Apelação n° 1031479-20.2024.8.26.0562

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1031479-20.2024.8.26.0562
Comarca: SANTOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1031479-20.2024.8.26.0562

Registro: 2025.0000701726

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1031479-20.2024.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que são apelantes JOSE OSMAR DE SANTANA e MARTA MARLENE ROSA DE SANTANA, é apelado PRIMEIRO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SANTOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 3 de julho de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1031479-20.2024.8.26.0562

Apelantes: Jose Osmar de Santana e Marta Marlene Rosa de Santana Apelado: Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos

VOTO Nº 43.842

Direito Registral – Apelação – Registro de Imóveis – Apelação não provida.

I. Caso em Exame

1. Recurso de apelação interposto contra sentença que manteve a recusa ao registro de carta de adjudicação de imóvel porque inserido em loteamento não regularizado e não comprovado o recolhimento do ITBI.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se o imóvel objeto da adjudicação compulsória está inserido em loteamento devidamente regularizado e se há necessidade de recolhimento do ITBI para o registro da carta de adjudicação.

III. Razões de Decidir

3.A qualificação registral negativa não caracteriza descumprimento de decisão judicial, conforme jurisprudência pacífica.

4.O imóvel está inserido em loteamento não registrado, o que impede o registro da adjudicação. A adjudicação compulsória é modo derivado de aquisição da propriedade, de modo que se submete aos principios da continuidade e da especialidade. A regularização do loteamento é necessária para o registro.

5.A certidão fiscal indicou a inexistência de fato gerador para o ITBI, o que afasta a exigência do recolhimento do imposto.

6.Ainda que afastado um dos óbices, o título não pode ingressar no registro pela exigência mantida, de sorte que a dúvida procede e a apelação fica rejeitada.

IV. Dispositivo e Tese

7. Apelação não provida.

Tese de julgamento: “1. A regularização do lote to é condição para o registro de carta de adjudicação.

2. Ainda que afastado o óbice referente à comprovação do pagamento do ITBI, o título não pode ingressar no fólio real pela outra exigência, mantida”.

Legislação Citada:

Lei nº 8.935/1994, art. 28 e art. 30, XI; Lei nº 6.015/1973, art. 289; CTN, art. 134, VI.

Jurisprudência Citada:

Apelação Cível n. 413-6/7; Apelação Cível n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n. 0005176-34.2019.8.26.0344; Apelação Cível n. 1001015-36.2019.8.26.0223; Apelação Cível n. 188-6/9; Apelação Cível n. 012703-0/1; Apelação Cível n. 28.849-0/9; Apelação Cível n. 1005093-68.2022.8.26.0223; Apelação Cível n. 1029608-86.2023.8.26.0562; Apelação Cível 20522-0/9; Apelação Cível 996-6/6; Apelação Cível 0009480- 97.2013.8.26.0114.

Trata-se de recurso de apelação (fls. 199/215) interposto por José Osmar de Santana e Marta Marlene Rosa de Santana contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos (fls. 185/193), que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa ao registro da carta de adjudicação extraída da ação de adjudicação compulsória, processo nº 5008135-82.2018.4.03.6104, da 4ª Vara Federal de Santos, envolvendo o domínio útil do lote de terreno identificado como de nº 10, da quadra 38, do Jardim Bom Retiro, inserido em área maior objeto da transcrição nº 3.657 daquela serventia (nota devolutiva de nº 6.082, fls. 80/81).

A r. sentença, inicialmente, abordou a impossibilidade de dilação probatória no processo de dúvida e, em seguida, manteve a recusa do registro do título porque necessários: (i) a regularização do loteamento em que inserido o imóvel objeto da ação de adjudicação compulsória e (ii) o recolhimento do ITBI pela adjudicação do domínio útil do imóvel, ainda que realizado o pagamento do tributo com referência aos direitos anteriormente cedidos (fls. 185/193).

Em seu recurso, os apelantes alegam que o loteamento está regularizado e não há ITBI a pagar, como demonstrado pela certidão expedida pelo Município de Santos, que foi entregue na serventia antes da suscitação da dúvida. Pedem a reforma da sentença (fls. 199/215).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo parcial provimento do recurso (fls. 242/244).

É o relatório.

