Apelação n° 1105869-52.2025.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1105869-52.2025.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1105869-52.2025.8.26.0100

Registro: 2025.0001172735

ACÓRDÃO -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1105869-52.2025.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes ANDRÉ FORESTI SANSEVERINO, ALBERTO FORESTI SANSEVERINO e EDUARDO FORESTI SANSEVERINO, é apelado 4º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 23 de outubro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1105869-52.2025.8.26.0100

Apelantes: André Foresti Sanseverino, Alberto Foresti Sanseverino e Eduardo Foresti Sanseverino

Apelado: 4º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.942

Direito registral – Apelação – Escritura pública de inventário e partilha – Exigência de retificação do título para indicação correta da fração ideal pertencente ao espólio – Recurso não provido.

I. Caso em exame

1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que manteve recusa ao registro de escritura pública de inventário e partilha por indicação errônea da fração ideal pertencente ao espólio. 2. Imóvel em condomínio. Titularidade da autora da herança juntamente com seus três filhos, sem informação sobre distribuição desigual das frações ideais. Presunção legal de igualdade. 3. Imóvel adquirido por permuta na qual os condôminos transmitiram imóvel dos quais eram titulares em frações desiguais (a autora da herança era titular de metade do imóvel transmitido e os demais condôminos de um sexto cada). Proporção original utilizada na partilha, embora a distribuição desigual sobre o imóvel adquirido não conste da escritura de permuta nem da matrícula. Quinhões originais sobre o imóvel transmitido em permuta não foram reproduzidos sobre o imóvel recebido em permuta e levado a inventário. Impossibilidade de se restaurarem os quinhões originais.

II. Questões em discussão

4. A questão em discussão consiste na necessidade de retificação do título, escritura pública de inventário e partilha, para constar a correta proporção pertencente à autora da herança na época da abertura da sucessão, tudo em consonância com a matrícula do imóvel e com os princípios da disponibilidade e da continuidade.

III. Razões de decidir

5. A igualdade das partes ideais dos condôminos deve ser presumida nos termos do parágrafo único do artigo 1.315 do Código Civil, prevalecendo na ausência de informação expressa e segura sobre distribuição desigual de quinhões.

IV. Dispositivo e Tese

6. Recurso não provido.

Tese de julgamento: “A presunção de igualdade das partes ideais dos condôminos deve prevalecer na ausência de especificação expressa no título e na matrícula”.

Legislação relevante:

– Lei n. 8.935/94, art. 28; Código Civil, art. 1.315, parágrafo único.

Trata-se de recurso de apelação interposto por André Foresti Sanseverino, Eduardo Foresti Sanseverino e Alberto Foresti Sanseverino contra a r. sentença de fls. 100/104, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, que julgou procedente dúvida para manter a recusa em se proceder ao registro de escritura pública de inventário e partilha na matrícula n. 10.903 daquela serventia (prenotação n. 689.516 – fls. 20/21).

O Oficial informou que a partilha foi registrada nas matrículas dos demais imóveis que integravam o espólio. Porém, tendo em vista que a matrícula n.10.903 indica que a autora da herança adquiriu o bem por permuta juntamente com seus três filhos, sem especificação expressa da fração ideal que caberia a cada condômino, a conclusão é de que todos têm igual participação no domínio, de modo que necessária retificação do título para constar a correta proporção pertencente à autora da herança na época da abertura da sucessão.

A parte recorrente narra a cronologia dos registros, explicando que o casal Celso e Elaine, a autora da herança, adquiriu o imóvel da matrícula n.10.905 do 4º RI da Capital; que, com o falecimento de Celso, sua metade ideal foi partilhada entre os três herdeiros filhos (1/6 para cada), ficando Elaine com a outra metade do bem (R.08/10.905); que, posteriormente, permutaram o imóvel da matrícula n.10.905 pelo imóvel da matrícula n.10.903 do 4º RI da Capital; que a escritura de permuta indica expressamente a proporção da propriedade de cada condômino no imóvel que transmitiram, mas foi omissa em relação à participação de cada um no imóvel adquirido.

Assim, por não ter havido cláusula alterando as quotas de propriedade, sustenta que deve ser presumida a intenção das partes de manter as proporções originais, com transferência de frações ideais equivalentes do bem adquirido, de modo que não há necessidade de alteração da escritura de inventário, na qual foram partilhados 50% do imóvel da matrícula n.10.903, que pertenciam à autora da herança (fls.110/116).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 134/136).

É o relatório.

De início, vale relembrar, nos moldes do já exposto pela decisão de primeiro grau, que o Oficial, titular ou interino, goza de autonomia no exercício de sua função, o que possibilita a ele negar a prática de atos que não respeitem a ordem jurídica e os princípios que regem sua atividade.

Neste contexto, incumbe ao Oficial examinar os elementos extrínsecos do título à luz das regras jurídicas (aspectos formais), obstando o ingresso daqueles que não se atenham a elas.

Contrario senso, não está no âmbito de competência do delegatário ir além do que autoriza a norma e muito menos interpretar vontade não expressa no título sujeito à sua qualificação.

No mérito, o recurso não comporta provimento.

A controvérsia diz respeito à necessidade de retificação da escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados por Elaine Foresti Sanseverino (fls. 22/43), a qual envolve o imóvel da matrícula n. 10.903 do 4º Registro de Imóveis da Capital, arrolado nos seguintes termos (destaques no original, fls. 24 e 31):

“3) DOS BENS: 3.1) DOS BENS IMÓVEIS: A falecida possuía, por ocasião da abertura da sucessão, “50% (cinquenta por cento)” dos seguintes bens imóveis: (…) 3.1.15) – CONJUNTO no. 163, localizado no 16º. andar do EDIFÍCIO CAMPOS ELÍSEOS (…), 4º. Registro de Imóveis, do município e comarca desta Capital, mais perfeitamente descrito e caracterizado na matrícula no. 10.903 (dez mil, novecentos e três) do 4º. Registro de Imóveis desta Capital. AQUISIÇÃO: referida parte ideal do imóvel, foi adquirida pela falecida, nos termos do Registro no. 07 da matrícula no. 10.903 (dez mil, novecentos e três) do 4º. Registro de Imóveis desta Capital. (…)”.

