Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que mais da metade dos divórcios registrados em Rio Preto terminam antes dos oito anos de união
 
É cada vez mais rara a frase “até que a morte nos separe” para os casais de Rio Preto. Isso porque cresceu o número de divórcios e os casamentos estão terminando cada vez mais cedo. Falta de comunicação, ciúmes, crise financeira, traição e estresse por conta do isolamento social são os principais fatores para os términos matrimoniais, apontam psicoterapeutas.
 
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que mais da metade dos divórcios registrados em Rio Preto ocorre em até sete anos. Em 2020, o índice atingiu 51%. Em 2010, era de 36%. Ao todo, o número de divórcios judiciais cresceu 70% no período, de 768 para 1.313.
 
A facilidade para divorciar e relações humanas cada vez mais frágeis são apontados como motivações para a transformação comportamental dos casais rio-pretenses. Lavínia (nome fictício) faz parte da lista de casais que resolveu se divorciar. “A gente percebeu que não estava dando mais certo e resolveu de cada um seguir a sua vida. Foi a melhor decisão”, disse.
 
Pesquisas do IBGE também mostram que casais estão casando cada vez mais tarde e separando mais cedo. Em Rio Preto, a idade média para divorciar, em 2010, era de 30 a 34 anos para homens e mulheres. Em 2020, a idade média para divorciar na cidade passou para 35 a 39 anos para mulheres e 40 a 44 anos aos homens.
 
“Hoje em dia, os casais namoram pouco antes de casar. No passado, existia o período da conquista, noivado e quando oficializava o dois já se conheciam bastante, ou seja, tinham a decisão mais sólida do casamento, pois já tinham passado por brigas. O que acontece hoje é que as pessoas mal se conhecem e casam. Ou seja, quando surgem os primeiros conflitos estão casadas”, apontou o terapeuta e professor da Famerp Nelson Valério.
 
Ao mesmo tempo em que aumentou o número de divórcios em Rio Preto, caiu o número de casamentos. De 2.476 matrimônios em 2010, a cidade teve 2.075 em 2020 – diminuição de 16%. Uma das explicações foi a própria pandemia, que fez muitos casais brasileiros adiarem o casamento. “Os conflitos se acentuaram a partir da pandemia, quando os casais ficaram mais tempo juntos e isolados. Muitas vezes, isso levou a discussões que terminaram em separação”, relatou a psicóloga e historiadora Jéssica de Oliveira.
 
Legislação
 
Para o membro consultor da comissão de advocacia da família e sucessões da OAB de São Paulo Marcelo Truzzi, a própria mudança na interpretação jurídica do divórcio favoreceu que as separações crescessem. “Hoje em dia, não precisa mais ter uma motivação para separar. No passado, você não podia divorciar se não tivesse cumprindo as obrigações do divórcio e precisava até esperar um período. Hoje, não existe mais esse prazo. É muito mais fácil se divorciar”, relatou.
 
Até 1977, o casamento era indissolúvel no Brasil. Com a aprovação da Lei do Divórcio no mesmo ano, que sofreu inúmeras críticas de religiosos, o direito brasileiro passou a considerar o divórcio como um direito individual, abandonando os costumes religiosos herdados do direito canônico – ligado a igreja. Neste ano, a Lei do Divórcio completa 45 anos.
 
“A lei foi um importante avanço e o divórcio passou a ser um exercício de liberdade individual. Para divorciar em si, basta dizer que não está mais casado. No passado, tinha todo o constrangimento para quem divorciava, hoje em dia não existe mais isso”.
 
Novos motivos explicam fim das relações
 
Em 2003, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman disse que o “amor estava líquido”. Ou seja, que as relações estavam cada vez mais descartáveis. A afirmação de Bauman nunca esteve tão presente como nos dias atuais, segundo especialistas em comportamento humano. “A gente troca as pessoas como troca de roupa”, destaca o terapeuta e professor da Famerp Nelson Valério.
 
Em busca de saber o porque dos casamentos estarem acabando em tão pouco tempo, o Diário ouviu quatro especialistas em terapia para casais. “Hoje, os motivos que levam os casais a se separar são diferentes do que tínhamos antes da pandemia”, destacou a coordenadora do setor de gerenciamento de estresse e qualidade de vida da Unifesp, Denise Pará Diniz.
 
Segundo ela, em 2018, a traição, ciúmes e falta de diálogo lideravam as queixas dos casais durante a sessões de terapia. Agora, pós-isolamento, falta de diálogo, dificuldades financeiras e estresse são as principais motivações das discussões. “Antes, o casal brigava e cada um podia ir para um canto esfriar a cabeça, na pandemia, com o isolamento, isso não foi possível”.
 
A psicoterapeuta e doutoranda em Ciências da Saúde Patricia Silva Melo também aponta que a disputa pelo poder na relação com os filhos, problemas de comunicação e as incertezas do futuro motivam muitas brigas entre os casais. “Quando o pedido de divórcio acontece, a relação está desgastada e acaba sendo a última situação a ser feita. No entanto, antes do pedido de divórcio muitas situações e vivências já foram tentadas, sem sucesso”.
 
Dificuldades de se colocar no lugar do outro e busca incessante pela felicidade, colocando inúmeras expectativas no parceiro também são apontados como motivações do fim de casamentos. “Estamos vivendo uma sociedade do prazer imediato que tem pouca resiliência às dificuldades. Além disso, a falta de investimento no relacionamento de ambas partes motiva muitos divórcios”, afirmou Nelson.
 