Inicialmente, pertinente observar que o título judicial não é imune à qualificação registral.

O Oficial, titular ou interino, dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei nº 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Esta conclusão se reforça pelo disposto no item 117, do Capítulo XX, das Normas de Serviço[1], bem como pelo entendimento jurisprudencial pacífico no sentido de que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7; Apelação Cível n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n. 0005176-34.2019.8.26.0344 e Apelação Cível n. 1001015-36.2019.8.26.0223).

Na espécie, o ingresso da carta de adjudicação foi obstado por dois motivos: (i) porque o imóvel se situa em loteamento ainda não regularizado perante a serventia imobiliária; e (ii) porque haveria, segundo o Oficial, ITBI a pagar.

Quanto ao primeiro óbice, a alienação forçada em processo judicial encerra transmissão derivada do direito de propriedade. No caso da adjudicação judicial, parece claro o vínculo existente entre o direito adjudicado e o direito preexistente do qual aquele deriva, pois, sem a propriedade primitiva, a adjudicação não seria possível.

Assim e como não registrado o loteamento ou regularizado o parcelamento do solo na forma prescrita em lei, pode-se concluir que, juridicamente, o lote ainda não existe.

Justamente por se tratar de loteamento irregular, todas as referências quanto ao lote e às quadras municipais, ainda não constantes do registro, são insuficientes para identificação da área.

Nota-se, também, que o imóvel principal está identificado no registro imobiliário apenas como “as Terras do Sítio Palmeiras e Bom Retiro, também outrora chamado Santa Maria e Ilhas das Palmas”, o qual sofreu diversos desmembramentos (fls. 82/119).

O que se quer dizer é que a descrição existente perante o Registro de Imóveis (na hipótese, na transcrição em questão), deveria permitir localização, no todo, da parcela prometida à venda, com identificação, no espaço geográfico delimitado pelo registro, da porção destacada para fins de controle da disponibilidade (a transcrição em questão nada disso permite).

Neste sentido é o voto condutor do acórdão proferido na Apelação Cível n. 188-6/9:

“(…) Quando se tratar, por exemplo, de alienação de parte de um imóvel, necessário será que a descrição da parte permita localizá-la no todo e, ao mesmo tempo, contenha todos os elementos necessários à abertura da matrícula (conf. Jorge Seabra Magalhães, ob. cit., p. 63)” (Retificação do Registro de Imóveis, Ed. Oliveira Mendes, São Paulo, 1997, p. 68). Em que pese a alegação de que o parcelamento é antigo, anterior à Lei n° 6.766/79 e realizado na vigência do Decreto-lei nº 58/37, cumpre ter em mente que, no âmbito do Registro Imobiliário propriamente dito, não se encontram dados suficientes para individualizar o ‘lote’ em testilha, bem como o remanescente da área total primitiva. Do ponto de vista tabular, não modificam a situação a existência de certidões expedidas pela Prefeitura Municipal de Jandira (fls.), referentes ao cadastramento de tal terreno, nem a juntada de plantas pela recorrente (fls.). São documentos que poderão subsidiar pedido futuro, voltado à retificação ou regularização registrária, mas que não têm o condão, por estranhos ao fólio real, de viabilizar o pronto registro pretendido. Nessa esteira, já decidiu este Conselho, ao apreciar a Apelação Cível nº 35.016-0/4, que “não há como registrar parcela destacada de área maior, quando não for possível controlar, com eficiência, a partir de elementos tabulares, a disponibilidade da área destacada e da remanescente”.

Ainda que haja notícia de aprovação do parcelamento pela Prefeitura Municipal, conforme certidão trazida tão somente em recurso (fls. 218), o que, por si só, não seria levada em consideração porque a juntada de documentos no curso da dúvida é inadmissível, tal fato não supre a necessidade de regularização da situação do imóvel principal perante a serventia extrajudicial, o que somente se dará por meio do registro do loteamento na forma da lei competente.

A propósito, os precedentes deste E. Conselho Superior da Magistratura:

“A venda de lote de loteamento pressupõe a existência do loteamento – tanto na sistemática da Lei 6.766/79, quanto no anterior Dec. – Lei 58/37. O fato de se tratar de compromisso de compra e venda celebrado anteriormente à Lei n. 6.766/79 em nada favorece a pretensão de registro de lote de loteamento irregular” (Apelação Cível n. 012703-0/1, Relator Des. Onei Raphael – D.O.J. 16.09.91).

