Evento virtual foi acompanhado, ao todo, por quase 450 pessoas
No dia 15 de dezembro, o Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB/SP) realizou, junto à Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), evento de lançamento da Comissão de Direito Notarial e Registral da ADFAS. A transmissão dos debates foi realizada no canal oficial do Youtube do CNB/SP e foi acompanhado ao todo por mais de 440 pessoas.
Após a abertura realizada pelo assessor jurídico do CNB/SP, Rafael Depieri, o encontro tratou do tema “A Obrigatoriedade Legal da Escritura Pública nos Pactos de União Estável”. A primeira mesa de debates teve a presidente nacional da ADFAS e doutora e mestre em Direito Civil pela USP, Regina Beatriz Tavares da Silva*, como a palestrante principal; e os presidentes da Comissão de Direito Notarial e Registral da ADFAS, Carlos Fernando Brasil Chaves (vice-presidente do CNB/SP, 7º Tabelião de Notas de Campinas/SP, mestre e doutor em Direito Civil Comparado pela PUC/SP) e juiz de direito do TJ/SP, Vitor Frederico Kümpel (doutor em Direito pela USP, 1º Livre Docente em Direito Notarial e Registral do Brasil), como debatedores.
Ao introduzir a nova Comissão de Direito Notarial e Registral da ADFAS, Regina Beatriz Tavares da Silva citou alguns trabalhos exitosos já realizados pela associação, como a vedação das escrituras do poliamor como união estável e a vedação da averbação registral do divórcio, dispensando a prévia atuação notarial. “A ADFAS já tem trabalhos relevantes na área notarial e registral, certamente essas atividades da nossa associação serão muito mais profícuas com estes dois presidentes, Doutor Carlos Brasil Chaves e Doutor Victor Kümpel. E também, o que a ADFAS espera desta comissão, é que se fortaleçam ainda mais com contribuições em estudos e aprofundamento de vários temas, as teses que a ADFAS defende”, projetou a presidente nacional da associação.
“Nós sabemos que a judicialização em matéria de união estável é imensa. E isso se deve a uma norma legal, constante do Código Civil, Art. 1.723 do Código Civil, que desprotege e afasta as pessoas, ou seja, desprestigia o próprio afeto, havendo inclusive, hoje em dia, uma opção, exatamente por força desta norma, de requisitos frouxos, e, ao mesmo tempo com outras tantas – inclusive com entendimento do Supremo Tribunal Federal – de efeitos fortes. Requisitos frouxos, efeitos fortes”, Regina Beatriz introduziu o tema da palestra. A presidente da ADFAS detalhou os riscos que a norma do Art. 1.723 traz para os casais, gerando insegurança jurídica. Em seguida, Regina leu e comentou as disposições gerais dos regimes de bens do casamento.
O presidente da área notarial da Comissão de Direito Notarial e Registral da ADFAS, Carlos Fernando Brasil Chaves, iniciou sua apresentação cumprimentando os demais participantes do evento e a seccional paulista do Colégio Notarial, onde atua como vice-presidente. “O CNB/SP não se associa, não está em conjunto, com aqueles que ele não julga de um propósito que venha em benefício da sociedade. Então, nós temos a certeza que a ADFAS cumpre esse papel dentro do campo da defesa do direito civil, com absoluta maestria. O Colégio Notarial de São Paulo se propõe a defesas muito importantes, e que eu acredito e tenho certeza que são comuns à Associação de Direito de Família e das Sucessões. A defesa da família, a defesa de uma segurança jurídica de caráter preventivo, a defesa de direitos e garantias fundamentais”, desenvolveu Carlos Brasil Chaves.
O tabelião falou do papel do notariado para a defesa do Direito de Família em seu discurso. “Hoje os notários não estão associados a burocracia, estão associados a uma presteza, a uma Justiça ao alcance da sociedade. A sociedade sabe, a sociedade prefere, a sociedade procura um notário, porque ali deposita confiança”, pontuou.
Retomando os pontos debatidos pelos demais participantes da mesa, o presidente da área registral da Comissão de Direito Notarial e Registral da ADFAS, Vitor Frederico Kümpel, citou súmulas antigas que geram confusão no quesito da união estável e julgamentos que tiveram consequências negativas. “A gente vê que muitas dessas decisões que ocupam o lugar do parlamento, que na verdade essa é a função do parlamento, não é função jurisdicional, e que acabam criando verdadeiros monstros para operador do direito, na verdade. A gente tem que voltar a resgatar, por mais que não se goste do parlamento, que algumas coisas têm que ser alteradas pelo parlamento. Não podem ser alterados pela jurisprudência, a jurisprudência tem que se colocar no seu lugar, de aplicação, de incidência”, argumenta Vitor Kümpel.
Em seguida, o juiz esclareceu algumas dúvidas sobre os requisitos para que uma união estável integre o sistema registral. “Na verdade nós temos duas situações jurídicas distintas. A primeira situação jurídica é a preventiva. Então, se eu quero de forma preventiva o que eu preciso fazer? Eu faço uma escritura pública, essa escritura pública é uma escritura declaratória com efeitos constitutivos da natureza jurídica. Então a natureza jurídica para o provimento nº 37 da escritura pública é uma escritura declaratória, porque eu preciso verificar se já existem os requisitos, os pressupostos fundamentais da existência da união estável, mas são efeitos constitutivos, é da data da escritura. Não adianta, o tabelião pode pôr o prazo que ele quiser anterior no sistema registral, não produz efeitos. Não interessa. Jamais vai ter retroatividade. Quem pode dar retroatividade é só a jurisdição. E isso, o provimento nº 37 deixa muito claro. Ela é uma escritura declaratória com efeitos constitutivos”, enfatizou Vitor Kümpel.