Para a psicóloga e historiadora Jéssica de Oliveira, o empoderamento feminino e a maior independência da mulher favoreceu que os divórcios se tornassem corriqueiros. “Normalmente, os casais não entendem que a Maria de hoje não é a mesma do passado. Por isso, da importância do diálogo constante entre o casal e do investimento de ambos no relacionamento”. (RC)
 
Em Rio Preto
 
Casamentos
 
2010 2.476 casamentos
 
2020 2.075 casamentos
 
Diminuiu em 16% o número de casamentos em Rio Preto
 
No Brasil, um em cada três casamentos acaba em divórcio
 
Casamentos cada vez mais curtos
 
Em 2010

 
36% dos casamentos terminaram em até sete anos, em Rio Preto
 
Em 2020
 
51% dos casamentos terminaram em até sete anos, em Rio Preto
 
Idade média para divorciar em Rio Preto
 
2010 mulheres
 

  • 30 a 34 anos (18,6%)

2020 mulheres
 

  • 35 a 39 anos (19%)

2010 homens
 

  • 30 a 34 anos (19,4%)

2020 homens
 

  • 40 a 44 anos (17,8%)

O que é o divórcio?
 
O divórcio é o rompimento legal e definitivo do vínculo de casamento civil. Esse tipo de separação foi instituído oficialmente no Brasil com a aprovação da emenda constitucional número 9, de 28 de junho de 1977, regulamentada pela lei 6.515 de 26 de dezembro do mesmo ano
 
Tipos de divórcios no Brasil
 
Divórcio litigioso (judicial): É aquele divórcio no qual homem e mulher não conseguem entrar em acordo acerca dos termos da separação. Este caso envolve situações mais complexas que o casal não poderá resolver por si só, dependendo de um advogado, principalmente quando houver partilha de bens, pensão e guarda dos filhos menores ou incapazes (menor de 16 anos)
 
Divórcio amigável (extrajudicial): é o tipo de divórcio mais rápido e barato que existe, uma vez que ele acontece em cartório. Porém, ele só é possível se o casal não possuir filhos menores e estiver de acordo acerca de tudo que envolve o divórcio
 
Divórcio judicial consensual: o divórcio feito de forma consensual também pode acontecer por meio judicial. Por ser amigável está entre as formas de divórcio mais rápidas, também é realizado quando há filhos menores ou incapazes e a presença de advogado
 
HISTÓRIA DO DIVÓRCIO NO BRASIL

Até 1977 – o casamento era indissolúvel no Brasil, a legislação brasileira mantinha os resquícios coloniais que apresentavam forte apelo do Direito Canônico, ou seja, considerava o casamento um sacramento, sem possibilidade de dissolução
 
1977 – divórcio foi instituído oficialmente com a Emenda Constitucional número 9, de 28 de junho de 1977, regulamentada pela Lei 6.515 de 26 de dezembro do mesmo ano. A inovação permitia extinguir por inteiro os vínculos de um casamento e autorizava que a pessoa casasse novamente com outra pessoa
 
2007 – Promulgada a Lei 11.441 de 4 de janeiro de 2007 que institui o divórcio amigável (extrajudicial). Assim, o divórcio começa a poder ser feito direto no cartório de notas, quando o casal não possui filhos menores de idade ou incapazes e desde que não haja litígio
 
2010 – Naquele ano, foi aprovada a chamada emenda do divórcio, que permitiu que o divórcio pudesse ser concedido sem a prévia separação. Ou seja, as pessoas não precisam mais se separar, esperar determinado tempo para se divorciar. Elas podem se casar hoje e se divorciar amanhã
 
Fontes – Colégio Notarial do Brasil, Jornal Contábil, OAB, IBGE e reportagem
 
PRINCIPAIS RAZÕES PARA OS DIVÓRCIOS
 
Infidelidade
 
A mentira frequente é um dos motivos apontados por casais para o início de discussões que terminam em divórcio. É a partir também da mentira que muitas vezes surge a infidelidade. Com ela, a imperdoável atitude de não respeitar o próprio cônjuge
 
Ciúmes
 
A confiança é fundamental em qualquer relacionamento, seja amoroso ou até entre amigos. E o ciúme aparece entre as principais motivações para discussões que terminam em divórcios na cidade
 
Família
 
Você deve ter escutado o velho ditado, ‘Você não se casa apenas com a pessoa. Você se casa com a família’. E isso é verdade. Quando estamos avaliando um parceiro perfeito, inevitavelmente a família da pessoa desempenha parte importante. E muitas vezes a família também enseja o fim de muitas relações em Rio Preto
 
Crise financeira
 
As dificuldades financeiras são motivo para muitas discussões que terminam em divórcios em Rio Preto. A triste realidade é que o dinheiro é a praga de muitos casais. É difícil funcionar quando alguém está fora do trabalho, lutando apenas para pagar as contas, ou trabalhando em dois empregos para sobreviver. A comunicação desempenha um papel crucial para quem está nessa situação
 
Filhos
 
Depois de juntar as escovas, surgem inúmeros dilemas que não existiam na fase do namoro. Alguns casais são formados com suas famílias preexistentes, de outros relacionamentos. Outros se formam a partir da comunhão. De uma forma ou de outra, os filhos surgem e, em diversos momentos, trazem desafios enormes, tais como a energia dedicada a eles, a vida sexual afetada e até mesmo os cuidados individuais. O resultado deste lento e quase imperceptível processo é o divórcio, sobretudo pela falta de diálogo e pelo estabelecimento de regras a partir da educação dada aos filhos, as quais não se aplicam ao relacionamento