Você já ouviu falar da Adjudicação Compulsória? Se está buscando sobre regularização de imóveis, certamente já ouviu ou vai ouvir falar dessa ferramenta que, lado a lado com a “Usucapião” se destaca como uma importante solução que permite que o interessado obtenha o RGI em seu nome quando esse objetivo não é alcançado – no caso da adjudicação compulsória – como conclusão lógica e previsível do cumprimento do contrato preliminar (a chamada “Promessa de Compra e Venda”). A bem da verdade são dois “remédios” que se destinam a tratar problemas diferentes, ligados a falta de RGI em nome do interessado mas, não raro, a Usucapião poderá resolver até mesmo casos onde a Adjudicação poderia ser indicada como regra. É sobre um dos importantes aspectos/requisitos da Adjudicação Compulsória que falaremos nesse breve ensaio: a prova da quitação.

Como sabemos, a Adjudicação Compulsória é o instrumento jurídico que autoriza com que o promitente comprador de um imóvel que não recebeu a Escritura Definitiva (seja pela recusa ou pela inércia injustificada do promitente vendedor) obtenha judicialmente a solução para seu impasse e obtenha o RGI em seu nome, quando então passará a ostentar publicamente a PROPRIEDADE PLENA. Não se desconhece que o “Direito do Promitente Comprador” é um direito real (tal qual arrolado no inciso VII do art. 1.225 do Código Civil) mas é cediço que acima dele está o “Direito de Propriedade” (inciso I do referido art. 1.225). Embasada nos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil, a ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA (que pode se dar tanto pela via judicial quanto pela via EXTRAJUDICIAL) visa a suprir a declaração de vontade do vendedor, transferindo compulsoriamente a propriedade do bem para o comprador, garantindo assim a efetividade do contrato preliminar, a segurança jurídica do negócio e a transferência do imóvel para quem efetivamente pagou por ele, uma vez que, como também já sabemos, enquanto não transferido no Cartório do RGI o imóvel permanecerá como de propriedade do antigo dono. Essa é a regra de clareza ofuscante do art. 1.245 do CCB:

“Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.§1º. Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”.

No processo de Adjudicação Compulsória a comprovação da quitação integral do preço, como regra, é um requisito “sine qua non” para o deferimento do pedido. Considerando a sistemática de um contrato, e a obrigação do comprador, o seu adimplemento é a causa que legitima a EXIGÊNCIA da contraprestação assumida pelo vendedor, qual seja, a outorga do título (Escritura) para permitir a transferência da titularidade (como inclusive destacado acima no art. 1.245). A prova do pagamento se materializa por meio de documentos robustos, como o próprio termo de quitação fornecido pelo vendedor, recibos de todas as parcelas, comprovantes de transferências bancárias, ou qualquer outro meio idôneo que ateste, de forma inequívoca, que o valor pactuado foi integralmente satisfeito. Sem essa prova, a pretensão do comprador carece de seu pressuposto lógico e jurídico.

Com a recente introdução da Adjudicação Compulsória pela VIA EXTRAJUDICIAL através da Lei nº 14.382/2022, que introduziu o art. 216-B na LRP, a atuação do Advogado tornou-se inegavelmente importante. No procedimento perante o Cartório, há a sedutora promessa de uma tramitação mais célere do que na via judicial – o que de fato tende a acontecer em muitos casos – porém aqui a prova da quitação não pode ser dispensada como na via judicial. Como veremos adiante, na via judicial esse requisito pode ser dispensado e isso pode fazer toda a diferença nos casos onde a comprovação da quitação não seja possível, especialmente diante do tempo em que os fatos ocorreram e na falta de conservação de tais documentos.

No Estado do Rio de Janeiro o Código de Normas o dispositivo que dispensava a prova de quitação foi revogado recentemente por ocasião do PROVIMENTO CGJ/RJ 44/2025 (D.O. de 14/07/2025). A redação do dispositivo revogado, par. 2º do art. 1.257, rezava:

“§ 2º. A prova de quitação poderá ser substituída por certidão forense de inexistência de ação de cobrança ou de rescisão contratual, bastando esta última se já decorrido o prazo de prescrição da pretensão ao recebimento das prestações”.

Parece evidente e lógico que, uma vez repousada a prescrição sobre a pretensão de cobrança do saldo devedor, pelo menos para fins de de adjudicação compulsória, teremos um cenário que equivalerá à quitação. Ora, se o vendedor não pode mais exigir judicialmente o pagamento da dívida, ele também não pode se valer do seu próprio inadimplemento (a não cobrança no tempo devido) para, com base nisso se recusar a outorgar a Escritura. Manter tal recusa configuraria, a nosso ver, um nítido comportamento contraditório e um abuso de direito – porém, agora mais do que nunca, esse será um motivo para que os Cartórios possam recusar a Adjudicação Compulsória Extrajudicial, pelo menos no Estado do Rio de Janeiro.

POR FIM, é possível então concluir que, pelo menos na via extrajudicial, por conta da estrita legalidade a que devem obediência diuturnamente, os Cartórios fluminenses, pelo menos enquanto vigente o noticiado Provimento 44/2025, não deverão realizar o procedimento de Adjudicação Compulsória Extrajudicial quando não comprovada cabalmente a quitação do preço ajustado no Contrato Preliminar. Como demonstra a jurisprudência recente do TJRJ, contudo, na via judicial tal pedido poderá ser deduzido contando com importantes precedentes que autorizam a dispensa da prova de quitação:

“TJRJ. 00269657520178190208. J. em: 06/03/2024. Apelação. Ação de Adjudicação Compulsória. Pressupostos. Prova da quitação. Desnecessidade. Prescrição da pretensão à cobrança de eventual crédito. (…) No caso em tela, o principal fundamento para a SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA foi a FALTA DE PROVA QUANTO À QUITAÇÃO dos valores acordados na promessa de compra e venda. Em que pese realmente não ter trazido prova documental relativa à quitação das parcelas acordadas na promessa de compra e venda para o pagamento, a pretensão de cobrança de eventual crédito foi atingida pela PRESCRIÇÃO, nos termos do art. 206, § 5º, I, do Código Civil. Analisando a ratio essendi da previsão legal de apresentação de prova da quitação como requisito para a adjudicação compulsória, o entendimento deste Tribunal de Justiça perfilhou-se no sentido de que, estando prescrita a pretensão à cobrança de crédito decorrente de promessa de compra e venda, NÃO HÁ RAZÃO LÓGICA EM SE EXIGIR A PROVA DA QUITAÇÃO. Sobre tal ponto, importante lembrar que a jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA posiciona-se no sentido de que, prescrita a pretensão de cobrança de parcelas não pagas, não é mais possível pleitear, com base no inadimplemento, a resolução do contrato. Assim, considerando que, conforme previsão contratual, a última parcela do pagamento venceria na data do término do inventário em que a Sra. Honorina recebeu os bens imóveis, o que ocorreu em 11/12/2014, como consta na certidão de ônus reais do imóvel, houve o transcurso do prazo quinquenal, previsto no art. 206, § 5º, I, do Código Civil e consequentemente a prescrição da pretensão de cobrança de eventual crédito constante no instrumento público que dá azo a esta AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO, sendo, portanto, IRRELEVANTE, para o acolhimento do pedido de adjudicação, a falta de prova da quitação. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO”.

Fonte: Julio Martins

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