A sucessão de bens e direitos é um tema de constante relevância no Direito Civil, e a inclusão de direitos possessórios em inventários tem se tornado uma prática comum. Contudo, a formalização e o registro desses direitos em cartórios extrajudiciais geram dúvidas significativas, especialmente quanto à sua admissibilidade no Registro Geral de Imóveis (RGI) e no Registro de Títulos e Documentos (RTD). A recente decisão do Conselho da Magistratura do TJRJ, no Processo nº 0004361-27.2022.8.19.0053, reafirma a distinção fundamental entre posse e propriedade e estabelece os limites para o registro de direitos possessórios, visando à segurança jurídica.
A posse, em sua essência, é um estado de fato, uma relação fática de poder sobre a coisa, que pode gerar efeitos jurídicos. Diferencia-se da propriedade, que é um direito real, o mais amplo de todos, conferindo ao titular as faculdades de usar, gozar, dispor e reaver o bem. Essa distinção é crucial para compreender a sistemática dos registros públicos no Brasil. O Registro Geral de Imóveis (RGI), conforme a Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), destina-se à publicidade e à constituição de DIREITOS REAIS sobre imóveis, como a propriedade, o usufruto, a hipoteca, entre outros.
Nesse contexto, a posse, por não configurar um direito real, não encontra amparo legal para ser registrada diretamente no RGI (mas, como já dissemos, pode ser albergada no RTD). O fólio real é o espelho da propriedade e dos direitos reais que a oneram ou a limitam, e não de situações fáticas (como a “Posse”). A inclusão de um formal de partilha de posse no RGI seria uma distorção da finalidade precípua desse registro, podendo gerar insegurança jurídica e confusão quanto à titularidade do domínio.
Embora o Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça – Parte Extrajudicial do Rio de Janeiro, em seu artigo 445, reconheça que os direitos possessórios podem ser objeto de Inventário e Partilha, essa permissão não se estende ao registro da posse no RGI. A partilha de posse em inventário apenas formaliza a transmissão da situação fática aos herdeiros, mas não a eleva à categoria de direito real registrável na matrícula do imóvel.
A questão se estende ao Registro de Títulos e Documentos (RTD). Embora o RTD tenha uma função mais ampla de registro de documentos para fins de conservação e publicidade (inclusive com caráter residual), o Conselho da Magistratura, seguindo o entendimento do Ministério Público e o Enunciado nº 11 em Matéria de Registros Públicos, vedou o registro de formal de partilha de posse ou de “declaração de posse” nesse Cartório (inclusive ao arrepio do art. 127, inciso VII da LRP que autoriza expressamente o registro facultativo, “DE QUAISQUER DOCUMENTOS, PARA SUA CONSERVAÇÃO”). A justificativa reside no risco de induzir a erro terceiros de boa-fé, que poderiam confundir a publicidade da posse com a publicidade da propriedade, comprometendo a clareza e a segurança que se espera dos registros públicos.
Preciso destacar que o art. 127-A da LRP é de cegueira solar ao afirmar que “O registro facultativo para conservação de documentos ou conjunto de documentos de que trata o inciso VII do caput do art. 127 desta Lei terá a finalidade de arquivamento de conteúdo e data, NÃO GERARÁ EFEITOS EM RELAÇÃO A TERCEIROS”.
De toda forma, a decisão do TJRJ reforça a correta qualificação registral, impedindo que a posse, por sua natureza fática, seja registrada como se fosse um direito real ou que sua publicidade no RTD gere confusão. O caminho legal para que a posse ingresse no fólio real é a sua conversão em propriedade, que se dá por meio da USUCAPIÃO, seja pela via judicial ou EXTRAJUDICIAL. Somente após o reconhecimento judicial ou extrajudicial da usucapião, com a consequente declaração de propriedade, é que o título poderá ser levado a registro no RGI, conferindo a segurança jurídica plena.
A importante decisão do TJRJ foi assim ementada:
“TJRJ. 0004361-27.2022.8.19.0053. J. em: 30/10/2025. REMESSA NECESSÁRIA. DÚVIDA SUSCITADA A PARTIR REQUERIMENTO DE REGISTRO DE FORMAL DE PARTILHA QUE TEM POR OBJETO A POSSE DE DETERMINADO IMÓVEL JUNTO AO RGI E RTD. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE A DÚVIDA. INEXISTÊNCIA DE RECURSO. ENCAMINHAMENTO DOS AUTOS A ESTE E. CONSELHO DA MAGISTRATURA POR IMPOSIÇÃO DO ART. 73, §2º DA LODJ. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SEGUNDO GRAU PELA CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA. EMBORA SE RECONHEÇA QUE OS DIREITOS POSSESSÓRIOS POSSAM SER OBJETO DE FORMAL DE PARTILHA, NÃO CABE REGISTRO DA POSSE JUNTO AO RGI, ONDE SOMENTE PODEM INGRESSAR TÍTULOS QUE SE REFIRAM A DIREITOS REAIS SOBRE IMÓVEIS. A POSSE REFERE-SE A UMA SITUAÇÃO DE FATO, QUE PODE VIR A SER CONVERTIDA EM PROPRIEDADE ATRAVÉS DA USUCAPIÃO (JUDICIAL OU EXTRAJUDICIAL) E, SÓ ENTÃO, PODERÁ TER INGRESSO NO FÓLIO REAL. SENTENÇA QUE SE CONFIRMA, EM REEXAME NECESSÁRIO”.
Diante da complexidade das questões que envolvem a posse, a propriedade e os registros públicos, a orientação de um Advogado Especialista em Direito Imobiliário e Registral é fundamental. Este profissional poderá analisar a situação fática da posse, identificar a melhor estratégia para sua regularização, seja por meio de inventário de direitos possessórios ou pela propositura de ação de usucapião, e garantir que todos os procedimentos sejam realizados em estrita conformidade com a legislação vigente, protegendo os interesses do cliente e evitando entraves registrais e futuros litígios. A expertise jurídica é indispensável para a segurança e a eficácia das transações imobiliárias e da regularização fundiária.
Fonte: Julio Martins


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