O segundo painel do evento discutiu o tema “Análise dos Regimes Patrimoniais: a Retroatividade ou não dos Pactos de União Estável”, com a presença dos debatedores Carlos Alberto Garbi, vice-presidente nacional da ADFAS, consultor, advogado, mestre e doutor em Direito Civil pela PUC/SP, e da 2° Tabeliã de Notas de Santo André e diretora do CNB/SP, Patrícia Moreira de Mello Cabral, e o assessor jurídico do CNB/SP, Rafael Vitelli Depieri.
O vice-presidente nacional da ADFAS, Carlos Alberto Garbi, deu início à conversa diferenciando os termos “união estável” e “união de fato”, explicando porque prefere utilizar a última para se referir ao ato notarial. “A união estável é a união que adquiriu estabilidade, e para adquirir estabilidade e produzir todos os efeitos que se emprestam hoje à união de fato, estável, é preciso que ela tenha duração. Duração. Sem duração, é uma união de fato. Então, não é um namoro, porque essas pessoas já se uniram, já tem convivência. Tem uma vida, portanto, em comum. Mas ainda não se adquiriu a estabilidade para produzir os efeitos importantes que são atribuídos a essa união pelo direito e pela jurisprudência brasileira. Então, nós temos efeitos sucessórios; efeitos no campo das obrigações, portanto, de alimentos. Temos efeitos quanto ao nome, efeitos patrimoniais, efeitos também decorrentes da vida familiar e da prole dos filhos. São todos decorrentes de uma união que tem duração. E a união de fato, não. A união de fato, enquanto não adquiriu essa estabilidade, ela não gera nenhum efeito, ou não deve gerar nenhum efeito”, esclareceu o advogado.
A discussão sobre a diferença de duração entre a união estável e a união de fato levou ao tema da especificação de tempo na jurisprudência. “Qualquer medida de tempo é arbitrária. Mas, o que é que identifica exatamente a estabilidade de uma união, para se emprestar efeitos, como no caso brasileiro, efeitos plenos de sucessão, para virar herdeiro? O que é necessário para isso? Um mínimo de duração. Eu não tenho essa medida do tempo, porque a partir da lei de 96, se eliminou os cinco anos da lei de 94. E aí, a união estável ficou livre. Livre para uma interpretação subjetiva do juiz”, opinou Carlos Alberto Garbi.
Já a 2° Tabeliã de Notas de Santo André, Patrícia Moreira de Mello Cabral, trouxe para o painel a perspectiva prática do cotidiano dos cartórios de notas. “Quando a gente vai fazer a escritura de união estável, a gente vê que a grande parte das pessoas não têm assessoria jurídica adequada, e o conhecimento daquilo antes, ou quando no início, da união. Então é muito difícil. Primeiro: a união estável totalmente banalizada hoje em dia no cartório. A pessoa quer fazer parte do seguro, quer entrar no clube, quer ter o seguro de vida do companheiro, ou seguro saúde da empresa do outro, vai lá e faz. Por mais que a gente argumente e explique das consequências que aquele ato vai ter no futuro, da dificuldade na dissolução, que ele vai ter que ter um advogado, vai ter bens a serem partilhados, e tem muito mais coisa envolvida, as pessoas querem fazer para ter o benefício imediato. Então, ficou bem banalizado. E, de novo, as pessoas, não tendo assessoria jurídica, acabam praticando esse ato da união estável. Coloca lá, comunhão parcial, e bola para frente. Até a hora que dá errado”, relatou a diretora do CNB/SP.
Patrícia Mello mencionou, em seguida, outra questão polêmica recorrente no tabelionato onde atua: “Eles chegam lá e falam, ‘não, a gente já vive em união estável desde 1990, só que eu só vim fazer o contrato hoje’. Às vezes, hoje no contrato, um deles já tem mais de 70 anos, então, a gente tem que declarar que a união já havia, anteriormente, para poder não aplicar o regime da separação obrigatória de bens. E quando a gente trata da retroatividade dos efeitos da união estável, o principal tema que vem à minha cabeça é aplicar o regime da separação total de bens. Esse é o maior problema. Porque as pessoas primeiro compram, vendem, fazem as transações, e depois chegam lá no cartório e falam, ‘eu quero declarar que lá atrás, no ano passado, quando eu comprei aquele apartamento, eu já vivia em união estável, sim, mas era sob o regime da separação total. Eu não quero que se aplique a comunhão parcial’. Então, eu fico numa situação muito difícil, que, ou eu altero o regime sem ordem judicial (ou autorização judicial), ou eu obrigo a pessoa a mentir que a união estável dela é a partir daquela data para frente. E ela também não quer”. A tabeliã propôs, então, algumas soluções inspiradas em casos concretos que ela presenciou em sua serventia.
Clique aqui e acesse o canal do Youtube do CNB/SP para ver o conteúdo da transmissão na íntegra.
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*Doutora e mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-Doutora em Direito da Bioética pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – FDUL. Sócia fundadora do escritório de advocacia Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados.