Testamento vital como ferramenta na diminuição do “peso” do cuidado para as mulheres
Nos últimos tempos vem sendo discutido na sociedade o conceito de economia do cuidado, que refere-se à atividades que giram em torno do cuidado com as pessoas, sejam elas remuneradas ou não, tais como o cuidado com a casa, com crianças, idosos e as profissões ligadas à saúde, por exemplo.
Pelos dados de pesquisas do IPEA em 2019, 75% das mulheres que responderam as pesquisas estavam naquele momento exercendo atividades de cuidado com idosos e crianças; há dados da OMS e IBGE em que estima-se que cerca de 650 horas são dispensadas na amamentação.
Certo é que estamos vivendo mais e muitas vezes podemos ficar dependentes de cuidados e na maioria das vezes quem os exerce são as mulheres. Certo é também que estamos sujeitos a ter alguma doença que nos incapacite, tanto de exercermos o nosso próprio cuidado, como também de nos manifestarmos acerca das nossas vontades, sejam as vontades simples, como o que queremos comer, o que queremos fazer, como também as vontades mais complexas, em relação aos cuidados com a nossa saúde, por exemplo; ou seja podemos ficar com a nossa autonomia comprometida de uma hora para outra.
No cenário de comprometimento do exercício da autonomia com os cuidados de saúde, temos previsto na legislação brasileira, mais precisamente no Código de Ética Médica, o testamento vital, que é um instrumento formal em que as pessoas ainda capazes, podem expressar as suas vontades a respeito de cuidados e tratamentos de saúde quando tiverem alguma doença que ameace a vida. Tal documento será utilizado quando esse indivíduo não puder mais expressar suas vontades.
Dentro da sociedade atual em que temos majoritariamente mulheres cuidando de pessoas, envolvendo aí as atividades de manutenção do lar – limpeza, alimentação, idas ao supermercado, cuidado com as roupas, organização das coisas -, o próprio cuidado com os filhos e marido, acrescendo-se aí o fato de que as crianças são dependentes exclusivamente dos cuidados de outrem por muito tempo durante a vida, fora as atividades ligadas ao trabalho remunerado dessas mulheres. Só com esse cenário já temos uma mulher sobrecarregada!
Quando então acrescentamos o elemento de uma pessoa enferma com uma doença que ameace a vida, por si só isso já causa um impacto enorme nessa família com o simples diagnóstico. Há muitas decisões a serem pensadas e tomadas e se esse outro trabalho for imposto à mulher que já cuida de tantas outras coisas, isso será ainda mais pesado.
Serve então o testamento vital como uma ferramenta de descompressão, porque alivia na quantidade de decisões difíceis a serem tomadas, já que estamos falando de fim de vida. Se o testamento vital já existe, o exercício da autonomia daquele indivíduo fica preservado, não há o que se pensar se algo deve ser feito, porque as vontades no tocante aos cuidados de saúde já estão expostas, resta respeitar e fazer valer os direitos ali direcionados, cumprindo-os, ou seja o impacto de se decidir sobre algo fica menor e com toda certeza, alivia essa mulher cuidadora.
Vamos todos, enquanto pessoas capazes e saudáveis, pensar sobre a nossa saúde, sobre nosso fim de vida e fazermos o testamento vital? Pensar especialmente sobre o fim de vida, ainda é tabu, mas também é pensar sobre algo que é uma certeza.
Fonte: Jornal de Uberaba
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