O termo imóvel foreiro ainda causa muitas dúvidas, mesmo entre profissionais do direito e do mercado imobiliário. Originário de um antigo instituto jurídico chamado “enfiteuse”, esse tipo de propriedade possui uma estrutura peculiar de “dupla titularidade”, que impacta diretamente questões como herança, aquisição e venda. No regime enfitêutico, o domínio do imóvel é dividido: há o domínio direto, pertencente ao senhorio (que pode ser a União, um Município ou até mesmo uma pessoa física ou entidade privada, como a Igreja), e o domínio útil, que pertence ao foreiro. Este último tem o direito de usar, gozar e dispor do imóvel de forma perpétua, mediante o pagamento de uma taxa anual denominada “foro”.

Uma das questões mais recorrentes é se o imóvel foreiro entra no Inventário, com o falecimento do senhorio. A resposta é afirmativa. O que se transmite aos herdeiros não é a propriedade plena, mas sim o domínio útil e todos os direitos a ele associados. Este direito (direito real de uso de coisa alheia) possui valor econômico e, como tal, deve ser arrolado no processo de inventário e partilhado entre os sucessores do foreiro falecido. Os herdeiros, ao receberem o domínio útil, assumem também a obrigação de continuar pagando o foro anual ao senhorio direto, mantendo a relação jurídica original.

No que tange à Usucapião de imóvel foreiro, a matéria exige distinção. Não é possível usucapir o domínio direto pertencente a um ente público, como a União nos “terrenos de marinha”, uma vez que bens públicos são insuscetíveis de apropriação por usucapião, conforme vedação constitucional e legal (Art. 183, § 3º, CF/88 e Art. 102, CC). Contudo, a jurisprudência admite a possibilidade de um terceiro usucapir o domínio útil de outro foreiro, ou seja, a posse exercida com “animus domini” recai sobre os direitos do enfiteuta, e não sobre a propriedade do senhorio direto. Não por outra razão não devemos descartar a proposta de Usucapião de imóvel de Marinha, por exemplo, sem antes analisar os detalhes do caso – sendo certo que esse tipo de Usucapião também pode ser manejado na via Extrajudicial.

É oportuno sempre recordar, quando se tratar de Usucapião de Imóvel Foreiro que:

“1. Usucapião de Domínio Útil: Só será possível se o imóvel público estiver em regime de aforamento/enfiteuse. É impossível em regime de ocupação.

2. O “aforamento” é um contrato que transfere o domínio útil ao particular, que paga um foro anual. A propriedade é dividida (domínio direto e domínio útil). A “ocupação” confere posse oriunda de mera permissão de uso, precária e unilateral. O particular paga uma “taxa de ocupação” mas não possui o domínio útil.

3. Efeito da Usucapião no Aforamento: A decisão judicial oriunda do processo de Usucapião (ou o reconhecimento, se feito pela via extrajudicial) não atinge a propriedade (domínio direto) da União. Ela apenas substitui o antigo enfiteuta (o “quase dono”) pelo novo (o usucapiente).

4. A usucapião só pode adquirir um direito que já existe. Para usucapir o domínio útil, é essencial que ele já tenha sido criado por um contrato de aforamento.

5. Se, por exemplo, um terreno de marinha estiver em regime de ocupação, não haverá domínio útil em nome de particular a ser adquirido por usucapião.”

A aquisição de um imóvel foreiro por meio de compra e venda é perfeitamente possível, mas envolve uma obrigação crucial: o pagamento do “laudêmio”. O laudêmio é uma taxa (geralmente fixada entre 2,5 a 5%) sobre o valor atualizado do imóvel (excluídas as benfeitorias), que o foreiro (vendedor) deve pagar ao senhorio direto como uma compensação pela sua “preferência” na alienação. Na prática, embora a obrigação legal seja do vendedor, o custo é frequentemente repassado ao comprador na negociação. A ausência de pagamento do laudêmio pode acarretar a nulidade da transação.

Apesar de o Código Civil de 2002 ter proibido a constituição de novas enfiteuses (art. 2.038), as já existentes foram mantidas, criando um cenário jurídico complexo e repleto de particularidades. Existe o instituto da “remição do foro”, que consiste na compra do domínio direto pelo foreiro, unificando a propriedade. Este procedimento, quando disponível, extingue a enfiteuse e transforma o foreiro em proprietário pleno, sendo uma alternativa estratégica para regularizar definitivamente o imóvel e eliminar as obrigações de foro e laudêmio.

Diante das especificidades que envolvem o foro, o laudêmio, a divisão de domínios e as restrições à usucapião, é imperativo que qualquer transação, inventário ou ação judicial envolvendo um imóvel foreiro seja conduzida com o auxílio de um Advogado Especialista em Direito Imobiliário. A análise documental criteriosa e o conhecimento técnico aprofundado são essenciais para garantir a segurança jurídica da operação, evitar prejuízos financeiros e assegurar a correta transferência de direitos, prevenindo litígios futuros.

Fonte: Julio Martins

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