“Registro de Imóveis – Dúvida – Loteamento não registrado – Carta de adjudicação que tem por objeto parcela destacada da área maior – Imprescindibilidade de prévia regularização do parcelamento – Recurso não provido” (Apelação Cível n. 28.849-0/9, Relator Des. Márcio Martins Bonilha).

“Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Carta de adjudicação – Loteamento não registrado – Necessidade de prévia regularização – Disponibilidade – Especialidade objetiva – Recurso a que se nega provimento” (Apelação Cível n. 1005093-68.2022.8.26.0223, j. em 05 de setembro de 2023, Rel. Des. Fernando Antonio Torres Garcia).

Há precedente, inclusive, com referência ao mesmo loteamento:

“Dúvida – Registro de Imóveis – Carta de adjudicação. Título judicial que se sujeita à qualificação registral. Imóvel integrante de loteamento não regularizado perante o Registro de Imóveis, embora aprovado pela Prefeitura Municipal para fins tributários.

Adjudicação é modo derivado de aquisição do domínio – Princípios da continuidade e da disponibilidade devem ser respeitados. Impossibilidade de acesso ao fólio real enquanto não atendidos os requisitos legais para registro do loteamento. Recurso a que se nega provimento” (Apelação Cível n. 1029608-86.2023.8.26.0562, j. em 25 de outubro de 2024, de minha relatoria).

Esta conclusão também não se infirma por terem sido abertas matrículas para alguns lotes vizinhos ao arrepio da regularização do loteamento.

Eventuais irregularidades ocorridas no passado não autorizam a continuidade da prática irregular no futuro.

De qualquer modo, a regularização não ingressou no registro imobiliário, onde consta somente a transcrição da gleba maior.

Disso decorre que o ingresso do título derivado violaria de frente o princípio da especialidade objetiva.

Vale consignar, como bem mencionou o Oficial, que a regularização do domínio também poderá se dar pela via originária (usucapião), que inauguraria nova cadeia dominial.

A adjudicação compulsória tem natureza de obrigação de fazer, consistente em celebrar o negócio definitivo de compra e venda. Trata-se de título derivado, pois supre a escritura não outorgada pelo promitente vendedor, de modo que se submete aos princípios da continuidade e da especialidade.

Por fim, no tocante ao recolhimento do imposto de transmissão inter vivos, sabe-se que, para os registradores, vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei nº 6.015/73; art. 134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei nº 8.935/94).

Por outro lado, este C. Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo):

“Ao oficial de registro incumbe a verificação de recolhimento de tributos relativos aos atos praticados, não a sua exatidão” (Apelação Cível 20522-0/9 – CSMSP – J.19.04.1995 – Rel. Antônio Carlos Alves Braga).

“Todavia, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 996-6/6CSMSP, j. 09.12.2008 – Rel. Ruy Camilo).

“Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 0009480- 97.2013.8.26.0114 Campinas – j. 02.09.2014 – Rel. des. Elliot Akel).

No caso em análise, há razão bastante para afastar o óbice deduzido pelo Oficial de Registro.

A certidão de fls. 79, expedida pela Procuradoria Fiscal de Santos, menciona que já houve o recolhimento do ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) sobre a cessão de direitos ocorrida relativamente ao imóvel tratado nos autos, com a expressa referência a que a ação de adjudicação compulsória apenas reconheceu a existência da escritura de cessão de direitos, concluindo pela não ocorrência de novo fato gerador apto à incidência do tributo.

Certo ou errado, o fato é que o Município de Santos, a quem compete cobrar o tributo em pauta, teve ciência da carta de adjudicação e afirmou textualmente que não há novo fato gerador do tributo em razão do que ela contém.

Desta forma, o óbice em questão não prevalece.

Contudo, como a primeira exigência se mantém, o título não pode ingressar no registro, o que impõe a manutenção da procedência da dúvida e o não provimento ao recurso de apelação.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

NOTA:

[1] “117. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”. (DJe de 17.07.2025 – SP)

Fonte: DJE

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