A conjuntura política brasileira e as conquistas da união de notários no âmbito internacional na década de 1950 traziam uma demanda evidente aos notários paulistas: a necessidade de criar mecanismos para discutir e aperfeiçoar a atividade nos tabelionatos de notas. Parte dos notários paulistanos já realizava reuniões com os registradores na Associação dos Serventuários de Justiça do Estado de São Paulo. Um grupo formado por cerca de 24 notários participava constantemente desses encontros, mas o alto índice de devolução de escrituras de registro na época e mesmo a ausência de um espaço amplo para debater questões específicas da atividade notarial provocaram inquietude. Somadas a esses problemas pontuais, as influências do notariado argentino – mais antigo e experiente que o brasileiro – indicavam a importância de se criar uma entidade que pudesse congregar interesses exclusivos dos notários.

O embrião para a criação do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB/SP) começa a ser concebido em uma viagem feita pelo notário Antônio Augusto Firmo da Silva, titular do 4º Tabelionato de Notas de São Paulo, para Buenos Aires, na Argentina. Era outubro de 1948, quando foi realizada naquele país a primeira conferência da União Internacional do Notariado Latino. Lá, o notário José Adrián Negri chamava atenção pela energia que vinha canalizando para o desenvolvimento da atividade notarial argentina. No ano anterior ao evento, com o empenho dele, os notários argentinos haviam conquistado a aprovação do Projeto de Lei do Notariado, transformado na Lei n° 12.990, após 12 anos de tramitação. A participação de Negri na luta em favor da atividade era intensa, e no ano em que Firmo o conheceu, ele já estava definitivamente voltado para a defesa da articulação entre a categoria e para a organização da União Internacional do Notariado Latino.

Negri não se limitava a executar o pensamento de estudiosos da atividade notarial, mas atuava conforme suas próprias construções doutrinárias, fruto de estudos constantes do notariado europeu. Defendia a necessidade de estudos especiais para que os notários pudessem, cada vez mais, desenvolver a consciência de seu papel legal e social, além de compreender e aplicar a lei em sentido amplo. Na primeira conferência da União Internacional do Notariado Latino, em 1948, Negri expunha esses pontos de vista, defendendo, à exaustão, a necessidade de os notários se unirem em favor da luta pelo aprimoramento da atividade. O paulista Antônio Augusto Firmo da Silva atentava-se às palavras do argentino ao mesmo tempo em que começava a dialogar com notários chilenos e europeus que também participavam da reunião.

“Eu tive o prazer de estar presente no centenário do colégio notarial da província de Buenos Aires. A província de Buenos Aires não é a cidade de Buenos Aires: é a província que engloba, inclusive, a cidade de Buenos Aires. O centenário foi em 1989; portanto, o colégio lá foi fundado em 1889. Veja o quanto nós nos encontrávamos atrasados no estudo dessa matéria que é fundamental, porque muita gente por aí pensa, inclusive a imprensa, que ser tabelião é ficar sentado numa mesa recebendo dinheiro e criando problema, quando é exatamente o contrário. Nós nos encontramos aqui para resolver problemas e acomodar situações que eventualmente possam se derramar numa lide: por isso é que somos chamados historicamente de magistrados da paz privada”, considera o 24° Tabelião de Notas da Capital e ex-presidente do CNB/SP, Tullio Formícola.

Quando retornou a São Paulo, Firmo estava absolutamente convencido da importância de se criar uma instituição voltada para a atividade notarial. Ele começou, então, a se reunir com colegas e difundir ideias semelhantes àquelas que Negri já colocava na Argentina. Nesse contexto é que foi fundado, em 1951, o Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo. A instituição formada exclusivamente pelos tabelionatos de notas era pioneira no País. “O CNB/SP construiu uma história única nos serviços notariais e registrais brasileiros. Foi a primeira entidade a ser fundada, com origem na participação dos notários brasileiros na fundação da União Internacional do Notariado, em 1948. Com isso, houve uma integração, ainda que de poucos notários brasileiros, com os notariados do mundo inteiro – Europa e América do Sul, especialmente. Os resultados são expressivos: construímos um notariado que serve à Nação brasileira com grande qualidade”, declara o 26º Tabelião de Notas de São Paulo, Paulo Roberto Gaiger Ferreira.

Os notários continuavam filiados à Associação dos Serventuários de Justiça do Estado de São Paulo, mas agora começavam a construir um espaço próprio para desenvolver estudos e abrir diálogos que pudessem auxiliar no desenvolvimento da atividade. “O Colégio nasceu, evidentemente, para fazer com que os tabeliães de São Paulo tivessem um lugar aonde levar as suas dúvidas e buscar o esclarecimento delas. Com isso, visava-se melhorar a qualidade cultural de todos aqueles que exerciam aquela função, até porque, naquele tempo, muitos colegas não tinham formação jurídica: eles tinham sido nomeados politicamente, o que justificava esse tipo de oportunidade”, ressalta Túllio Formícola.

As primeiras reuniões do CNB/SP foram realizadas em uma sede provisória instalada no 11º andar de um prédio localizado na Rua Senador Feijó, 176, em São Paulo. O primeiro presidente a assumir a direção da instituição foi o notário Francisco Teixeira da Silva Júnior, que ficou à frente da entidade por nove anos consecutivos. Na sua gestão, Teixeira contou com a participação atuante dos colegas Octávio Uchôa da Veiga (tesoureiro) e Antônio Augusto Firmo da Silva (secretário). Embora não integrassem a diretoria, notários como José Neves Neto, Fernando de Almeida Nobre Filho, Bruno Zaratin, Carvalho Sobrinho e José Cyrillo mantinham forte atuação na entidade.

