A existência de um gravame de usufruto na matrícula de um imóvel levanta uma dúvida crucial e tecnicamente complexa: é possível regularizar a propriedade por meio da usucapião? A resposta direta é sim, é juridicamente possível, mas o sucesso da empreitada depende de uma análise rigorosa sobre quem está pleiteando a usucapião e qual a natureza de sua posse. O usufruto, por si só, não torna o bem insuscetível de ser usucapido (e nem mesmo inalienável, como já falamos aqui), mas cria um cenário jurídico onde os requisitos legais devem ser demonstrados de forma ainda mais contundente.
O cerne da questão está no conceito de posse com “animus domini” (ânimo de dono), que é a pedra angular da Usucapião. O usufruto divide a propriedade em duas figuras: o “nu-proprietário”, que detém o título, mas não o uso e gozo do bem, e o “usufrutuário”, que tem o direito de possuir, usar e fruir do imóvel. Por definição, a posse do usufrutuário não é uma posse com ânimo de dono, pois ela deriva de um direito real específico concedido pelo proprietário. Ele possui o bem ciente de que não é o dono da totalidade, e sua posse, a princípio, não serve para usucapir contra o nu-proprietário.
Contudo, a jurisprudência e a doutrina admitem uma exceção a essa regra por meio do fenômeno da “interversão do caráter da posse”. Para que o próprio usufrutuário possa usucapir o imóvel, ele precisa provar que, em um determinado momento, sua posse deixou de ser a de um mero usufrutuário e se transformou em uma posse exclusiva, plena e com oposição direta ao direito do nu-proprietário. A comprovação da interversão da posse é por vezes bem complexa e dificultosa. Isso exige demonstrar atos inequívocos e públicos de que ele passou a se comportar como o único e absoluto dono, e que o nu-proprietário, ciente disso, permaneceu inerte durante todo o lapso temporal exigido para a usucapião.
Um cenário mais simples ocorre quando um “terceiro”, que não é nem o nu-proprietário nem o usufrutuário, ocupa o imóvel. Neste caso, bem diferente, a posse desse terceiro é adversa e se opõe aos direitos de ambos. Se esse possuidor preencher todos os requisitos legais de tempo, posse mansa, pacífica e com ânimo de dono, ele poderá ajuizar a Ação de Usucapião. Se procedente, a sentença judicial declarará sua propriedade plena, sepultando e extinguindo tanto o direito do nu-proprietário quanto o gravame do usufruto, consolidando todos os poderes da propriedade em nome do usucapiente.
A via extrajudicial, realizada em Cartório, também é uma possibilidade, mas o desafio é ainda maior. O Oficial do Registro de Imóveis, ao se deparar com um gravame de usufruto, agirá com extrema cautela. Assim como acontece na via judical, o Registrador também será obrigado por lei a notificar tanto o nu-proprietário quanto o usufrutuário que constam na matrícula. A apresentação de uma impugnação fundamentada por qualquer uma das partes levará ao arquivamento imediato do procedimento extrajudicial, forçando o requerente a buscar a via judicial para resolver o conflito, onde um juiz poderá analisar as provas em profundidade.
Portanto, o só fato de um gravame de Usufruto ilustrar a matrícula imobiliária não deve representar a impossibilidade da Usucapião, porém, a viabilidade da regularização por essa via, considerando um imóvel gravado com usufruto é uma questão complexa, que exige uma análise factual e probatória minuciosa. A consulta a um Advogado Especialista em Direito Imobiliário e Usucapião é absolutamente indispensável antes de iniciar qualquer procedimento. Este profissional irá analisar a origem e a natureza da posse, a robustez das provas existentes e o cenário registral para determinar a estratégia mais adequada, seja ela extrajudicial ou judicial, maximizando as chances de sucesso e evitando gastos desnecessários de tempo e recursos.
Fonte: Julio Martins


Deixe um comentário