Nova norma, em tramitação no Senado, permite a exclusão de cônjuges e filhos da sucessão e inclui bens digitais no patrimônio; entenda

No final de janeiro, começou a tramitar no Senado Federal a proposta de reforma do Código Civil brasileiro, o arcabouço regulatório que estabelece normas sobre propriedade, família, sucessões e responsabilidade civil.

Com a reforma, o Congresso avalia a alteração ou revogação de 897 artigos e a inclusão de 300 novos dispositivos. O Código atual, em vigor desde 2002, conta com 2.063 normas. Ele substituiu a versão de 1916, considerada ultrapassada – nela, por exemplo, o marido podia anular o casamento se descobrisse que a esposa não era virgem, e os homens eram proibidos de adotar o sobrenome da companheira.

Embora tenha promovido avanços significativos em relação a sua versão anterior, o Código de 2002 já contém dispositivos considerados defasados. Por isso, a proposta de reforma, elaborada por uma comissão de juristas e formalizada pelo ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) como a PL nº 4/2025, é vista como um passo necessário.

“De modo geral, a reforma do Código Civil representa um avanço, pois moderniza normas que se tornaram obsoletas ao longo do tempo e incorpora disposições para regulamentar situações não previstas anteriormente”, diz Ana Clara Fernandes, advogada do Briganti e especialista em Direito de Família e Sucessões.

Uma das principais mudanças propostas trata da sucessão de bens. O projeto deixa de considerar o cônjuge como “herdeiro necessário”, categoria que garante direito a uma parte obrigatória da herança. Com isso, ele só poderá herdar nos casos previstos pela nova legislação, independentemente do regime de bens do casamento. Hoje, a lei classifica como herdeiros necessários os descendentes (filhos, netos, bisnetos), os ascendentes (pais, avós, bisavós) e o cônjuge.

Se a mudança for aprovada, a regra ficará assim: no regime de comunhão parcial de bens, em que apenas o que for adquirido durante o casamento é compartilhado, o cônjuge continua tendo direito à sua parte, mas só pode ser herdeiro se não houver filhos ou pais do falecido. Já na separação total de bens, quando cada um mantém seu patrimônio individual, ele só recebe herança se não houver outros herdeiros diretos.

“Se todo o patrimônio do casal for adquirido durante o casamento e não houver bens individuais, o cônjuge sobrevivente terá direito à sua parte, mas não será considerado herdeiro junto com os filhos”, explica Fernandes. “A norma atual exigia que, mesmo em casamentos sob o regime de separação total de bens, os cônjuges participassem da sucessão um do outro, mesmo que tivessem mantido patrimônios totalmente separados.”

O projeto também extingue o regime de participação final nos aquestos, no qual cada cônjuge administra seus bens de forma independente durante o casamento, mas, em caso de divórcio, divide com o ex-cônjuge o patrimônio adquirido ao longo da união. No lugar desse modelo, a proposta permite que os casais criem regras próprias para a divisão de bens.

Para os juristas, a nova regra segue práticas internacionais e não deve gerar insegurança patrimonial. “Sempre há riscos de questionamentos. Disputas entre herdeiros em inventários são comuns, devido a interpretações diferentes”, afirma Gabriela de Andrade, advogada do escritório Abe Advogados. “A melhor forma de evitar conflitos é fazer um planejamento sucessório, definindo a destinação do patrimônio e criando regras claras para a sucessão.”

Exclusão de filhos

O texto também estabelece que podem ser removidos da sucessão os herdeiros que “deixaram de prestar assistência material ou incorreram em abandono afetivo voluntário e injustificado contra o autor da herança”.

A deserdação de filhos ocorre quando se entende que eles abandonaram os pais, diante das seguintes situações:

  • Ofensa à integridade física ou psicológica do autor da herança;
  • Desamparo material;
  • Abandono afetivo voluntário e injustificado de ascendente por descendente, e vice-versa.

Bens digitais

A reforma também reconhece expressamente que bens digitais com valor econômico – como senhas, perfis em redes sociais, vídeos e fotos – fazem parte da herança do falecido. No entanto, mensagens privadas não poderão ser acessadas pelos herdeiros, a menos que haja uma autorização expressa do falecido por testamento ou por meio de decisão judicial.

No âmbito da herança digital, o projeto permite que testamentos sejam feitos por gravação em vídeo. “O projeto visa modernizar a legislação, incorporando tecnologias que facilitam a sucessão”, afirma Andrade, do Abe Advogados.

Também é prevista a possibilidade de testamento conjuntivo, em que cônjuges ou conviventes podem elaborar um único testamento, seja em documento escrito ou gravação.

Além disso, a nova legislação exige que materiais genéticos armazenados em bancos especializados tenham sua destinação definida em testamento, com autorização ou proibição para uso após a morte.

Fonte: Veja

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