Processo 1109985-04.2025.8.26.0100
Espécie: PROCESSO
Número: 1109985-04.2025.8.26.0100
Processo 1109985-04.2025.8.26.0100 -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –
Dúvida – Registro de Imóveis – Antonio Carlos Baptistuta Lopes – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: BRUNO LUIZ MALVESE (OAB 326142/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo nº: 1109985-04.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 6º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Suscitado: Antonio Carlos Baptistuta Lopes
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo 6º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Antônio Carlos Baptistuta Lopes, diante de negativa em se proceder ao registro de escritura pública de inventário e sobrepartilha envolvendo os imóveis objetos da transcrição n. 9.227 daquela serventia.
O Oficial informa que o título consiste em escritura pública de inventário e sobrepartilha lavrada pelo 1º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de São Caetano do Sul em 22/02/2024 (livro 876, fls. 003/010), referente aos inventários e à sobrepartilha dos bens deixados em razão do falecimento de Pedro Hernandes Lopes (falecido em 29/07/2010) e de Neide Baptistuta Lopes (falecida em 25/01/2024), tendo por objeto, entre outros bens, partes ideais dos imóveis transcritos sob o n. 9.227 da serventia; que referida escritura já foi prenotada em diversas oportunidades, mas sempre devolvida com as mesmas exigências; que o título foi reapresentado com requerimento para suscitação de dúvida; que a primeira exigência decorre da averbação n. 1 da transcrição n. 9.227 da serventia, de 26/12/1935, em que consta que Antonio Lopez Quesadas e sua esposa Philomena Hernandez Lopez, ao doarem os imóveis objetos da referida transcrição a seus filhos Lourdes Lopez Hernandez, Pedro Lopez Hernandes e Mercedes Lopes Hernandes, então menores impúberes e autorizados por alvará, sendo que, em razão da doação conjuntiva, estabeleceu-se o direito de acrescer entre os donatários, no caso, entre os irmãos filhos do casal doador; que, considerando a existência dessa cláusula (regularmente averbada há quase noventa anos), o registro da escritura de inventário e sobrepartilha dos bens deixados por Pedro Hernandes Lopes (falecido em 29/07/2010), relativamente à parte ideal de 1/3 dos imóveis objetos da transcrição n. 9.227, foi denegado; que na escritura se pretende atribuir: (a) 1/2 da parte ideal (equivalente a 1/6 da totalidade dos imóveis) à viúva Neide Baptistuta Lopes (falecida em 25/01/2024); e (b) 1/4 da parte ideal (equivalente a 1/12 da totalidade dos imóveis) a cada um dos herdeiros, Rosemaria Baptistuta Lopes Stribl e Antonio Carlos Baptistuta Lopes; que tais disposições contrariam o direito de acrescer previsto na cláusula constante da doação original; que, portanto, para que a escritura possa ser registrada, é indispensável o prévio cancelamento da cláusula do direito de acrescer; que a parte interessada sustenta que a cláusula seria nula de pleno direito ou, ao menos, ineficaz, todavia, a serventia não pode cancelar a averbação com fundamento apenas em alegações da parte, uma vez que tal hipótese não se enquadra em nenhum dos incisos do artigo 250 da Lei n. 6.015/1973, tampouco pode desconsiderá-la e prosseguir com o registro como se a cláusula não existisse; que a cláusula foi regularmente averbada em 26/12/1935, com fundamento na escritura de doação lavrada em 14/10/1935; que, embora o interessado alegue nulidade em razão de eventual vício de capacidade dos donatários (menores à época), a própria redação da transcrição indica que a doação, com as condições impostas, foi judicialmente autorizada por alvará; que consta do registro a qualificação dos donatários como “menores impúberes, autorizados por alvará, domiciliados nesta Capital”, o que evidencia o suprimento judicial da capacidade; que a segunda exigência refere-se à necessidade de atualização das confrontações dos imóveis, requisito indispensável para a abertura de matrículas, em observância ao princípio registrário da especialidade objetiva; que a transcrição n. 9.227, de 26/12/1935, se trata de uma transcrição muito antiga e a descrição apresenta um vício típico da época: a precariedade das confrontações, com referência apenas a nomes de pessoas ou expressões genéricas; que tais menções são inadmissíveis para fins de abertura de matrícula, conforme item 57, inciso IV, Cap. XX, das NSCGJ; que foi exigida a atualização da descrição e confrontações dos imóveis, a fim de garantir segurança jurídica quanto à localização e à perfeita individualização do bem, em consonância com a Lei de Registros Públicos e com o princípio da especialidade objetiva; que, portanto, os óbices devem ser mantidos (fls. 01/05).
