.

Não se alegue ofensa ao princípio da continuidade sob assertiva de que o doador estaria impondo cláusula restritiva em bem que não mais lhe pertence. Na verdade, a vontade do doador foi única e tão somente antever situação em que as cláusulas restritivas impostas seria levantada, assim como de desde logo reger a sub-rogação do imóvel.

Não há imposição de gravame sobre imóvel que não mais pertence ao doador. Há, sim, sub-rogação das restrições do imóvel original para as unidades autônomas recebidas em permuta.

Levantando-se os óbices, a escritura pública de doação em apreço está apta para ingressar no registro imobiliário.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação, julgando a dúvida improcedente e afastando os óbices registrários para que o título seja registrado no fólio real.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 25.02.2025 – SP)

Fonte: DJE

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