A reforma tributária incorpora a sustentabilidade como diretriz central, tornando o ESG pré-requisito para incentivos e vantagem competitiva

A reforma tributária brasileira não se limitou à técnica, mas estabeleceu uma nova visão sobre o papel da tributação na construção de um país mais sustentável. A questão ambiental foi incorporada não como exceção, mas como norma. E essa normatividade tem efeitos práticos que já começam a se desenhar. Aqueles que entenderem isso agora sairão na frente.

Essa nova racionalidade fiscal exige uma mudança de postura. O discurso ambiental, antes muitas vezes tratado como apêndice reputacional, passa a ocupar o centro das decisões tributárias e estratégicas. O que antes era visto como custo ou simples obrigação regulatória agora se converte em oportunidade concreta de criação de valor econômico, redução de carga fiscal e acesso prioritário a fundos públicos e regimes favorecidos.

Enquanto a atenção de empresas e consultorias tributárias segue voltada aos detalhes operacionais da reforma, como a substituição de tributos por CBS e IBS, as regras de transição, a não-cumulatividade plena e os regimes específicos, uma transformação estrutural vem sendo largamente negligenciada, em vista da constitucionalização da proteção ambiental como diretriz permanente da política tributária brasileira.

Com a EC 132/23, o Brasil não só reformou sua matriz tributária. Reescreveu seus fundamentos. Ao incluir o novo §3º no art. 145 da CF, o texto deixa claro que a tributação nacional deve observar, entre outros princípios, o da defesa do meio ambiente. Trata-se de uma inflexão que gera impactos significativos para a rentabilidade das empresas nacionais. Pela primeira vez, a proteção ambiental deixa de ser um elemento acessório e passa a integrar a espinha dorsal do sistema tributário, com efeitos normativos imediatos e impactos relevantes no dia a dia das empresas, tornando-se a verdadeira razão de ser das normas tributárias no campo ambiental, que deixam de operar apenas com base em critérios como essencialidade e seletividade, como tradicionalmente vinha ocorrendo até recentemente.

Essa mudança de paradigma, no entanto, ainda não repercutiu como deveria no meio empresarial. Muitos seguem avaliando os impactos da reforma sob a ótica tradicional da eficiência fiscal e da necessária alteração do sistema de cálculo e apuração dos tributos, ignorando que os mecanismos de incentivos e benefícios como hoje se conhece estão com os dias contados. A concessão de regimes especiais com base em critérios setoriais, políticos ou regionais será progressivamente extinta e substituída por modelos condicionados a desempenho ambiental e relevância socioeconômica mensurável.

O novo marco constitucional já prevê instrumentos concretos para impulsionar uma virada verde na tributação. Ele autoriza, por exemplo, a criação de alíquotas reduzidas no novo imposto sobre o consumo para atividades que gerem impacto ambiental positivo. Também permite o tratamento favorecido na contribuição sobre bens e serviços para setores ligados ao interesse público, como reciclagem, reflorestamento e economia circular. Além disso, abre espaço para um imposto seletivo com finalidade extrafiscal, voltado à desincentivação de produtos ou serviços poluentes. Por fim, atrela benefícios regionais e repasses de fundos públicos à adoção de critérios objetivos de sustentabilidade e redução de emissões, conectando política fiscal e responsabilidade ambiental de forma inédita no texto constitucional.

Embora boa parte dessas normas dependa de regulamentação por lei complementar, o que naturalmente exige tempo e debate, outras já são de eficácia plena. O próprio art. 145, §3º, é um exemplo: como norma principiológica, ele já pode e deve ser utilizado para fundamentar interpretações tributárias, condutas empresariais e estratégias fiscais ancoradas na sustentabilidade. O mesmo vale para o art. 19 da EC, que restringe incentivos fiscais no setor automotivo apenas a veículos elétricos ou híbridos abastecidos com biocombustíveis, dispositivo autoaplicável, já em vigor.

Mais importante, porém, é compreender a lógica que orientará o novo sistema. As futuras leis complementares que regulamentarão o IBS, a CBS e o Imposto Seletivo não partirão do zero. Elas refletirão os princípios já fixados pela EC 132 e, como é praxe em modelos de incentivo com base em desempenho, os critérios de enquadramento tenderão a considerar não apenas planos futuros, mas o histórico ambiental das empresas.

Isso significa que a atuação preventiva se torna ainda mais relevante. As empresas que já adotarem comprovadamente boas práticas, estruturarem projetos sustentáveis e integrarem a lógica ESG às suas operações estarão em posição mais favorável quando vier a regulamentação. O histórico de práticas anteriores será um diferencial real. E quem deixar para agir apenas depois da regulamentação legal pode não preencher os requisitos para obter o benefício, ou simplesmente chegar tarde demais, perdendo competitividade.

Além disso, é importante lembrar que o modelo de incentivos fiscais como conhecemos hoje está sendo descontinuado. A EC 132 determinou prazos para a extinção de benefícios concedidos fora da nova estrutura, como os relacionados ao ICMS, ao IPI e aos regimes especiais setoriais. Os novos estímulos fiscais estarão vinculados a critérios objetivos, com ênfase em impacto ambiental positivo, eficiência energética e redução de emissões. O compliance ambiental será, além de desejável, exigido como pré-condição para qualquer vantagem tributária relevante.

É nesse contexto que o ESG, sigla tantas vezes desgastada por seu uso retórico ou meramente simbólico, precisa ser resgatado com seriedade. Não se trata mais apenas de reputação. Trata-se de reconhecê-lo como uma ferramenta concreta de gestão empresarial, capaz de alinhar estratégia, risco e valor em um novo ambiente regulatório. Incorporar critérios ambientais, sociais e de governança não é só um modismo. É, ao contrário, cada vez mais, uma condição para competir, prosperar e acessar os benefícios fiscais que, em breve, estarão reservados a quem tratar a sustentabilidade com a seriedade que ela passou a ter.

Fonte: Migalhas

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