Documentos vieram às fls. 06/167.
Em impugnação dirigida ao Oficial, a parte suscitada aduziu, em síntese, que a cláusula de direito de acrescer, constante da transcrição n. 9.227 do 6º RI é nula de pleno direito, tendo em vista foi aceita, à época, por donatário absolutamente incapaz; que a referida cláusula também é ineficaz, por ausência de anuência válida, por incompatibilidade tributária, por violar a legítima dos herdeiros necessários e por configurar contradição insanável com a cláusula de inalienabilidade; que não subsiste qualquer impedimento jurídico ao registro da transmissão hereditária da fração ideal pertencente a Pedro Lopez Hernandez aos seus herdeiros necessários, nos termos do artigo 1.784 do Código Civil e do artigo 5º, inciso XX, da Constituição Federal; e que requer o deferimento do registro do título (fls. 124/167).
O Ministério Público ofertou parecer, opinou pela manutenção dos óbices (fls. 170/172).
É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO.
De proêmio, cumpre ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No sistema registral vigora o princípio da legalidade estrita. Assim, quando o título ingressa para acesso ao fólio real, o Registrador perfaz a sua qualificação mediante o exame dos elementos extrínsecos e formais do título, de acordo com os princípios registrários e legislação de regência da atividade, devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É o que se extrai do item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ): “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
No mérito, a dúvida é procedente, para manter os óbices.
No caso concreto, a parte pretende o registro da escritura pública de inventário e sobrepartilha lavrada pelo 1º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de São Caetano do Sul em 22/02/2024 (livro 876, fls. 003/010), referente aos inventários e à sobrepartilha dos bens deixados em razão do falecimento de Pedro Hernandes Lopes (falecido em 29/07/2010) e de Neide Baptistuta Lopes (falecida em 25/01/2024), tendo por objeto, entre outros bens, partes ideais dos imóveis transcritos sob o n. 9.227 do 6º Registro de Imóveis de São Paulo (fls. 45/52).
Como é cediço, o direito de acrescer é uma disposição legal ou testamentária que permite que a parte de um beneficiário, seja em doação ou herança, seja transferida automaticamente para os outros beneficiários, quando o beneficiário original não pode ou não quer receber sua parte.
A finalidade do instituto é evitar que a quota ou bem fique “vaga”, promovendo a redistribuição entre os co-beneficiários e mantendo a intenção do doador ou testador.
Pela averbação n. 1, inserida na transcrição n. 9.227 do 6º RI, em 26 de dezembro de 1935, consta que foi feita doação do imóvel, por escritura pública lavrada pelo 11º Tabelião de Notas Interino da Capital em 14 de outubro de 1935, tendo como adquirentes Lourdes Lopes Hernandez, Pedro Lopez Hernandes e Mercedes Lopez Hernandez, menores impúberes, autorizados por alvará, e como transmitentes, Antonio Lopez Quesadas, que também assina Antonio Lopez, e sua mulher Philomena Hernandez Lopes, sob as seguintes condições: “a) inalienabilidade e impenhorabilidade, extensivas às rendas; b) por morte de qualquer dos donatários, a parte do falecido acrescerá à dos remanescentes; c) a administração dos imóveis doados, caberá ao doador Antonio Lopez, em quanto exercer o pátrio poder, e, em sua falta, a quem substituir nesse exercício; d) o administrador deverá empregar as rendas produzidas pelos imóveis, para auxiliar a manutenção e educação dos donatários” (fls. 116).
Portanto, em decorrência da doação conjuntiva, estabeleceu-se o direito de acrescer entre os donatários Lourdes Lopes Hernandez, Pedro Lopez Hernandes e Mercedes Lopez Hernandez, filhos dos doadores Antonio Lopez Quesadas (ou Antonio Lopez) e sua mulher Philomena Hernandez Lopes.
Por outro lado, pela escritura pública de inventário e sobrepartilha referente aos inventários e à sobrepartilha dos bens deixados em razão do falecimento de Pedro Hernandes Lopes, relativamente à parte ideal de 1/3 dos imóveis objetos da transcrição n. 9.227, pretende-se atribuir: 1/2 da parte ideal (equivalente a 1/6 da totalidade dos imóveis) à viúva Neide Baptistuta Lopes, falecida em 25/01/2024, e 1/4 da parte ideal (equivalente a 1/12 da totalidade dos imóveis) a cada um dos herdeiros, Rosemaria Baptistuta Lopes Stribl e Antonio Carlos Baptistuta Lopes.
