É inquestionável que a Usucapião Extrajudicial como alternativa para a regularização de imóveis, introduzida pelo CPC/2015 e detalhada pela Lei de Registros Públicos, representa um avanço na desjudicialização (ou extrajudicialização) de procedimentos, contudo, um cenário frequente pode ainda gerar dúvidas: a descoberta de que o proprietário (ou mesmo quaisquer dos titulares de direitos registrados ou averbados) que consta na matrícula do imóvel é falecido. Tal fato, entretanto, não deve representar um IMPEDIMENTO ao prosseguimento da Usucapião em Cartório, mas sim a necessidade de direcionar corretamente as notificações, conforme as regras estabelecidas pelo Provimento nº 149/2023 do Conselho Nacional de Justiça que regulamenta o procedimento atualmente em substituição ao revogado Provimento CNJ 65/2017.
É importante não esquecer que por conta do “princípio da saisine”, com o falecimento, todo o patrimônio deixado pelo “de cujus” é imediatamente transmitido aos seus herdeiros, ainda que esses desconheçam tanto o falecimento quanto a existência de bens/herança. Nesse diapasão, a legitimidade para se manifestar sobre a Usucapião e eventualmente defender o patrimônio deixa de ser do titular registral e passa a ser de seus sucessores. O procedimento extrajudicial, portanto, não deve ser interrompido pelo fato da descoberta do falecimento dos titulares registrais, mas adaptado para garantir que os novos detentores de direitos sobre o bem sejam devidamente cientificados. Nesse sentido o Provimento regulatório:
“Art. 409. Na hipótese de algum titular de direitos reais e de outros direitos registrados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula do imóvel confinante ter falecido, poderão assinar a planta e memorial descritivo os herdeiros legais, desde que apresentem escritura pública declaratória de únicos herdeiros com nomeação do inventariante”.
Na hipótese de os herdeiros serem desconhecidos ou se encontrarem em local incerto e não sabido, a legislação prevê a notificação por EDITAL. Esta medida de exceção (que deve ser adotada apenas quando esgotados os outros meios para identificar e localizar os herdeiros, no caso) assegura que, mesmo após esgotadas as tentativas de localização pessoal dos sucessores, o procedimento possa ter continuidade, garantindo a publicidade do ato e a oportunidade de manifestação a eventuais interessados que tomem conhecimento da publicação.
Portanto, o falecimento do titular registral não deve inviabilizar a usucapião extrajudicial, não devendo ser esse problema motivo para a remessa da pretensão para a VIA JUDICIAL. O procedimento pode e deve seguir em Cartório, desde que o requerente cumpra diligentemente as etapas para a correta notificação dos sucessores, inclusive ESGOTANDO as providências para tentar identificar e localizar herdeiros de titulares de direitos registrados/averbados na matrícula, sendo importante destacar que essa providência é do interessado, assessorado por seu Patrono. Que na hipótese de serem infrutíferas as notificações aos herdeiros eventualmente identificados e localizados – ou mesmo quando não localizados – o procedimento extrajudicial deve seguir com ciência inequívoca dos interessados, devidamente alertados, para a etapa da citação editalícia.
POR FIM, resta consignar que por certo haverá casos onde a complexidade do caso concreto exigirá a adoção da via judicial para o reconhecimento da Usucapião. Nesse caso, efetivamente outro caminho não deverá ser adotado senão a via judicial que, sabidamente, detém maior envergadura para superar esses e muitos outros impasses que, pelo menos sob a atual regulamentação, a via extrajudicial não consegue resolver. Ilustrando bem a questão, recente decisão do TJSP:
“TJSP. 10041096520238260606. J. em: 10/04/2025. REGISTRO DE IMÓVEIS. USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL. IDENTIFICAÇÃO E NOTIFICAÇÃO DE HERDEIROS DO PROPRIETÁRIO TABULAR. RECURSO NÃO PROVIDO. I. Caso em Exame 1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente dúvida em procedimento de usucapião extrajudicial de imóvel, mantendo exigência de apresentação de qualificação completa dos herdeiros do titular de domínio para fim de notificação. II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão diz respeito à amplitude das medidas cabíveis no âmbito do procedimento administrativo de usucapião extrajudicial para a localização de herdeiros do titular do domínio com a finalidade de notificação. III. Razões de Decidir 3. A notificação dos herdeiros é indispensável para garantir o contraditório e a ampla defesa, incumbindo à parte interessada identificação e localização. 4. Diligências que demandam acionamento de outros órgãos são incompatíveis com a via extrajudicial. IV. Dispositivo e Tese 5. Recurso não provido. Tese de julgamento: “A notificação dos herdeiros é obrigatória no procedimento de usucapião extrajudicial, o qual não comporta pesquisas que demandam intervenção judicial” (…)”.
Fonte: Julio Martins


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