Nos primeiros anos, o CNB/SP era formado por um grupo de aproximadamente 24 tabeliães. Em geral, era um colegiado bastante coeso, que costumava se reunir com frequência em jantares e reuniões. Nesse período, a participação dos notários do interior era pequena em razão da distância e do horário das reuniões, que aconteciam geralmente à noite. Por conta da proximidade física, normalmente eram os tabeliães titulares e substitutos da Capital que costumavam participar dos eventos. “Havia a necessidade de agregar os notários em São Paulo, porque o interior não fazia parte dessa gama de filiados ao Colégio, para resolver os problemas da classe”, salienta o ex-presidente do CNB/SP, Jorge Augusto Aldair Botelho. A primeira composição do CNB/SP já contava com nomes respeitáveis, integrado por pessoas que tinham importância política no Estado e tabeliães dispostos a tentar dialogar junto ao Poder Judiciário. “Na época, nós tivemos como tabeliães em São Paulo pessoas importantes como o Menotti Del Picchia, o Carvalho Sobrinho, o Edgar Batista Pereira e tantos outros”, cita Jorge Augusto.

A relevância da criação do CNB/SP foi compreendida pelos tabeliães paulistas. Já nas primeiras gestões, o Brasil foi incluído na União Internacional do Notariado Latino. Em 1956, ainda na gestão de Francisco Teixeira, o Brasil, foi escolhido para sediar o IV Congresso Internacional do Notariado Latino. Firmo teve um papel importante para a viabilização dessa conferência. Com Teixeira à frente da presidência do Colégio, Firmo seguia viajando para outros países, inclusive trazendo obras e informações sobre o notariado. Havia, naquele momento, uma preocupação de incluir o Brasil no panorama internacional, tendo em vista que o País tinha pouca visibilidade nesse cenário. Sem desprezar essa preocupação, Firmo participou como representante do CNB/SP de muitos eventos internacionais, dentre os quais estão o V Congresso Internacional do Notariado Latino, realizado em Roma, em 1958, e a VIII Jornada Notarial Argentina, que ocorreu em Buenos Aires, em 1959.

A gestão de Francisco Teixeira da Silva Júnior foi pioneira e, embora tenha decorrido em um momento em que ainda se buscava caminhos para a atuação do Colégio, já apresentou importantes frutos tanto no aprofundamento dos estudos quanto no sentido de firmar uma imagem no notariado brasileiro no panorama internacional. O então presidente do CNB/SP faz questão de reconhecer o auxílio do colega Firmo, que integrou a diretoria na gestão dele, nesse processo, em discurso durante um jantar realizado no dia 2 de outubro de 1951 em razão das comemorações pelo Dia do Notário: “Dois de Outubro, data consagrada pelo I Congresso Internacional do Notariado Latino reunido em Buenos Aires em 1948 como o Dia do Notário, representa para todos nós, serventuários de justiça, uma grata efeméride. Estamos festejando-a nesse encontro amável para alimentar com a chama do nosso entusiasmo e da nossa fé, o fogo sagrado do nosso ideal, a nossa grande aspiração, o Colégio Notarial, que ainda ontem parecia uma utopia, e hoje, felizmente, é uma esplêndida realidade, graças sem dúvida, à fé inabalável, ao esforço constante, à dedicação ilimitada desse magnífico companheiro que é Antônio Augusto Firmo da Silva, a inteligência e a ação em pessoa.”

Francisco Teixeira costumava integrar algumas delegações junto com Firmo, como a do II Congresso Internacional do Notariado Latino, realizado em Madrid. Naquela oportunidade, o presidente do CNB/SP ficou bastante impressionado e surpreendido com a organização do notariado espanhol e também com o prestígio e a autoridade moral dos notários na Europa, com destaque para os da Espanha, da França, da Bélgica e da Itália, países cujo critério seletivo para o ingresso na carreira passava por provas e títulos.

“Não errarei se declarar que vi em cada notário de Madrid e em cada delegado estrangeiro ao mesmo Congresso, um jurista, tal a amplitude dos seus conhecimentos jurídicos. Essa a razão do seu incontestável prestígio. A autoridade da cultura, o primado da inteligência, a eficiência da capacidade criadora, assim é o notariado espanhol, qualquer cousa de notável. E, por incrível que pareça, data de 1862 a sua lei orgânica”, compartilhou Francisco Teixeira com os demais colegas tabeliães. A aproximação do presidente com o notariado europeu motivou na delegação brasileira o desejo de ampliar o trabalho no sentido de promover a união e o fortalecimento da classe, além de incutir na sociedade em geral o respeito pela pessoa do notário e pela sua função.

Francisco Teixeira compreendia que, para além das funções específicas de notário, o tabelião era também um agente arrecadador de impostos e tributos devidos ao Estado e à União e, por isso, uma espécie de “guardião zeloso da Fazenda Pública, um eficiente cooperador da administração pública, porém, sem nenhuma vantagem ou compensação sequer por esse trabalho, por essa atribuição nada simpática de fiscal do Fisco”. Para ele, o notário estava sujeito a sanções punitivas absurdas, distantes da respeitabilidade das funções notariais. Por isso, acreditava que era dever do CNB/SP propugnar por um tratamento melhor. Estimular estudos e congressos eram formas de alcançar esse objetivo. Na Primeira Jornada Notarial Brasileira, por exemplo, a entidade paulista já firmava sua projeção nacional ao convidar todos os serventuários de justiça do País para participar dos debates realizados em São Paulo, em janeiro de 1952. A iniciativa trouxe grandes benefícios à classe, pelo intercâmbio de informações sobre as legislações estaduais e até mesmo pela aproximação pessoal dos tabeliães de todo o Brasil.

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