O presente artigo busca analisar a natureza tributária dos emolumentos e classificá-los em uma das espécies de tributos, de acordo com a leitura da jurisprudência dominante. Fixada a natureza dos emolumentos, passa-se a analisar os critérios para sua fixação, especialmente quanto a base de cálculo, à luz da legislação do Estado de São Paulo, no tocante aos atos que envolvam situações jurídicas com conteúdo financeiro.
A simples e literal leitura do caput do artigo 236 da Constituição Federal, deixa claro que, embora os serviços notariais e de registro devam ser prestados por pessoas privadas (a expressão constitucional é “exercidos em caráter privado”), esta prestação deverá ser feita por meio de delegação do Poder Público. Assim, de clareza solar que o serviço notarial e de registro, de acordo com a nossa Constituição, possui uma natureza de função pública. Uma função pública que deve ser prestada não pelo Poder Público, seu titular, mas por pessoas privadas delegadas.
Nesse cenário, como a contrapartida pelo serviço notarial e de registro público prestado pelo particular, em caráter pessoal, no desempenho de sua função pública delegada, a Constituição e a legislação infraconstitucional estabelecem a incidência de emolumentos, fixados pelos Estados e Distrito Federal.
Os emolumentos não se enquadram no conceito restrito de remuneração, já que se prezam para além de remunerar o delegatário da função pública, sendo utilizados para remunerar terceiros e manter as condições necessárias para a prestação dos atos notariais e de registro.
No que se refere à natureza jurídica dos valores cobrados pelos delegatários dos serviços extrajudiciais, uma longa discussão doutrinária e jurisprudencial permeia a classificação, em especial se os mesmos seriam taxas ou preços públicos, sendo que a doutrina e jurisprudência majoritárias enquadram os emolumentos cartorários como taxas.
A taxa é um tributo que se caracteriza por revelar em seu fato gerador a prestação de um serviço público diretamente dirigido ao contribuinte como, por exemplo, as atividades notariais e de registro, as quais possuem natureza pública, sendo que sua delegação ao particular não altera essa natureza. Tendo isso em vista, apesar do serviço notarial e de registro ser prestado pelo particular, por meio de delegação do Estado, a atividade é efetivada sob o regime de Direito Público[1].
Nesse caminhar, a competência tributária (isto é, a aptidão para inovar na ordem jurídica), com relação às taxas, foi outorgada pelo Constituinte Originário a todos os Entes Políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), os quais poderão regrar todos os aspectos relacionados com a tributação a esse título nas suas respectivas esferas de atuação.
Dentre os vários aspectos relacionados com a exigência de emolumentos, cuja espécie tributária é a taxa, conforme já indicado, o legislador paulista, através da Lei nº 11.331/2002, no que diz respeito à quantificação de sua base de cálculo no tocante aos atos relativos a situações jurídicas com conteúdo financeiro, cujos emolumentos são fixados mediante a observância de faixas com valores mínimos e máximos, nas quais enquadrar-se-á o valor constante do documento apresentado aos serviços notariais e de registro, prescreveu três possibilidades e a necessidade de se eleger a maior entre elas.
Observe-se:
“Artigo 7º – O valor da base de cálculo a ser considerado para fins de enquadramento nas tabelas de que trata o artigo 4º, relativamente aos atos classificados na alínea “b” do inciso III do artigo 5º, ambos desta lei, será determinado pelos parâmetros a seguir, prevalecendo o que for maior:
I – preço ou valor econômico da transação ou do negócio jurídico declarado pelas partes;
II – valor tributário do imóvel, estabelecido no último lançamento efetuado pela Prefeitura Municipal, para efeito de cobrança de imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, ou o valor da avaliação do imóvel rural aceito pelo órgão federal competente, considerando o valor da terra nua, as acessões e as benfeitorias;
III – base de cálculo utilizada para o recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis.”
Como se vê, a despeito da dimensão econômica relativa ao valor da transação ou do negócio, as demais hipóteses decorrem de previsões estabelecidas pela ordem jurídica, especificamente municipal, pois que, por mandamento constitucional (artigo 156, I e II), essa é a pessoa política dotada de competência tributária para disciplinar a tributação pelo Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) ou pelo Imposto de Transmissão “Inter Vivos” de Bens Imóveis (ITBI).
Nesse contexto, estabelecendo a Lei Estadual nº 11.331/2002 que o recolhimento dos emolumentos deve observar determinados critérios, prevalecendo sempre o que for maior, tal comando somente poderá ser modificado em função do reconhecimento da inconstitucionalidade da exigência pelo Poder Judiciário, de maneira difusa (apenas para aqueles que demandarem nesse sentido) ou maneira abstrata; ou da modificação promovida pelo Poder Legislativo e a consequente alteração do critério para manter consonância com o sistema jurídico.
Enquanto isso não ocorrer, o delegatário da função extrajudicial não tem caminho diverso do estrito cumprimento dos comandos democraticamente inseridos na ordem jurídica por aqueles que foram escolhidos para o desenvolvimento desse mister. Aliás, essa é a essência do Estado Democrático – a formação de uma vontade homogênea a partir de vontades heterogêneas.
Considerando a natureza jurídica tributária dos emolumentos, não cabe ao Tabelião escolher como ou quanto cobrar. Tampouco lhe cabe descontar valores ou reconhecer, por analogia, eventual inconstitucionalidade de lei ou artigo que altere o modo ou forma de cobrança, em sua prática diária, uma vez que os delegatários de Serventias Extrajudiciais, por se enquadrarem como prestadores de serviços públicos, estão constritos ao princípio da legalidade estrita.
Como não poderia ser diferente, o entendimento aqui delineado foi devidamente respaldado pela Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo quando do julgamento do Pedido de Providências n. 103705527.2021.8.26.0100.
No caso em exame, a legislação estadual fornece três possíveis valores que orientarão a fixação dos emolumentos, dispondo expressamente que deve prevalecer o maior: (i) o valor econômico do negócio jurídico; (ii) o valor tributário para cobrança de IPTU; e (iii) a base de cálculo do ITBI.
O serviço público delegado, como o é a atividade desempenhada pelos notários e registradores, submetido ao princípio da estrita legalidade, impõe a estes a vinculação comportamental ao que estiver previsto em lei. Tal panorama normativo impõe que a fixação dos emolumentos atenda rigorosamente às predicações legais, inexistindo qualquer discricionariedade, inclusive por parte das Corregedorias no desempenho de suas funções administrativas, na determinação do tributo devido para a prática dos atos notariais e registrais, instituído em atenção à legalidade tributária.
Era o que cabia pontuar.
[1] Este artigo é uma versão reduzida do texto publicado no livro O Direito Civil na Era da Inteligência Artificial (Coord. Gustavo Tepedino e Rodrigo da Silva Guia). RT, 2020, p. 703-720.
2 Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM. Presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registral na OAB Nacional. Mestre em Direito Civil pela UERJ. Advogado.
3 Tabelião do 30º Ofício de Notas de São Paulo, SP. Diretor de Inovação e Tecnologia do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB-SP).
4 ADI nº 1.378/ES, Tribunal Pleno/STF, Ministro Relator CELSO DE MELLO, j. 30/11/1995
[1] ADI nº 1.378/ES, Tribunal Pleno/STF, Ministro Relator CELSO DE MELLO, j. 30/11/1995
Fonte: Jornal do Notário
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