Por sua vez, o Registro n.07 da matrícula n.10.903, fundado em escritura lavrada pelo 12º Tabelião de Notas da Capital (livro n.2806, fls. 239/243), informa apenas que os proprietários anteriores, Sidnei e Heloísa, transmitiram referido imóvel por permuta para Elaine, André, Eduardo e Alberto, pelo valor de R$80.000,00 (fls. 44/49).

A escritura pública de permuta, embora indique detalhadamente a proporção ideal da propriedade do imóvel transmitido por Elaine, André, Eduardo e Alberto (item 1.1, fl. 15), não especifica a participação de cada um no imóvel recebido (fls. 14/19):

“2.-) DA PERMUTA: Na forma prescrita no artigo 215 do Código Civil Brasileiro, PELA PRESENTE ESCRITURA, OS ORA CONTRATANTES RESOLVEM PERMUTAR ENTRE SI, como de fato e na verdade permutado têm, OS DESCRITOS IMÓVEIS QUE SÃO POSSUIDORES NOS SUB-ITENS 1.1 e 1.2, PARA QUE O IMÓVEL DESCRITO NO SUB-ITEM 1.2 FIQUE PERTENCENDO AOS PRIMEIROS PERMUTANTES E QUE O IMÓVEL DESCRITO NO SUB-ITEM 1.1 FIQUE PERTENCENDO AOS SEGUNDOS PERMUTANTES”.

Neste contexto, não se verifica vício formal no R.07 da matrícula n.10.903, pois o Oficial de Registro de Imóveis não poderia transpor para o fólio real elementos que não constam no título que deu suporte ao ato, deduzindo forma especial de aquisição, com distribuição desigual de frações, para o que os adquirentes não manifestaram vontade expressa.

De fato, e ao contrário do que sustenta a parte recorrente, a igualdade das partes ideais é que deve ser presumida por força do disposto no parágrafo único do artigo 1.315 do Código Civil:

“Art. 1.315. O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita.

Parágrafo único. Presumem-se iguais as partes ideais dos condôminos”.

O parágrafo único cria presunção relativa de igualdade de quinhões. É relativa porque se elide por prova em sentido contrário, a cargo de quem sustenta a desigualdade. No caso de imóveis, o próprio registro indica as partes ideais de cada proprietário e, no silêncio, prevalece a presunção de igualdade. Títulos e registros antigos costumam indicar as partes ideais em valores, o que acarreta, diante de sucessivas transmissões e alterações da moeda, alguma dificuldade para o cálculo. Devem ser retificados, convertendo-se valores em frações. De igual modo, caso o registro não reflita a força dos quinhões contida nos títulos, deve ser retificado em razão de sua natureza causal (Francisco Eduardo Loureiro, Código Civil Comentado, Cezar Peluso (coord.), Barueri: editora Manole, 2025, p. 1217).

A posição jurídica da parte em relação a cada imóvel (o transmitido e o adquirido na permuta) é retratada em matrículas autônomas e desvinculadas, sendo inviável a investigação de cadeias filiatórias distintas para se deduzirem detalhes que não constem no registro. Assim, não se pode buscar na distribuição do domínio sobre o imóvel transmitido o tamanho da fração ideal que cada condômino passou a ter no imóvel adquirido.

Se o título não trouxe informação expressa sobre uma forma especial de distribuição das frações ideais entre os adquirentes do imóvel, essa informação não pode ser inserida pelo Registrador no fólio real, notadamente porque ele está vinculado aos limites do título e da lei e, por consequência, à presunção de igualdade no condomínio.

A ele também não incumbe, como já ressaltado, interpretar a vontade dos contratantes, notadamente quando não expressa no título apresentado à qualificação.

No caso da matrícula n.10.903 do 4º Registro de Imóveis da Capital, o Registro n.07 informa que os atuais titulares do domínio são Elaine, André, Eduardo e Alberto, cabendo, portanto, uma quarta parte ou vinte e cinco por cento para cada um.

Disso decorre que a qualificação negativa foi acertada, sendo necessária a retificação da escritura, de modo que a partilha observe corretamente a fração ideal disponível ao espólio (princípios da continuidade e da disponibilidade).

“O princípio da continuidade, também chamado princípio do trato sucessivo ou do registro do título anterior, impõe a observância, nos registros, de um encadeamento subjetivo dos direitos reais de forma a evitar lacunas na cadeia de titularidades e inspirar confiança no público”. É pela exigência do registro do título anterior ou, ao menos, de sua apresentação, que se dá concretude ao princípio da disponibilidade, o qual determina que somente pode transmitir direitos a pessoa que consta no registro como titular do domínio do imóvel. Desrespeito a tais regras ameaça a segurança do sistema, impede ao público o pronto conhecimento da situação real dos imóveis e esvazia a prova do direito inscrito e de sua titularidade (Sergio Jacomino, in Lei de registros públicos comentada, coord. José Manuel de Arruda Alvim Neto, Alexandre Laizo Clápis, Everaldo Augusto Cambler, Rio de Janeiro: ed. Forense, 2014, p. 1051/1053).

Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso de apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 04.11.2025 – SP)

Fonte: DJE

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