Sucede que referidas disposições contrariam o direito de acrescer previsto na cláusula constante da doação original.
Nos termos dos artigos 248, 249 e 250 da Lei de Registros Públicos:
“Art. 248 – O cancelamento efetuar-se-á mediante averbação, assinada pelo oficial, seu substituto legal ou escrevente autorizado, e declarará o motivo que o determinou, bem como o título em virtude do qual foi feito.
Art. 249 – O cancelamento poderá ser total ou parcial e referir-se a qualquer dos atos do registro.
Art. 250 – Far-se-á o cancelamento:
I – em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado;
II – a requerimento unânime das partes que tenham participado do ato registrado, se capazes, com as firmas reconhecidas por tabelião;
III – a requerimento do interessado, instruído com documento hábil.
IV – a requerimento da Fazenda Pública, instruído com certidão de conclusão de processo administrativo que declarou, na forma da lei, a rescisão do título de domínio ou de concessão de direito real de uso de imóvel rural, expedido para fins de regularização fundiária, e a reversão do imóvel ao patrimônio público.”
Na espécie, a alegação de nulidade da cláusula por incapacidade dos donatários à época da doação não pode ser dirimida nesta estreita via administrativa, haja vista que a averbação demonstra que a transação foi autorizada por alvará judicial, o que indica possível suprimento de incapacidade.
Destarte, eventual cancelamento da cláusula que institui o direito de acrescer deve ser buscado na via judicial, não sendo possível sua desconstituição no âmbito do procedimento de dúvida.
Por outro lado, a exigência de prévia atualização da descrição do imóvel encontra respaldo no princípio da especialidade objetiva.
A transcrição n. 9.227 traz a seguinte descrição para o imóvel (sic):
“Um prédio de nº 161, da Rua Alexandre Levi, com três cômodos e cosinha e seu terreno com 6,10m de frente, 36,00m da frente aos fundos, confinando de ambos os lados, com Isidoro Basseto e sua mulher e outros, ou sucessores, e nos fundos com quem de direito; imóvel esse adquirido conforme a transcrição nº 942 e do valor de Rs.15:000$000.
Um terreno à mesma Rua Alexandre Leví, medindo 6,10m de frente, por 36,00m da frente aos fundos, confrontando de um lado com os transmitentes, de outro lado com Antonio de tal, e pelos fundos com quem de direito; terreno esse adquirido conforme a transcrição nº 1.836 e do valor de Rs.5:000$000”.
Para ingresso no fólio real, é imprescindível a observância da especialidade objetiva (artigos 176, § 1º, inciso II, item 3, “b”, da Lei de Registros Públicos):
“Art. 176 – O Livro nº 2 – Registro Geral – será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3.
§ 1º A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas:
(…)
II – são requisitos da matrícula:
(…)
3) a identificação do imóvel, que será feita com indicação:
(…)
b – se urbano, de suas características e confrontações, localização, área, logradouro, número e de sua designação cadastral, se houver.”
No mesmo sentido, o item 57, inciso IV, Cap. XX, das NSCGJ:
“57. A identificação e caracterização do imóvel compreendem: (…)
IV – as confrontações, inadmitidas expressões genéricas, tais como “com quem de direito”, ou “com sucessores” de determinadas pessoas, que devem ser excluídas, se existentes no registro de origem, indicando- se preferencialmente os imóveis confinantes e seus respectivos registros.”
Como bem observado pelo Oficial, por se tratar de transcrição antiga, inaugurada em 26 de dezembro de 1935, a descrição do imóvel apresenta precariedade das confrontações, além de conter expressões genéricas, tais como “com quem de direito” ou “com sucessores”. Referidos termos, com fulcro nos dispositivos legais e normativos suprarreferidos, não podem ser endossados.
Devida, portanto, a atualização exigida pelo Oficial, visando a correta descrição do imóvel quanto à localização e à perfeita individualização do bem, em consonância com o princípio da especialidade objetiva.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.
São Paulo, 08 de outubro de 2025.
Renata Pinto Lima Zanetta
Juíza de Direito (Acervo INR – DJEN de 09.10.2025 – SP)
Fonte: DJE


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