Reza a Lei que a Usucapião é o modo de aquisição da propriedade pela conversão da posse prolongada, mansa, pacífica e com intenção de dono (“animus domini”), desde que preenchidos os requisitos de tempo exigidos em lei para cada uma de suas modalidades (e são várias espécies de Usucapião disponíveis segundo as Leis brasileiras). Como sabemos bem, a busca por esse reconhecimento e conversão de posse em propriedade, desde 2015 pode ocorrer tanto pela VIA JUDICIAL, por uma ação tradicional, quanto pela VIA EXTRAJUDICIAL, através de um procedimento mais célere realizado diretamente no Cartório de Notas e no Cartório do RGI também com assistência obrigatória de Advogado. A escolha entre as vias é, a princípio, facultativa ao interessado, sendo vedada apenas a tramitação simultânea de ambas para o mesmo fim. Contudo, uma dúvida recorrente surge quando uma Ação Judicial de Usucapião tem o desfecho desfavorável e recebe sentença de IMPROCEDÊNCIA: seria possível, então, recorrer à via extrajudicial? A resposta não é um simples “sim” ou “não”, mas depende fundamentalmente do motivo da improcedência.

É de suma importância compreender que o procedimento extrajudicial, embora mais simples e com a promessa de ser muito mais célere, não é desprovido de rigor. Ele possui regras que já foram aquelas do Provimento CNJ 65/2017 e hoje estão estampadas no Provimento CNJ 149/2023. Entre os diversos documentos exigidos para sua instrução, estão as certidões de feitos judiciais em nome do requerente e dos proprietários registrais. Isso revela que a existência da Ação Judicial anterior, bem como sua sentença de improcedência, deverá ser inevitavelmente conhecida pelo Oficial do Registro de Imóveis. Este, ao se deparar com uma decisão judicial prévia sobre o mesmo imóvel e as mesmas partes, tem dever legal de analisar a natureza daquela decisão para verificar se há algum impedimento que projete efeitos e determine o não prosseguimento do pedido administrativo.

O ponto nevrálgico da questão reside na distinção entre a “improcedência por questões de mérito” e a “extinção do processo sem resolução de mérito”. Se a sentença judicial, transitada em julgado, julgou o pedido improcedente por entender que o autor não cumpriu os requisitos essenciais da usucapião – por exemplo, por não ter comprovado o tempo de posse necessário, o “animus domini”, ou por a posse ser violenta ou clandestina –, temos que será formada a “coisa julgada material”. Nesse caso, a matéria foi definitivamente decidida, e não poderá ser rediscutida nem na via judicial, nem na extrajudicial, pois o direito em si foi negado.

Por outro lado, se o processo foi extinto sem resolução de mérito (conforme art. 485 do CPC), a situação é completamente diferente. Isso ocorre, por exemplo, quando a petição inicial é inepta, quando falta um documento indispensável (como uma planta ou memorial descritivo adequado), ou por qualquer outro vício processual que impediu o juiz de analisar o direito em si. Nesses casos, o mérito não foi examinado, não há formação de coisa julgada material sobre a posse e o direito à usucapião. A decisão apenas apontou uma falha no processo, e não no direito. Corrigido o vício, é perfeitamente possível a propositura de uma nova demanda, seja ela judicial ou, se preenchidos os requisitos, extrajudicial.

Mas adentrando com mais profundidade no terreno das discussões sobre Usucapião é preciso observar que o não atendimento ao requisito temporal não pode impedir nova tentativa (seja na via judicial, seja na via extrajudicial) para obter o reconhecimento. Nesse sentido, importantes decisões do TJMG e do TJRS:

“TJMG. 10000191385830001. J. em: 28/01/2020. APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE USUCAPIÃO – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO EM AÇÃO ANTERIOR – COISA JULGADA – INEXISTÊNCIA – AJUIZAMENTO DE NOVA AÇÃO DE USUCAPIÃO – POSSIBILIDADE. A improcedência de pedido formulado em anterior ação de usucapião, com base no não atendimento do requisito temporal, não impede a propositura de nova ação após o decurso do prazo legal exigido pela lei, não havendo falar em coisa julgada, na medida em que se formula novo pedido com fundamento em novo lapso temporal”.

“TJRS. 70075853887. J. em: 28/02/2018. APELAÇÃO. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. ART. 1.238, CAPUT, DO CCB. INDEFERIMENTO DA INICIAL E EXTINÇÃO DO FEITO. COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. OPOSIÇÃO À POSSE. NÃO CONFIGURADA. SENTENÇA DESCONSTITUIDA.COISA JULGADA. Não opera coisa julgada a sentença que julga improcedente o feito por ausência de lapso temporal para conversão da posse em propriedade. Dos requisitos necessários à usucapião, o tempo é o único que, quando não demonstrado, conduz à improcedência da pretensão sem qualificar-se a sentença pela imutabilidade. Cabível o ajuizamento de nova ação pelo possuidor ao complementar o prazo faltante, sem que se cogite de coisa julgada material. Doutrina e jurisprudência a respeito. OPOSIÇÃO À POSSE. CONTESTAÇÃO. A contestação oferecida em ação de usucapião não pode ser elevada e equiparada à oposição à posse prevista em lei, e não tem o condão de interromper, por si só, o prazo da prescrição aquisitiva. Doutrina e jurisprudência .PROVIMENTO DA APELAÇÃO. SENTENÇA DESCONSTITUIDA”.

Vê-se, dessa forma, que embora haja possibilidade do ajuizamento de nova ação de usucapião com base em novo lapso temporal, é preciso evidenciar junto aos pedidos posteriores inclusive fundamentos novos e/ou novo prazo da prescrição aquisitiva.

Resta claro que diante dessa complexidade, a análise do caso por um Advogado Especialista em Direito Imobiliário torna-se fundamental. Este diagnóstico é o que definirá a viabilidade e a estratégia para uma nova tentativa, seja ela qual for. Finalmente, a escolha da via a ser seguida após essa análise também é importante: a via extrajudicial é ideal para casos de menor complexidade (sendo certo que a imensa maioria dos casos de regularização imobiliária tem sua complexidade). Em cenários mais desafiadores, de maior complexidade, com histórico de litígio, ou que demandem uma dilação probatória mais robusta (como a oitiva de múltiplas testemunhas para contrapor fatos), a via judicial continua sendo a mais indicada e segura, pois o Poder Judiciário tem maior envergadura para dirimir conflitos e analisar profundamente as provas, oferecendo maior segurança jurídica em situações intrincadas.

Fonte: Julio Martins

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